HUMBERTO WERNECK
Pedidos a Papai Noel, hoje, são feitos via Correios, e-mail ou mensagem de celular?
Minha conversa sobre cartas, na semana passada, suscitou num amigo esta provocação: como é que as crianças de hoje fazem seus pedidos a Papai Noel – via Correios, e-mail ou mensagem de celular? Semelhante bobagem serviu, como tantas outras, para fazer render nosso papo matinal na padaria, e em mim como nele veio destampar um poçode recordações não necessariamente açucaradas, dessas que em geral assolamo que se costuma dizer, e sobretudo escrever, por ocasiãodo Natal – época em que, como se sabe, os sinos,que simplesmente tocavam, se põem a bimbalhar, enquanto, feito coisa velha guardada no armário, palavras como “manjedoura” e expressões do tipo “extensivos aos seus” fazem seu comparecimento anual.
O fato é que me lembrei da história de meu pai, que, menino, tendo pedido a Papai Noel um passarinho “diferente”, dele ganhou,numa gaiola dourada,uma ave assombrosamente colorida– colorida até que, meses depois, entrasse n muda e perdesse as penas,convertendo se numa reles fêmea de papa- capim, pintada que fora, à mão, pelos irmãos mais velhos. Sua decepção foi dupla: não só viu depenada a ilusão de ter um passarinho sem igual como não pôde mais acreditar num Papai Noel capaz de tamanho embuste. Não terá sido por outra razão que o poeta Paulo Mendes Campos assimdebulhou as iniciais desse rubicundo senhorzinho eternamente às voltas com questões renais, isto é, de renas: P de política, N de negócios. Você sabia que a imagem do Santa Claus, o Papai Noel original,está associada à Coca-Cola? Não me espantaria se dia desses virasse Fanta Claus.
Com o João Ubaldo Ribeiro aconteceu algo semelhante, conforme conta numa crônica deliciosa,mas no seu caso houve uma compensação: não era Papai Noel o homem que ele viu penetrar na casa de uma apetecível vizinha, não pela chaminé, e sim pela janela, furtivamente,numa noite de 24 de dezembro – mas o que visitante foi ali fazer na companhia da fogosa anfitriã ficou sendo, para o menino, uma descoberta não apenas extraordinária como de vitalícias consequências.
Outras lembranças vieram, na vadiagem de nosso papo pré-natalino na padoca. A história verdadeira, por exemplo, a um tempo cômica e poética, do segundo casamento do escritor Aníbal Machado,em1930.Tendo perdido a mulher, Aracy, no parto da quinta filha, ele foi socorrido por Selma, cunhada adolescente, convocada pela família para cuidar das sobrinhas, a mais velha das quais com apenas nove anos de idade.A meninota adiou por um tempo os planos de entrar para o convento – até que no Natal seguinte encontrasse em seu sapato, sob a árvore, uma carta do cunhado pedindo-a em casamento.Deu lhe a mão e o mais – sua vida inteira, além de uma filha, batizada Aracy Maria em memória da falecida.
Regurgitou também em mim, ali na padaria,um episódio em que vi parcialmente atendidos meus pedidos dezembrinos (os quais, em virtude de minha condição de analfabeto, foram feitos oralmente), o que me permitiu posar, todo pimpão, portando um anel de prata e um par de óculos escuros. A orgulhosa marmota que se vê na foto, à frente de um pelotão de primos, não tinha ainda quatro anos de idade.Não há no rosto o menor sinal da frustração que com certeza experimentei no 25 de dezembro precedente, quando minha mãe, em nome do Papai Noel,me explicou que a ele parecera sem cabimento meu terceiro pedido:um par de muletas. Morbidez? Nem tanto: a um menino, um par de muletas pode sugerir menos um equipamento ortopédico do que um brinquedo, aparentado, aliás, com as pernas de pau.
Mais sorte teve uma de minhas amigas, que num daqueles Natais da infância pediu um enxoval completo de anjo, a que não poderiam faltar asas de penas brancas verdadeiras. Em vão os pais argumentaram que a vestimenta só teria uso bem mais tarde, quando, com o mês de maio, chegasse o tempo das Coroações (talvez seja preciso ter nascido em Minas, muitas décadas atrás, para saber como era essa cerimônia em que, vestidas de anjos, meninas escalavam as laterais do altar,levando flores e uma coroa para adornar a imagem da Virgem Maria). Quis mais a criaturinha: ser conduzida,assim trajada,no calorão de dezembro, pelas ruas de sua cidade, Ouro Preto. Dotada agora de um par de asas, perguntou ansiosa, mal chegou à rua:
– A gente vai a pé ou vai voando?
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