ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP
Ao longo dos anos (e não são poucos!) como economista fui aprendendo a reconhecer alguns truques retóricos. Um dos mais comuns consiste em apresentar grandezas sem escalas que permitam uma comparação efetiva dos valores envolvidos.
Pensando bem, talvez esta não tenha sido a minha frase mais feliz como articulista, mas o que quero dizer é bem mais simples.
Concretamente, quando alguém menciona um determinado valor (tipicamente “bilhões de reais”), sem dizer, contudo, como isto se compara à evolução de outras variáveis, como o produto, as receitas do governo, ou qualquer outra grandeza que possa ser relevante para o assunto em questão, não tenham dúvida: o argumento não está sendo feito de forma equilibrada (ia dizer “honesta”, porém poderia soar algo injusto), mas sim com o objetivo de reforçar um dos lados da história.
Exemplos abundam. “O Bolsa-Família custa ‘X’ bilhões por ano”, sem mencionar que, seja relativamente ao PIB, seja na comparação com as despesas do governo, trata-se grandeza irrisória. Ou “a dívida pública no Brasil atingiu ‘Y’ trilhões”, sugerindo um processo descontrolado, quando, na verdade, mesmo a dívida bruta tem se mantido entre estável e decrescente na comparação com o PIB, mostrando precisamente o inverso.
Nesta linha de argumentação li recentemente, a respeito da proposta de nova renegociação das dívidas estaduais, mesmo tema da minha última coluna (ah, estas obsessões!), que certos governos já tinham feito pagamentos equivalentes a uma vez e meia o valor original da dívida, mas, apesar disto, o montante a pagar ainda era cinco vezes maior que o inicial. É impossível ler uma afirmação como esta e não concluir que a dívida seria impagável nas atuais condições, necessitando de uma repactuação urgente.
Quase impossível, aliás, pois o treinamento a que me referi no primeiro parágrafo praticamente exige o exame dos números antes de concordar com a afirmação, dados estes disponíveis no sítio do Banco Central.
De fato, segundo tais números, a dívida dos estados junto à União por conta da renegociação ocorrida na segunda metade dos anos 90 atingira R$ 137 bilhões em dezembro de 2000, mas, a despeito de amortizações desde então, chegou a R$ 369 bilhões no final do ano passado, 2,7 vezes maior do que o valor registrado 11 anos antes.
Seria assim insustentável, exceto, é claro, por dois outros desenvolvimentos relacionados: o PIB, que em 2000 era R$ 1,2 trilhão, atingiu R$ 4,1 trilhões em 2011; em linha com isto, a arrecadação estadual, R$ 93 bilhões em 2000, chegou a nada menos do que R$ 365 bilhões no ano passado. Assim, se é verdade que a dívida cresceu 2,7 vezes, também é verdade que o PIB aumentou 3,5 vezes e a arrecadação nada menos do que 3,9 vezes no mesmo período.
Posto de outra forma, a dívida, que representava 11,6% do PIB em 2000 (equivalente a um ano e meio de arrecadação), caiu para 8,9% do PIB (equivalente a um ano de arrecadação) em 2011. Vista por esta ótica já não parece insustentável. Pelo contrário, as condições hoje vigentes são mais favoráveis do que as observadas no início da década passada, quando a dívida chegou a quase 13% do PIB (ou 1,6 ano de arrecadação).
Há duas morais nesta história.
Se a renda familiar cresce bem mais que sua dívida, não há como evitar a conclusão que capacidade de pagamento da família aumentou. O mesmo vale para qualquer governo, estadual, federal, ou municipal, assim como qualquer empresa. Neste sentido, pedir mais uma renegociação porque a dívida seria “impagável” equivale a nova rodada de subsídios, cujo custo recai sobre a população dos estados que não foram originalmente favorecidos, ou seja, os mais pobres.
A outra retorna ao tema do meu primeiro parágrafo. Sempre que forem mencionados números absolutos, desvinculados de qualquer referência, desconfie. Alguém está tentando, de forma nada sutil, obter benefícios às nossas custas.
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