segunda-feira, 23 de abril de 2012

Cristianismo utilitário


Considerações acerca de um desconfortável domingo de serviços religiosos.

Se todos os cristãos brasileiros procurassem seguir a doutrina de Cristo, de amor e respeito ao próximo nosso país seria outro, com certeza.

Hoje aproveitei o domingo na cidade e fui ao culto, cheguei cedo, como sempre, mas ao chegar vi o templo já com poucas vagas. Estrenhei mas logo minha filha falou o motivo: Um cantor gospel iria se apresentar no culto, um tal de Sérgio Lopes. Canta muito bem, uma voz maravilhosa. Estava explicado o motivo de tanta gente, diferentemente dos domingos anteriores.

Bem, os cristãos utilitários, aqueles, em meu ver, que vão a igreja atrás de alívio para SEUS problemas, foram chegando, chegando e, claro está, por não mais haver lugar para sentar não se sentiram nem um pouco constrangidos em ficar em pé, nos corredores entre os bancos, na frente de muitos que haviam se dado ao trabalho de chegar mais cedo. Nenhum sinal de preocupação, ou de respeito com o próximo, o cristão próximo que, pelo menos, em tese eclesiástica, ele deveria, se não amar, respeitar, logo ali, de imediato, uma ótima e imperdível oportunidade de praticar a doutrina cristã ainda sem sair do templo. Mas não, sem nenhum sinal de constrangimento permaneceram em pé, na frente de muitos. Não importava, eles estavam vendo o bispo e o cantor. Os demais?!?! Que se f...

Este é um dos melhores exemplos de nossa morena idiossincrasia, um dos sinais patentes do que sempre digo. Buscam corruptos no Congresso mas são simpatéticos e praticam pequenos atos de corrupção ou de falta de ética e de respeito a cidadania.

O ambiente estava tão cheio que faltou energia elétrica no meio das palavras do bispo. Este, por mais que engrossasse a voz os do fundo reclamavam, baixinho até, não estarem ouvindo. Brinquei até: Ué, Jesus, sem energia elétrica não falou para multidões abaixo dos montes das oliveiras? Qual o problema do bispo pregar sem microfone?

E lá prosseguimos até que a energia voltou. Com o tempo mais cristãos utilitários chegavam. Quando o cantor repetia refrões dando conta da salvação INDIVIDUAL em busca do mel no céu, muitos faziam faces de contrição e regogizo. De fato, a mensagem ia a fundo na perspectiva de MINHA salvação para estes.

Tive que sair de meu lugar, pegar uma ar, pois o sistema de ar condicionado já não dava conta e para evitar que alguém, em pé, sentasse no meu colo sem pedir, preferi esperar a vez do fim das músicas na rara brisa dos já quase meio-dia. Comecei a pensar: ainda não teve a oração do Pai Nosso, a Homilia e a Comunhão. Que horas acabaria aquele serviço religioso?

Ledo engano, após o sermão do bispo mais músicas, mais frenesi, mais palmas, notadamente nos trechos da Salvação Individual, e mais entra e sai do templo para a compra dos CD vendidos do lado de fora. Houve um momento que pensei estar na saída de um centro de convenções com a apresentação de um rapper, tal a satisfação dos cristãos utilitários no seu  entra e sai sem absolutamente nenhum constrangimento com o ritual espiritual, quase espirituoso, que prossegui, sob fartas palmas, dentro do prédio.

Enfim, nada de oração, homilia ou comunhão, para meu espanto. Não me senti em um serviço religioso pleno. O religioso considerou encerrado para êxtase de outros tantos pelo esvaziamento. Como estava preocupado com minha família dentro, torcia para que o sistema de ar-condicionado não desse fogo ou fumaça, pois as pessoas ocupando corredores é contra a lei. Isto, os profetas e Jesus nos orientam a seguir as leis dos homens, no caso as orientações do Corpo de Bombeiros foram jogadas no lixo, tanto pelo desprezo dos utilitários bem como a anuência dos orientadores religiosos. Se houvesse uma emergência seria o caos, pois apenas três portas de quatro metros de largura seriam o único caminho para quase duas mil pessoas eventualmente apavoradas em fuga. Lembrei-me das catedrais em Nova Iorque, Washington, Miami, San Diego, Los Angeles, Tucson, Toronto e Winnipeg que visitei em domingos lotados: "Nenhuma pessoa ou espaço ocupando corredores ou vias de saídas de emergência." Somente aqui, em nosso esculhambada e anuente idiossincrasia morena que tem uma natural aversão para a ordem ou autoridade instituída (afinal, no inconsciente coletivo o Joãozinho, cuja principal ocupação é sacanear a professora, autoridade instituída pelo senso geral, é o nosso imaginário coletivo). O problema prosseguiu no estacionamento lotado onde retardatários bloqueavam as duas únicas saídas absolutamente despreocupados com as pessoas nos carros, sob sol escaldante, aguardando a vez deles no papo com os religiosos, amigos ou na fila de vendas dos CD. Nem um pouco preocupados. Era o cristianismo utilitário mais uma vez praticado em toda a sua intensidade do "dane-se o outro, saí do templo renovado...".

Estou, de fato, triste, bastante desolado em ver, mais uma Instituição absolutamente desqualificada pelo cidadão que quer mudança. Toda aquela concupiscência musical sem respeito ao próximo ou ao bem coletivo estava ali, naturalmente refletida. Não vi, em nenhum momento fora o bispo fora o músico a quem, continuo me encarecendo ao nível de qualquer rapper. Se o cidadão brasileiro se preocupasse em viver, de fato o cristianismo menos egoísta, preocupado com SUA salvação ou chegada aos céus, se se preocupasse em viver menos o futuro no mel dos céus e se atentasse que AQUI, na Terra junto a sociedade é que sua missão cristã de respeito ao próximo se fizesse presente, nossa sociedade seria bem mais segura, desigual e desenvolvida.
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2 comentários:

  1. Cristão utilitário, não poderia haver melhor definição Jefferson...
    Parabéns, o texto é maravilhoso e, talvez, se metade dos cristãos se dessem conta disso, com certeza teríamos uma sociedade muito melhor.

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  2. Menos a falta de crédito no texto do que o uso, mais de uma vez, do termo "idiossincracia" me levaram ao autor do texto.
    É triste, mais é verdade: a maioria dos autointitulados cristãos são apenas para o IBOPE, o censo e outros que tais...

    Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos...

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