Pasquale Cipro Neto
Essa coisa de criar frases com formas verbais "iguais, mas diferentes" é um desafio sem fim
Dia desses, estive em Fortaleza, a trabalho, e lá, num almoço com Victor Chidid, diretor do jornal "O Povo", ouvi dele uma história deliciosa, cujo resumo está no título desta coluna. Esse título, por sinal, nada mais é do que uma frase que alguém escreveu num estabelecimento comercial.
Enquanto o caro leitor vai pensando nos possíveis significados da mensagem, lembro que essa coisa de criar frases com formas verbais "iguais, mas diferentes" é um desafio sem fim. Vem-me à lembrança um desses casos, que entrou numa questão da primeira fase da Fuvest há um bocado de tempo. O candidato tinha de preencher as três lacunas de uma frase com formas verbais dispostas em cinco alternativas. A resposta gerava esta frase: "Para vires à Cidade Universitária, é preciso que vires à direita quando vires a ponte da Alvarenga".
Como o leitor certamente já deduziu, as lacunas foram preenchidas por "vires", "vires" e "vires", que são iguais, mas são diferentes. Como assim? O primeiro "vires" é da segunda pessoa do singular ("tu") do infinitivo pessoal do verbo "vir" ("para eu vir, para tu vires, para ele vir, para nós virmos, para vós virdes, para eles virem"); o segundo "vires" é da segunda pessoa do singular do presente do subjuntivo do verbo "virar" ("é preciso que eu vire, que tu vires, que ele vire, que nós viremos, que vós vireis, que eles virem"); o terceiro "vires" é da segunda pessoa do singular do futuro do subjuntivo do verbo "ver" (sim, do verbo "ver", com os olhos: "quando eu vir, quando tu vires, quando ele vir, quando nós virmos, quando vós virdes, quando eles virem").
Se a frase fosse escrita na terceira do singular, ou seja, se o pronome "tu" fosse trocado por "você" (ou por "senhor/a"), teríamos isto: "Para chegar à Cidade Universitária, é preciso que vire à direita quando vir a ponte da Alvarenga". Mas é claro que essa construção não tem o mesmo sabor ou a mesma graça da outra.
Pois bem. E o nosso título? Já pensou nele, caro leitor? Volte lá e pense mais um pouco. Adianto que não se trata da repetição de uma mesma forma verbal, ou seja, o primeiro "vendo" é diferente do segundo. Enquanto você pensa mais um pouco, lembro que em certas construções o gerúndio tem valor condicional, como se vê neste exemplo: "Mantendo a forma, você se sentirá mais disposto" ("Mantendo a forma" = "Se mantiver a forma" ou "Caso mantenha a forma").
E então? Ajudei? Captou a mensagem, caro leitor? Bem, o espaço começa a acabar, portanto é melhor decifrar o "mistério". Para que você não tenha de levantar os olhos, relembro a frase: "Vendo, vendo; não vendo, não vendo". Como já afirmei, essa frase estava num estabelecimento comercial, cujo dono, desconfiado, não aceitava o "fiado", ou seja, só vendia à vista, com pagamento em espécie. Já descobriu?
Agora é para valer: o primeiro "vendo" é simplesmente o gerúndio do verbo "ver", usado aí com valor condicional, ou seja, equivalente a "Se (eu) vir" ou "Caso (eu) veja". O complemento de "vendo" ou "veja" obviamente está implícito. Sabe qual é, não? É o dinheiro, a grana, a bufunfa. E o segundo "vendo"? É a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo "vender", cujo complemento ("a mercadoria" ou algo semelhante) também está implícito. O terceiro "vendo" é igual ao primeiro, e o quarto é igual ao segundo.
Moral da história: "Se eu vir ('Caso eu veja") o dinheiro, vendo a mercadoria; se eu não vir ('Caso eu não veja'), não vendo". Simples assim. Mas, cá entre nós, a frase do botequim é mil vezes melhor, não acha? É isso.
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