sábado, 14 de abril de 2012

Indústria, desenvolvimento e democracia



 JOSÉ LUIZ ALQUÉRES
O ESTADÃO


Por que não havia democracia no Antigo Egito e não há na Rússia ou na China (velhas ou novas) e na Venezuela? Porque em países patrimonialistas, onde a estrutura de produção é altamente concentrada numa só mão (a do Estado), a classe ou o grupo que toma o poder simplesmente o reparte entre os seus membros e nele se perpetua.

Na América Latina, esse é um fenômeno favorecido na origem por fortes culturas autóctones, como a dos astecas e a dos incas, depois continuado pelo regime colonialista, baseado na extração mineral e em algumas poucas culturas agiícolas, e hoje pelos governos populistas que aqui proliferam.

No mundo inteiro, o patrimonialismo leva à concentração de riquezas em poucas mãos, ao despotismo, à corrupção e ao atraso da sociedade. Por isso os processos de modernização das sociedades sempre têm estado associados ao desenvolvimento da indústria e do comércio, que, incentivando a iniciativa, a criatividade e a liberdade de empreender, fortalecem as sociedades democráticas e livres. Não é por acaso que Atenas, líder comercial do Mediterrâneo, inventou a democracia.

Também não é por acaso a situação de relativa singularidade, em relação a seus vizinhos na América Latina, que desfrutam o Brasil, o Chile e, mais recentemente, a Colômbia. Tal situação decorre de terem estes países uma iniciativa privada razoavelmente estrutura da e uma economia mais aberta e menos unidependente.

Devemos essa conquista a uma forte, porém pouco estudada, vertente empresarial do nosso povo - recentemente reabilitada por Jorge Caldeira em sua História do Brasil por Empreendedores - e aos enormes esforços governamentais e privados para criar uma indústria local, especialmente desenvolvidos no governo JK, nos primeiros anos do regime militar e, posteriormente, refrescados pelas privatizações dos presidentes Fernando Collor de Melo a Dilma Rousseff.

O segmento industrial, pouco expressivo no início do século 20, desenvolveu- se a ponto de representar quase 30% do nosso Produto Interno Bruto( PIB). Com ele, o emprego, a tecnologia, a pesquisa, a ciência, os sindicatos, a classe trabalhadora e as bases da multiplicidade de interesses pessoais, profissionais e empresariais fortaleceram, em sua diversidade, a dura reconquista da democracia pelo povo brasileiro.

Isso,porém, está em pleno retrocesso. Políticas incorretas voltam a nos levar a ter a indústria representando apenas 15% do PIB - por efeito de educação deficiente; logística ineficaz; preços de energia elevados; burocracia governamental inepta; legislação trabalhista retrógrada e contrária ao interesse do trabalhador; carga tributária injusta; e taxa de câmbio estupidamente sobrevalorizada. Em suma, por causa de uma baixa inovação e baixa competitividade.

E isso ocorre num país que, pela facilidade de se abastecer competitivamente de todos os componentes das cadeias produtivas, não tem desculpa alguma-salvo a da ignorância ou curta visão - para se deixar ficar para trás novamente. Estudos recentes de Regis Bonelli, consultor e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Rio de Janeiro, apontam para que algo na faixa de 22% de participação da indústria no PIB seria o razoável.

O déficit de US$90 bilhões na balança comercial do segmento industrial expressa o desmonte de vários setores industriais por falta de isonomia na competição com o exterior. Significa dizer que voltamos a ser uma fazenda exportadora de produtos de baixo valor agregado. Que não voltemos a ser a correspondente expressão política: um regime centralizador, autoritário, repressor das liberdades e da democracia. Para isso, a reação tem de começar pelo fortalecimento da atividade empresarial moderna e privada, tarefa que requer uma atuação muito mais proativa das associações empresariais e da sociedade.
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