Apesar de usar uma linguagem bastante hermética o ex-ministro coloca de forma pragmática a questão da gestão ambiental pública na agenda de prioridades, mesmo que não seja de entendimento amplo como fora necessário.
Os três fatores estratégicos dessa gestão precisam da governança social, a começar pela conscientização do cidadão como ator principal na política de resíduos sólidos e não meros expectadores.
Vale a pena conhecer os argumentos do especialista.
Atualização das políticas ambientais no Brasil
Paulo R. Haddad
O Estado de S. Paulo
PROFESSOR DO IBMEC/MG, FOI MINISTRO DO PLANEJAMENTO, DA FAZENDA DO GOVERNO ITAMAR
O impostômetro foi uma ideia criativa para didaticamente mostrar à opinião pública como é onerosa a carga tributária no Brasil para produtores e consumidores. Imagine, agora, se fosse possível colocar nas principais metrópoles do País três medidores da degradação ambiental de nossos ecossistemas. O primeiro indicaria quantos m2 de florestas nativas estariam sendo desmatados por minuto. O segundo mediria quantas toneladas de gases de efeito estufa estaríamos emitindo na atmosfera por minuto. E o terceiro seria um indicador de poluição de nossas bacias hidrográficas: com quantas toneladas de resíduos sólidos e orgânicos estaríamos poluindo os nossos recursos hídricos por minuto.
Talvez o cidadão que observasse por alguns minutos a evolução desses "poluitômetros" pudesse ter maior consciência do legado que nossos padrões de consumo, de produção e de acumulação estão deixando para as atuais e futuras gerações de brasileiros. Um fato ficaria evidente: as políticas ambientais têm sido incapazes de controlar a rapidez com que se acelera a trajetória de degradação de nosso meio ambiente.
Não há dúvida de que, desde a Rio-92, houve grandes avanços nas políticas ambientais no Brasil no campo das novas legislações (Lei dos Crimes Ambientais, Lei das Águas, Lei da Reciclagem de Resíduos Sólidos, etc.), na estruturação das ONGs, na mobilização da opinião pelos meios de comunicação, na qualidade técnica de pesquisas e estudos especializados, nas inovações tecnológicas da bioenergia, etc. Mas esses avanços não tiveram a intensidade necessária para contrabalançar os impactos ambientais adversos decorrentes dos processos de incorporação dos milhões de consumidores nos mercados de bens duráveis ou das crescentes exportações de bens intensivos direta e indiretamente de recursos naturais. A realização da Rio+20 pode ser uma grande oportunidade para uma atualização reestruturante de nossas políticas ambientais em três dimensões, pelo menos.
Em primeiro lugar, na dimensão institucional, é preciso dar ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) maior centralidade funcional e maior status político na sua capacidade de articulação com as políticas setoriais dos demais ministérios. Sabe-se que as políticas ambientais, por sua natureza, envolvem intensos conflitos ideológicos, econômicos e sociais entre diferentes setores, regiões e grupos sociais. São políticas que sempre serão concebidas e executadas em regime de permanente tensão, dado o caráter transversal das questões ambientais. É indispensável, pois, que se atribua ao MMA uma posição relativa diferenciada na hierarquia da gestão das políticas públicas do País. A sua horizontalização hierárquica inviabiliza soluções adequadas e negociáveis para questões de transversalidade conflitiva no processo decisório.
Em segundo lugar, na dimensão processual, é preciso destacar que a recuperação, a preservação e a conservação dos nossos ecossistemas não ocorrerão só por meio de mecanismos de comando e controle. É possível atualizar as políticas ambientais no Brasil, se esses mecanismos forem complementados pelo uso mais intensivo dos instrumentos econômicos inovadores que têm sido concebidos e executados em alguns países com maior experiência histórica e eficácia na condução das políticas de proteção ambiental. Cite-se, por exemplo, o caso dos títulos negociáveis, onde o governo estabelece um sistema de permissões negociáveis para o uso de um recurso ambiental, leiloa ou distribui as permissões, monitorando o cumprimento de metas ambientais e o processo de negociação dessas permissões através de preços de mercado. Um passo à frente nessa direção poderia ser dado também se ocorresse a elaboração e a implementação de uma reforma tributária verde, cujo objetivo principal é o uso do sistema tributário para estimular padrões de consumo, de produção e de acumulação de capital que atendam melhor a um processo de desenvolvimento sustentável do País e de suas regiões.
Em terceiro lugar, na dimensão operacional, é indispensável que se dê aos órgãos da administração direta e indireta dos três níveis de governo maior capacidade para uma implementação eficiente e eficaz das políticas formuladas. Hoje, o País dispõe de um número crescente de instituições e especialistas capazes de conceber e formular diagnósticos, análises e diretrizes que compõem um segmento importante das políticas ambientais. Um trabalho que cada vez mais se aproxima das melhores práticas internacionais. Por outro lado, o mesmo não ocorre com a implementação dessas políticas, pois, em sua maioria, essas não têm saído do papel. Isso ocorre por diversos motivos: a mobilização de lobbies de interesses empresariais contra a execução das políticas; a limitada capacidade da máquina administrativa para efetivar, controlar e fiscalizar as políticas; e estruturas regulatórias de má qualidade técnica e indutoras de riscos.
Além disso, é possível conceber políticas de curto prazo que deem particular atenção aos estímulos e investimentos orientados para a segurança energética, as infraestruturas de baixo carbono, a proteção e a preservação ecológica. Por esse procedimento, seriam incorporados, nas políticas anticíclicas, programas e projetos de um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, com suas preocupações distributivas quanto aos benefícios do progresso econômico e social entre as gerações presentes e futuras.
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