Muito esclarecedora a reportagem abaixo, todavia, ao lê-la convido os amigos a refletirem acerca do loteamento político dentro das agências o que dificulta, sobremaneira, o correto atendimento dos interesses dos cidadãos, contribuintes e eleitores, nas pendengas junto as empresas prestadoras de serviço. Dentre os cargos de terceiro escalão estes são os mais cobiçados.
Dentre os cargos de segundo e de terceiro escalões há uma verdadeira rede de dominação partidária onde a correta e eficiente gestão da coisa pública acontece de forma subsidiária e não precípua, ou não principal ou não essencial.
As agências reguladoras e a arrecadação de multas
Carlos Ari Sundfeld
Valor Econômico
O problema do baixo percentual de arrecadação das multas aplicadas pelas agências reguladoras preocupa, mas é preciso melhor compreender suas raízes. Só assim, estratégias adequadas para seu enfrentamento poderão ser concebidas. Entre elas, a adoção de acordos é medida bastante promissora.
Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) revelam que, no período de 2008 a 2010, foram aplicados R$ 24 bilhões em multas por 17 agências federais. O arrecadado, no entanto, ficou em R$ 1,1 bilhão, ou 4,7% do total. Quais as razões desse baixo volume de arrecadação?
Diversas têm sido cogitadas, mas uma é central: existe competência regulamentar das agências em matéria de sanções regulatórias, mas ela ainda não amadureceu o bastante. Se a regulamentação sobre sanções é capenga, a sua aplicação fica fragilizada.
Foram aplicadas sanções no valor de R$ 24 bi por 17 agências entre 2008 a 2010, mas só foi arrecadado R$ 1,1 bi
No setor de telecomunicações, por exemplo, a competência legal para punir é definida de forma propositalmente aberta, adaptável a uma realidade dinâmica. A Lei Geral de Telecomunicações foi concebida como lei-quadro, não lei substantiva. Não se encontram nela as normas especificadoras de deveres, proibições e infrações. Tudo isso ficou para ser definido em plano infralegal pela Agência Nacional de Telecomunicações, a partir da moldura legal.
Ciente de seu dever regulamentar, a Anatel editou regulamento sobre sanções administrativas que vigora desde 2003. E os contratos com prestadoras de serviços de telecomunicações preveem sanções para o caso de descumprimento.
Mas estes instrumentos têm se revelado insuficientes para reduzir a discricionariedade e fixar critérios razoáveis e isonômicos de dosimetria das penas. Embora exista limitação ao poder punitivo da agência - como fixar em R$ 50 milhões o limite das multas por infração - não há ainda balizas suficientes para o aplicador.
A regulamentação, por exemplo, estabelece a obrigação de instalar telefones públicos, mas não define totalmente qual a situação passível de sanção. A infração surge do desempenho geral da prestadora ou das condições de uso de cada um dos telefones instalados? A partir de quanto tempo é possível aplicar nova sanção, pelo mesmo descumprimento de dever? Essas são questões básicas para as quais as normas não oferecem resposta adequada.
A Anatel está trabalhando para aprimorar sua regulamentação sobre sanções. Já realizou duas consultas públicas sobre o tema. Não só em telecomunicações, mas em outros setores, o que se espera é que as agências melhorem a qualidade da regulação, produzindo normas abrangentes, mais profundas e consistentes em matéria de sanções.
Uma das possíveis inovações é a previsão de acordos substitutivos de sanções regulatórias. Estes são celebrados entre a administração e particulares, com efeito excludente da aplicação de sanção administrativa.
Celebrando-os com as prestadoras, as agências optam pela adoção consensual de outras medidas de interesse setorial, preferenciais à aplicação de multas. Entre elas pode figurar a assunção do compromisso de realizar investimentos que beneficiem os serviços.
Esse tipo de solução já vem sendo experimentada por vários órgãos estatais, em matérias como meio ambiente, consumidores e concorrência. Já existem, inclusive, autorizações legais para a celebração de algumas espécies de acordo: o termo de ajustamento de conduta da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 1985), o termo de compromisso de cessação da Lei da Concorrência (Lei nº 8.884, de 1994), o termo de compromisso da Lei da CVM (Lei nº 6.385, de 1976) e o termo de compromisso de ajuste de conduta do setor de saúde suplementar (Leis nº 9.656, de 1998, e nº 9.961, de 2000).
Dúvidas em relação à adoção de acordos em certos casos podem surgir, mas não devem prosperar. Uma seria quanto à existência de base legal para acordos substitutivos, em setores que não contam com uma lei que os preveja. Mas, em telecomunicações, como em outros setores, já há base para isso pelo fato de a lei setorial atribuir à agência poder regulamentar para dispor sobre as causas determinantes ou excludentes da aplicação de sanções. Assim, a regulamentação pode prever a celebração de acordo como causa excludente da sanção. Alternativamente, a Lei de Ação Civil Pública pode neles ser invocada, pois contém uma ampla autorização para acordos substitutivos.
Outra adviria de encarar-se a celebração de acordos como renúncia ao poder sancionador. Mas não há renúncia alguma. No Direito contemporâneo, cada vez mais se ampliam os meios à disposição dos reguladores para conduzir comportamentos na direção do interesse público. Castigar é só um desses meios - aliás, um velho meio. Mas a punição não é fim em si mesmo: é simples instrumento da regulação, para obter os fins desejados. Os acordos substitutivos são instrumento alternativo para a obtenção dos mesmos fins.
Some-se o fato de que a aplicação de multas é sempre sujeita a questionamentos. Logo, firmar acordo não significa "abrir mão" de direito da administração em benefício do infrator. A validade e o valor da multa podem ser questionados, o que retira a certeza do eventual crédito. Pelo acordo substitutivo, faz-se permuta da incerteza pela certeza, isto é, de possíveis direitos por deveres inquestionáveis.
A análise quanto à conveniência de celebrar acordo deve ser em torno desta questão: o quanto há de vantagem em encerrar conflitos e eliminar incertezas de modo rápido?
É tempo, portanto, de os reguladores amadurecerem os regulamentos sobre sanções. E de pensarem em alternativas inteligentes à multa, como os acordos substitutivos.
Carlos Ari Sundfeld professor da Escola de Direito da FGV-SP e da PUC-SP, é presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público.
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