A nova onda de nacionalizações
Eduardo Lora
A reestatização da petrolífera argentina YPF é o mais recente episódio da nova onda de nacionalizações que vem se expandindo pela América Latina há mais de dez anos. Na Venezuela, além do setor petrolífero, foram estatizadas desde empresas dos setores elétrico e de telecomunicações até redes de distribuição de bens de consumo. Na Bolívia, entre as primeiras decisões tomadas por Evo Morales ao assumir o poder, em 2006, estiveram a estatização das indústrias de petróleo e gás e a expulsão da empresa privada que havia administrado a rede de aquedutos em La Paz. Há alguns anos, o Equador também estatizou algumas empresas petrolíferas e meios de comunicação.
Da mesma forma que em outras ocasiões no passado, esse ciclo de nacionalizações tem como pano de fundo uma fase de alta nos preços dos recursos naturais. A principal motivação para tomar o controle das empresas de petróleo e gás e de minérios é apropriar-se da renda. Na YPF, isso já havia ocorrido por meio dos controles de preços, que transladaram as receitas diretamente aos consumidores e deixaram a empresa sem incentivos para investir.
De acordo com estudo do Banco Mundial¹, os altos preços parecem ter influência muito maior nas decisões de estatizações do que outros fatores políticos ou econômicos. É um ponto importante, pois indica que as nacionalizações e privatizações não são resultado mecânico de um pêndulo ideológico. É possível que os preços dos produtos básicos sejam parte da engrenagem que coloca em movimento o pêndulo ideológico, porque os contratos entre governos e empresas privadas para a exploração de recursos naturais são estabelecidos de forma que os aumentos de preços tendam a ser apropriados em sua maior parte pelas empresas, não pelos governos.
Tudo isso implica que um sistema de contratos e impostos que realmente transfira ao governo as receitas em momentos de preços elevados e que proteja efetivamente as empresas dos riscos de expropriação poderia ajudar a desativar os ciclos de estatização e privatização.
Um bom modelo de contrato, no entanto, não é tudo, como indicam alguns traços comuns das estatizações. Há mais probabilidade de nacionalizações em países em que as desigualdades econômicas estão mais arraigadas e, especialmente, quando se percebe que as receitas da extração dos recursos naturais beneficiam minorias. É por isso que as estatizações buscam expropriar não apenas empresas estrangeiras e também ocorrem contra proprietários nacionais ou grupos étnicos ou regionais que não representam a maioria da população.
Outro traço bastante comum é que as estatizações são mais frequentes em países com instituições públicas deficientes. Nessas condições é mais factível que os governos estejam dispostos a infringir contratos e descumprir normas legais ou constitucionais, já que em tais circunstâncias os custos para sua reputação são mínimos, assim como as possíveis penas ou a rejeição política. Sem dúvida, é o caso da Argentina.
As estatizações também são mais frequentes em países com baixos níveis de educação e estruturas produtivas pouco diversificadas, possivelmente porque essas condições implicam que amplos setores da população carecem de fontes alternativas de renda e vivem em condições de instabilidade econômica. A Bolívia é um bom exemplo.
O último traço que vale a pena destacar é que as empresas estatizadas tendem rapidamente a tornar-se ineficientes. O motivo é que as empresas que ficam em mãos do Estado não podem manter os incentivos baseados no rendimento e produtividade que são característicos das empresas privadas. Isso as torna vulneráveis a eventuais quedas nos preços de seus produtos: quando o fisco mais precisa de suas receitas, essas empresas encontram-se assoladas por custos excessivos e ineficiências, com o que precisam ser privatizadas em condições pouco favoráveis para o Estado. Assim, o ciclo volta a começar.
Os países com recursos naturais não renováveis abundantes que ainda estão à margem dessa nova onda de estatizações, como Brasil, Colômbia e Peru, deveriam ficar alertas para não criar condições que possam propiciá-las.
1 Roberto Chang, Constantino Hevia e Norman Loayza, "Privatization and Nationalization Cycles" (Ciclos de privatização e estatização, em inglês), Documento de Trabalho sobre Pesquisas de Política nº 5029, Banco Mundial, 2009. (Tradução de Sabino Ahumada)
Eduardo Lora é economista-chefe e gerente-geral do departamento de pesquisas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As opiniões expressas neste artigo são pessoais.
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