Se a sociedade não cumprir seu papel de governança da gestão da coisa pública, cada vez mais as agências reguladoras, também no caso da telefonia móvel, irá ser preenchida por indicações políticas antes de essencial presença técnica.
É a relação de causa e efeito com a precariedade de nossos caros serviços em pleno segundo ano da segunda década do século XXI.
Coragem
AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP
Há 250 milhões de celulares em uso no país. É espantoso, principalmente quando se sabe que somos hoje cerca de 200 milhões de brasileiros.
Trata-se de uma conquista de toda a sociedade, mas que só pode ser celebrada porque houve, no passado, um governo com coragem para desencadear o processo de privatização da telefonia. Ou, melhor, de democratização da telefonia brasileira.
Lembro os anos 90, quando o PSDB anunciava que, em pouco tempo, todo cidadão brasileiro teria o seu celular. Poucos acreditavam que tamanha mudança seria possível em tão pouco tempo.
É um saldo gratificante para quem, à época, enfrentou incompreensões de toda ordem e duríssimo combate político. Da mesma forma como no passado foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Plano Real, bases sobre as quais se construíram os avanços recentes registrados pelo país, o PT também posicionou-se contra as mudanças na área da telefonia.
Falava-se de "alienação do patrimônio nacional" -como se pudesse ser riqueza nacional o elitista, exclusivista, caro e precário serviço oferecido então pelo Estado na área das telecomunicações.
Foi uma longa travessia até o inevitável reconhecimento dos incontestáveis benefícios garantidos aos brasileiros pelo acesso amplo e irrestrito às novas tecnologias.
No Brasil de hoje, o celular é o telefone do trabalhador. Cerca de 80% das linhas em funcionamento são pré-pagas. Milhões de outras garantem acesso à internet e, com ela, o acesso à informação, ao conhecimento, à mobilização.
Em plano ampliado, fica cada vez mais nítido o gigantesco esforço realizado para tentar demonizar o processo de transformações estruturais do país, iniciado no governo Fernando Henrique.
Neste caso, de forma simplista, buscou-se criar um "inimigo imaginário" chamado privatização, que passou a ser alvo de ataques ensaiados e refrões repetidos à exaustão, pouco importando se, no fundo, ninguém soubesse exatamente do que estava falando.
As restrições ideológicas à privatização são, hoje, página virada na história do país. Vide, por exemplo, as concessões iniciadas, ainda que tardiamente, para a administração dos aeroportos.
Incoerências à parte, resultados como esse deveriam inspirar quem tem responsabilidade de governar.
Basta caminhar pelo país para constatarmos a urgente e gigantesca demanda por transformações de fundo, que superem gargalos, atrasos e paralisias. Não avançaremos o necessário se nos esforçarmos para ter apenas mais do mesmo. O principal atributo de um governo deve ser a coragem. Coragem para fazer o que precisa ser feito.
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