KÁTIA ABREU
FOLHA DE SP
A indústria não é a vítima isolada das terríveis características estruturais da economia brasileira
A IMAGINAÇÃO dos brasileiros tem um longo caso de amor com a indústria. Desde o século 19, progresso e industrialização são perfeitos sinônimos entre nós, e as políticas governamentais, da crise dos anos 1930 até hoje, tratam a indústria como o filho mais sensível e mais querido.
Essa identificação tem razões históricas, pois desde a Revolução Industrial até os anos 1960, os países mais ricos eram os líderes na produção industrial.
No entanto, já na segunda metade do século passado, a vanguarda do desenvolvimento passou para as chamadas sociedades pós-industriais, nas quais os setores de serviços modernos de comunicação, processamento da informação, ensino e pesquisa é que passaram a dar dinamismo às economias.
Cada vez mais, a produção industrial perde participação na formação da renda em todo o mundo, e não apenas no Brasil.
De acordo com dados de uma entidade da Organização das Nações Unidas, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) mundial caiu de 27% em 1970 para 16% em 2010. No Brasil, tem mantido sua participação na produção industrial global, que era de 1,7% em 2000 e permaneceu nesse nível em 2010. A indústria brasileira tem ainda uma participação de 15% no PIB, relação que a coloca dentro da média mundial.
Essas observações são necessárias para que situemos, no contexto devido, os clamores sobre a desindustrialização do Brasil e as previsões de que estaríamos "regredindo" para o estágio primitivo de uma economia agrário-exportadora, como se o moderno agronegócio brasileiro fosse a mesma coisa que a velha monocultura exportadora de café, que sustentou o país do fim do século 19 até meados do século 20.
Esse é, claramente, um discurso dirigido ao Estado, e pretende servir de base a políticas especiais de proteção a setores que estão perdendo ou nunca tiveram competitividade.
Um fator importante a ser observado é a queda da produtividade da mão de obra na indústria (-0,8%), enquanto na agricultura cresceu 4,3%, entre 2000 e 2009 (Ibre/FGV). Essa foi uma solução encontrada pelo agronegócio para enfrentar o câmbio apreciado. Outro grave fator é o custo unitário do trabalho (CUT), que teve aumento de 150% em relação ao resto do mundo, não só pela apreciação do real mas também pelo forte aumento do salário real.
As dificuldades de produzir no Brasil são evidentes. Isso é verdade para todos e não somente para alguns. Nossa taxa de juros tem sido, por décadas, a mais alta do planeta, e os custos efetivos do crédito para as empresas não têm paralelo no mundo.
A carga tributária que incide sobre as empresas e as pessoas só se compara às velhas economias da Europa Ocidental. Nossa infraestrutura é precaríssima, em virtude do baixo investimento público e dos preconceitos ideológicos, que limitam a participação da empresa privada e do capital internacional.
O grau de formação educacional da população é muito baixo em comparação aos 50 principais países do mundo. Toda a economia brasileira tem uma natural dificuldade de competir com o resto do mundo.
O que se deve extrair dessa realidade não é que alguns setores mais vulneráveis devam ser tratados de modo especial, para não serem afetados pela concorrência.
A indústria brasileira sempre foi protegida da competição externa e a pouca liberdade comercial que existe data de apenas 20 anos atrás. Anos de reserva de mercado para os bens de informática não produziram nada de valioso para a população, somente atraso.
A indústria não é a vítima isolada das terríveis características estruturais da economia brasileira. A cruzada contra os problemas da competitividade precisa ser uma tarefa coletiva e deve se aprofundar na raiz dos problemas.
Políticas especiais para alguns setores implicam deterioração das contas públicas e não trazem a garantia de sobrevivência de longo prazo para os setores favorecidos.
E, pior do que isso, parecem sugerir que desistimos de enfrentar os problemas reais, que atingem a todos nós.
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