sábado, 28 de abril de 2012

Sob o sol de Muribeca

Breves considerações sobre a miséria humana e a incompetência social para dirimi-la.

Bem que poderia ser sob o sol da charmosa Toscana, título de romance, todavia é sob o escaldante sol de uma comunidade de Muribeca que o esmirrado senhor vinha e iria voltar. Estava pedindo dinheiro para inteirar a passagem.

Catador de lixo, foi sua resposta a minha pergunta. Aquietando o filho pequeno, ou neto quem sabe, com olhar faminto. Dei mais do que a passagem, claro, algo me dizia que não seria para crack, nosso atual flagelo na cidade, aliás, em muitas cidades no país.

Quando ele se afastou relembrei a pele de ambos muito curtidas, não estavam bronzeadas, estavam curtidas, quase que com um revestimento impermeável da sujeira, poeira e toda sorte fuligem ou algo em suspensão de lixões...sob o sol de Muribeca. Quem dera fosse Toscana.

Fiquei pensando como é que um estado que se diz o primeiro PIB da região nordeste, que já tem um estaleiro de porte internacional, caminhando para o segundo mais ao norte do estado, consegue ter o mérito de não reduzir a desigualdade. Não gosto de ser injusto, o que vejo nas ruas denuncia algo por detrás do sorriso solto e confiante do governador, ou da presidentA (conseguiu, na caneta, mudar a nomenclatura, mas não consegue imprimir resultados eficientes na gestão pública), quando aqui pára. É o estado do ex-presidente. O que de errado está acontecendo, então?

Ao vê-lo se afastando relembrei-me dos personagens do romance O Quinze, de Raquel de Queiroz e de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, denunciando a dura vida no sertão de implacável sol. Também relembrou-me a raiva resignada dos seguidores de Antônio Conselheiro. O sertão do sol implacável, imbatível, por incrível que pareça, no século XXI. Não se tem políticas públicas consistentes para se mitigar a dor do sobrevivente. E a sociedade fingindo que não é com ela.

Relembrei-me do paradoxo tentado a ser colocado por baixo do tapete quando estudantes de odontologia fizeram um levantamento em cidades do entorno da capital pernambucana e constataram que, em plena segunda década do século XXI havia cidadãos pernambucanos dividindo a mesma escova de dentes, alguns escovando os dentes com carvão, areia e, pasmem, palha de aço. Século XXI, segundo ano, e o governador deles foi reeleito com 82% no primeiro turno. O que há de errado, então? O que há de tão complexo em se reduzir a desigualdade social, mitigar a miséria humana em um estado farto de grandes projetos instalados há quase dez anos? 

Nossa sociedade está confusa, está perdida. Mobiliza-se mais por diversidade cultural, por mal-tratos a animais e se é profundamente leniente com crianças nas ruas, com um saneamento deplorável que leva a uma educação sofrível. Com um farto acesso a tecnologia de informação não faz a menor ideia concreta do que está acontecendo ou tem capacidade de ter uma noção de como se melhorar nossa economia. Não faz a menor ideia do que seja governança social.

Duas visões que me desagradaram, profundamente, e que me impeliram a escrever, pelo menos para diminuir a revolta interna. Um pai cedendo a dignidade ao estender a mão pedindo dinheiro. Sua incompetência conjuntural e estrutural denunciando uma lamentável perspectiva de futuro para o filho ao lado. Eu não gosto de ver criança sofrendo, nas ruas principalmente. É um paradoxo perverso em um país muito rico, mas de sociedade imatura, incapaz de cumprir suas obrigações de cidadania e cobrar dos governantes e políticos soluções objetivas. Como é que um país rico, como o nosso, com uma carga tributária de 38%, em média, não tem condições de, pelo menos, retirar crianças das ruas.

A capital do estado que terá dois estaleiros internacionais, uma rodovia trans-nordestina e vários projetos de irrigação pelo desvio do São Francisco, pólos industriais de confecções etc consegue ter sua capital com apenas 30% de saneamento satisfatório. O que dirão as cidades do interior que expulsam emigrantes para os bolsões marginais das grandes cidades.

Será que Severino, em sua vã esperança e fé acreditaria que, quase sessenta anos depois, um eventual neto seu padeceria o mesmo martírio? Ele acreditaria que nasceu sobre um berço rico e esplêndido? Só no Brasil é que estas coisas acontecem.
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2 comentários:

  1. Sim, Caro Amigo. A situação em Pernambuco e ruim, mas não e diferente dos outros Estados do Nordeste ou mesmo do Sul, Norte, Sudeste ou Centro Oeste.
    A Solução, talvez passe pelo seu blog. A Solução se chama Consciencialismo e Vontade Politica.
    O Brasil não mudara enquanto o Povo Brasileiro não mudar. E quem deve executar as ações necessárias a tais mudanças também e o Povo Brasileiro.
    Não podemos mais esperar Milagres. Ou botamos a "mão na massa" e fazemos o necessário ou nossos Filhos terão a mesma sina que temos.
    Não ha milagres. Como já dizia musica de Geraldo Vandre cantada por Chico Buarque: "Vem, vamos embora que esperar não e saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer."
    http://www.youtube.com/watch?v=9_0_g76-lEQ&feature=related

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  2. Penso que essas palavras sejam da sua autoria. Essa situação de miséria e condição humana é recorrente em espaços de oligarquias e monopólios de poder. O que REALMENTE mudou em Pernambuco!?!?!? A insfraestrutura interessa mais aqueles que muito tem do que para aqueles que quase nada possuem. Eles precisam modernizar os parques e usinas para poderem receber MAIS - muito mais - e assim perpetuar as atuais posições de poder. Às vzs o poder muda, mas pouco se modifica... Há uma grande pressão interna e externa para conservar o modus operandi - os fluxos e receitas financeiras não podem parar, não devem ser confrontados (vide a quase queda do Lula - teve que aceitar o jogo dos banqueiros e do empresariado).
    Dessa forma, caro Jeff, urge uma revolução (atinar para o conceito sociológico)... As pessoas podem ser analfabetas, mas são informadas. Os cidadãos de hoje sofrem da síndrome de ausência de liderança. Os líderes reais do povo morreram. Os novos são amordaçados pela força de uma bem engendrada política única de poder (coalizam lulista). Se tentar abrir uma fresta nessa nesse sistema vc será levado à fogueira (apenas uma alusão aos tempos onde a irracionalidade servia ao poder absoluto). Tudo em nome de manter a crença e as regras em prol do status quo vigente. Amarraram a mente do povo. O que falta para que essas pessoas respirem uma liberdade fática??? Muitos sabem, poucos agem e tudo continua da mesma forma. Abraços/A

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