sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Lições do topo


Para o consultor Jim Collins,  montanha é o melhor lugar para aprender sobre administração 
EXAME 

Como alpinista fanático que sou há mais de 30 anos, tudo em minha vida e em minha carreira sempre esteve associado à minha evolução como praticante desse esporte. Comecei a escalar montanhas ainda adolescente, quando meu padrasto matriculou-me num curso de alpinismo contra minha vontade. No final do primeiro dia, descobri que aquela seria uma das grandes paixões de minha vida. 

Para mim, o alpinismo é a sala de aula por excelência. Com ele aprendem-se lições que valem para todos os aspectos da vida, inclusive para os negócios, a administração, a liderança e o estudo científico. Trata-se de um esporte que, em geral, não nos dá uma segunda chance para aprender com os erros -- a morte pode pôr fim ao processo de aprendizado. Felizmente, consegui sobreviver a meus erros e pude aprender lições importantes para minha vida e meu trabalho. 

LIÇÃO 1 DURANTE A ESCALADA, É PRECISO DISTINGUIR ENTRE QUEDAS POSITIVAS E QUEDAS NEGATIVAS 

A diferença entre os dois tipos de queda é sutil, porém colossal. Numa queda positiva, deixamos de prosseguir pela via até o topo, mas jamais abandonamos o projeto inicial. Caímos, mas não desistimos. A queda positiva no alpinismo é somente isso: uma queda. A queda negativa implica o abandono do projeto. Na queda positiva, assumimos o compromisso de seguir em frente -- mesmo que as chances de sucesso sejam de 20%, 10% ou até mesmo 5%. Damos o melhor que temos, apesar do receio, da dor, da fadiga e da incerteza. Para o observador externo, os dois tipos de queda parecem semelhantes (nos dois casos, o alpinista se lança no ar), mas a experiência interior da queda positiva é totalmente diferente da negativa. 

Turnbull, diretora do Laboratório de Processo de Mudanças da Universidade Stanford, fez carreira brilhante como consultora de design em empresas como Corning e 3M. Ela me disse que alguns de seus melhores projetos ocorreram no momento em que trabalhava com um conceito equivocado, mas se recusava a abandoná-los. É claro que muitos dos seus projetos semifracassados acabaram por se tornar fracassos completos. Mas, muitas vezes, simplesmente pelo fato de não desistir jamais, ela acabava saltando para um nível totalmente diferente. "É nesse momento que os maiores avanços acontecem", disse Turnbull. 
Redefini sucesso. É menos chegar ao topo e mais o esforço mental 

Ao pesquisar grandes empresas, observei como os melhores executivos compreendiam intuitivamente essa idéia. Como principal executivo da Kimberley-Clark, Darwin Smith optou por uma queda positiva quando tomou a decisão de inserir sua empresa num nicho mais competitivo. Durante 100 anos, a Kimberley-Clark concentrou seus negócios em fábricas de papel. Smith se deu conta de que a grande oportunidade estava nos bens de consumo cuja matéria-prima era o papel. A Kimberley-Clark já tinha um negócio no ramo, a Kleenex. Smith decidiu vender as fábricas tradicionais de papel e investiu o dinheiro arrecadado no setor de bens de consumo. Wall Street riu dele, a imprensa especializada rotulou de estapafúrdia sua atitude e os analistas foram impiedosos. 

Mas a decisão deu a Smith o retorno esperado, e a Kimberley-Clark tornou-se a número 1 entre as empresas fornecedoras de papel para bens de consumo. No jargão do alpinismo, Smith desistiu da opção de "salto" (quando se diz ao colega de escalada que segure firme a corda para que você possa controlar seu salto). Não havia garantia nenhuma de que a Kimberley-Clark seria bem-sucedida -- ela poderia ter despencado e levado um tombo sério --, mas Smith compreendeu que o único caminho para o sucesso dependeria de sua decisão de subir mais alto, e, se caísse, seria uma queda positiva. 

Na vida, o próximo ponto de ancoragem é sempre obscuro, ambíguo. E essa ambigüidade nos impede de tomar uma atitude decidida. Falhamos mentalmente. Desistimos. Optamos por uma queda controlada, em vez de nos expor a quedas mais brutas. Assim como nas escaladas mais radicais, sofrer uma queda positiva é algo que nos assusta, mas não oferece perigo. Quedas positivas dificilmente culminam com fracasso absoluto. 
Aos 45 anos, meu corpo não me permite mais agarrar com a mesma força os pontos de apoio como quando eu tinha 20. Mas aprendi que aquilo que perdemos em força física ganhamos em força mental. Cheguei inclusive a redefinir a palavra sucesso, menos em termos de alcançar o topo, e mais em termos da qualidade do meu esforço mental. Durante uma escalada recente, não consegui subir por via nenhuma. Mesmo assim, foi uma das melhores experiências que já tive no alpinismo porque, toda vez que eu tentava subir e não conseguia, sabia que minha queda seria positiva. 

LIÇÃO 2 SEPARANDO A PROBABILIDADE DA CONSEQÜENCIA -- OU COMO SER BEM-SUCEDIDO (E MANTER-SE VIVO) IDENTIFICANDO OS VERDADEIROS RISCOS 

No verão de 1975, um jovem alpinista chamado David Breashears apaixonou-se por uma plataforma rochosa jamais escalada num penhasco ao sul de Boulder, no Colorado. Durante anos, jamais passou pela cabeça de qualquer alpinista escalá-la. O desafio não consistia na dificuldade da escalada, e sim na ausência de proteção natural. Breashears não avistou nenhuma fenda em que pudesse fixar grampos que servissem de pontos de ancoragem. Naquela época, não se aconselhava o uso de parafusos presos diretamente na rocha como meio de proteção. 

Breashears começou a escalada. Levava uma corda e uma pequena seleção de parafusos especiais. Ao atingir 15 metros de altura, ele se deu conta de algo terrível: a escalada a partir dali seria mais árdua do que os primeiros lances, e ainda não se viam fendas onde ele pudesse instalar os parafusos. A rocha tornara-se escorregadia. Os pontos de ancoragem não tinham pontas que permitissem segurá-los com firmeza. Se caísse, Breashears despencaria de uma altura de 18 metros. Era uma situação arriscada? Bem, depende do que entendemos por arriscada. Para ele, não era. As conseqüências de uma queda certamente seriam severas, mas a probabilidade de que isso acontecesse era pequena. 

Breashears era um alpinista tão talentoso que, para ele, a via escolhida não passava de um quebra-cabeça. Se permitisse que a idéia da queda de 18 metros contaminasse sua mente, é possível que hoje ele estivesse morto. Não foi o que aconteceu. Ele foi capaz de separar as probabilidades da queda das conseqüências dela. Por isso, escalou a montanha até o topo, inaugurando uma via que batizou adequadamente de Jornada Perigosa. 

O alpinismo ensina que as maiores barreiras estão na nossa mente 
Separar a probabilidade da conseqüência é algo que se aplica não apenas ao alpinismo, mas também ao trabalho, à vida e aos negócios. Em 1994, quando a Intel percebeu que havia uma falha em seu microprocessador Pentium, os engenheiros calcularam que isso causaria um erro somente uma vez a cada 27 000 anos, no caso do usuário médio dos programas de planilhas. Essa probabilidade infinitesimalmente pequena cegou a liderança da empresa para as conseqüências astronômicas que adviriam do outro lado da moeda. No momento em que o erro, cuja probabilidade de incidência era de uma em 1 bilhão, aconteceu com um professor de matemática, o assunto explodiu na internet e chamou a atenção dos meios de comunicação. Resultado: a Intel se viu obrigada a fazer uma baixa contábil de 475 milhões de dólares. Embora tenha sobrevivido à queda, não há dúvida de que bateu de encontro a uma saliência e quebrou a perna. 

Separar a probabilidade das conseqüências é o ponto-chave da vida corporativa. Quando eu lecionava na Graduate School of Business, na Universidade Stanford, muitos de meus alunos não conseguiam entender essa distinção, o que limitava suas opções. Um dia, uma aluna me procurou e disse: "Eu gostaria de abrir uma empresa, mas me parece arriscado, por isso decidi ir trabalhar na IBM". Perguntei-lhe o que aconteceria se ela abrisse a empresa e não desse certo. "Acho que sairia em busca de um emprego", ela disse. "E isso seria terrível demais para você?", perguntei. "Não muito", respondeu. "Então você, na pior das hipóteses, voltaria ao ponto em que está hoje: à procura de um emprego." 

Para uma aluna de MBA de Stanford, tentar abrir uma empresa era como uma queda positiva numa trilha muito bem grampeada. As chances de sucesso eram pequenas, mas as conseqüências de uma queda eram mínimas. A corda a sustentaria. Ela decidiu abrir a empresa, trabalhou muito, e fez uma escalada bonita: montou um negócio bem-sucedido. Mas jamais saberia se teria sucesso se não tivesse isolado a probabilidade da conseqüência. 

LIÇÃO 3 ESCALE O FUTURO HOJE: O QUE FAZER PARA MUDAR DE MENTALIDADE 

Em 1978, eu andava obcecado com um quase despenhadeiro plano com 30 metros de rocha vermelha chamado Gênesis, em Eldorado Canyon, no Colorado. A via nunca antes fora feita "livremente". (Escalar livremente significa que o alpinista levará consigo as cordas, mas apenas como equipamento de proteção. A subida deve ser feita na força bruta. Os equipamentos servem apenas para segurá-lo, caso caia.) 

Certo dia, vi quando John Bragg, um alpinista grande e corpulento, tentava escalar o Gênesis. Ele seguiu pela parte mais saliente do despenhadeiro, lançando-se em seguida para cima com um movimento abrupto. Sua mão atingiu um objeto pequeno mais acima no paredão. Ele agarrou-se àquilo durante alguns segundos, mas não se susteve, precipitando-se numa queda de 7 metros e meio preso à corda. Bragg insistiu nesse movimento por mais dez ou 20 vezes, depois desistiu. 

Decidi subir aquela montanha. Mas faltava uma via que me levasse diretamente ao pequeno ponto de apoio que Bragg tentara agarrar. Naquele dia, treinei diversas vezes. Levava no bolso da camisa uma agulha para estourar as bolhas que apareciam nas pontas dos dedos. Apesar do esforço, não consegui fazer aquela escalada. Eu estava preparado fisicamente, mas me sentia intimidado pela suposta impossibilidade de subir aquela montanha. 

Eu precisava de uma mudança de mentalidade, mas como mudar? Ao estudar a história do alpinismo, observei um padrão: as escaladas que um dia foram consideradas impossíveis por uma geração tornaram-se mais acessíveis para a geração posterior. Decidi aplicar um golpe psicológico em mim mesmo. Percebi que jamais seria o alpinista mais talentoso ou mais forte do mundo. Mas talvez pudesse ser o mais futurista. Fiz um exercício de reflexão. Avancei 15 anos na minha imaginação e perguntei a mim mesmo: "Como os alpinistas vão encarar o Gênesis nos anos 90?" A resposta me veio clara como um raio de luz. No futuro, os melhores alpinistas escalarão o Gênesis todos os dias, como se fosse um aquecimento para escaladas mais difíceis. 

Foi então que decidi que não estávamos em 1979, mas em 1994. Fui para o cânion e tentei imaginar o Gênesis do jeito que um alpinista da década de 90 o veria. Com isso na cabeça, subi até o topo da via. Foi incrível, deixei confusos muitos dos melhores alpinistas da época. No início da década de 90, os melhores alpinistas realmente passaram a escalar o Gênesis de forma rotineira e não o consideravam tão difícil. 

Mudar de mentalidade tem implicações em todas as áreas da vida, particularmente no caso de empreendedores e de empreiteiros visionários. A chave consiste em identificar os padrões subliminares, em geral com o auxílio da perspectiva histórica, e depois imaginar o que eles significarão para as futuras gerações. Quando Steve Jobs visitou o centro de pesquisas da Xerox, em Palo Alto, em 1979, viu computadores de mesa equipados com dispositivos usados para apontar e clicar. Nos monitores, via-se o que seria impresso no papel com formatação completa. Hoje, isso é óbvio para nós. Estou digitando estas palavras olhando para uma tela que me mostra como elas serão impressas. Posso percorrer a página com auxílio do mouse. Mas, em 1979, nenhum computador comercial tinha facilidades desse tipo. 

Jobs percebeu que aquele tipo de inovação seria considerado coisa corriqueira no futuro. Imaginou como seriam os computadores dali a dez ou 20 anos. Em vez de esperar que o mundo fizesse a mudança, Jobs decidiu agir como se ela já tivesse ocorrido. Em 1984, surgiu o Macintosh. Foi um acontecimento que deixou perplexas empresas mais fortes e melhores, como a IBM. Jobs havia dado um passo à frente no tempo. Ele mudara de mentalidade, o que lhe permitiu construir uma empresa da qual sairia a próxima geração de computadores. 

O alpinismo nos ensina que as maiores barreiras não estão na montanha, mas na mente do alpinista. Se não temos quedas positivas em maior quantidade, é porque há impedimentos mentais. Evitamos correr riscos porque não sabemos distinguir entre probabilidade e conseqüência. Nosso maior erro talvez seja deixar nossa mentalidade limitar nossa criatividade e nossos talentos. O que hoje entendemos como limite será um trampolim para limites ainda mais extremos na próxima geração. O alpinismo ensina que os grandes avanços não ocorrem porque mudamos a maneira de fazer as coisas, mas porque mudamos a forma de pensar sobre aquilo que fazemos. Essa é a escalada mais difícil. 
©Fast Company

Texto adaptado do livro Upward Bound: Nine Original Accounts of How Business Leaders Reached Their Summits (Para Cima: Nove Relatos Originais de Como Líderes de Negócios Conquistaram o Topo), editado por Michael Useem, Jerry Useem e Paul Asel
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