ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo
Muita gente me pergunta: "E aí?" "E aí, o quê?" - respondo, já trêmulo diante do inquisidor. "E aí, cara? Que vai acontecer com o mundo?" Como eu falo na TV, rádio e escrevo em jornais, acham que eu sei de respostas que o mundo não tem. Aí, faço uma cara de profunda reflexão, demoro um pouco para o suspense e deixo cair, com um muxoxo: "Sei lá!..."
Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado ideológico e de pavores noturnos sobre o que vem a caminho, tipo "something wicked this way comes" ("vem merda por aí...", como diziam as bruxas de Shakespeare). O nosso futuro sonhado, que ia ser a vitória do Ocidente e da genialidade técnica do capitalismo, virou uma rede de impasses sem solução.
Antigamente, a ficção científica dava conta de nossas profecias. Agora, o presente já é de ficção. Aí, a 'contemporaneidade', esse "faz-tudo" do novo vocabulário, inventou a 'utopia da distopia'. Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. Vá em qualquer exposição de arte e veja o 'conceito' (outra palavra de mil utilidades) das obras: "O futuro vai ser uma bosta". E os artistas vibram de orgulho, radiantes como profetas do nada.
Por isso, vou meter aqui minha colher nessa onda 'distópica', que gera tantas celebridades literárias do desespero do não sentido. Faço aqui uma comédia da ficção científica; vamos a isso.
Bem, no século 21, por causa da aceleração do espaço-tempo, da virtualidade da vida, já temos a angústia da "instantaneidade", porque o 'aqui e agora' não nos satisfaz; precisamos de algum futuro. Por isso, teremos nostalgia de um presente que não sentimos e saudades de um futuro que não para de "não" chegar. O passado será chamado de "depreciação".
Será o fim do fim. Qualquer esperança de síntese será ridícula. O mundo será fragmentário, um fluxo sem nexo, e nossa infinita insignificância no universo ficará nua. Teremos saudades da linearidade, do princípio, do meio e do fim; teremos saudades do inútil e da lentidão. A indústria sentirá esse mercado potencial e, além de nos vender celulares e iPads, inventará drogas da câmera lenta, do vazio, do descanso pelo tédio. Hoje em dia, já vemos o início do fim do 'sujeito', em meio a esta ridícula euforia de 'liberdade'; no século 21, seremos todos 'objetos livres'.
Nenhuma Razão nos restará a não ser as regras de ouro dos mercados, esses, sim, definitivamente organizados. As corporações serão proprietárias exclusivas das "grandes narrativas".
Um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de transcendência. Haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes 'Woodstocks' de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas. O iluminismo será definitivamente enterrado. Deus, que tinha morrido, renasceu e cresce dia a dia, como um produto útil - as igrejas já são supermercados de esperança e vão virar partidos políticos.
Como a História será incompreensível, talvez floresçam Parques Temáticos de Sentido (os PTS), onde poderemos viver epopeias que acabam bem ou grandiosas apoteoses de pessoas ou nações. Teremos Hiper-Hollywoods, com excitantes filmes que podem nos matar dentro das salas - o supremo efeito especial, como o Batman já nos mostrou.
Haverá uma grande fome de servidão. Voltarão os líderes carismáticos, profetas e evangelistas, financiados com escárnio pelas grandes corporações. Não haverá a democratização das teocracias do Oriente, como querem os USA, mas a orientalização dos países ocidentais. O terrorismo será um hábito cotidiano. Claro que teremos algum show nuclear, pois as armas atômicas desejam explodir.
A liberdade ficará insuportável. As prisões e jaulas dos jardins zoológicos serão invadidas.
Haverá campos de concentração "cinco estrelas", caríssimos, luxuosos, onde bilionários vão pagar para abolir os sentidos, em busca de um silêncio sensorial aterrador, como no clássico de sciencefiction Tiger! Tiger!, de Alfred Bester.
Haverá uma "involução da espécie". Por falta de interação com a natureza, os corpos vão degenerar e, ociosos e molengas, vão aspirar à condição de "coisas". As orelhas vão tender para celulares; os braços, para tentáculos vorazes; os olhos, para telas de cristal líquido; os paus e vaginas, para eixos e encaixes. Os primeiros sinais já estão nos narizes decepados, nas clonagens, nas transmutações genéticas.
Acabará o amor romântico. Só tesões instantâneas e fugazes. A fome de mais prazer esgotará a sexualidade e buscará complementos eletrônicos e virtuais. Haverá hiperorgasmos tão fortes que esbarrarão nos limites do corpo e viverão mais além, sozinhos - orgasmos sem corpo, orgasmos gemendo no ar.
A arte acabará, destruída pelos efeitos especiais. Dela, só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o sublime, o lírico, o trágico - bastará a programação de algum êxtase estético, mas sem obra por trás.
A política será um espetáculo. O mundo será uma grande "economia sem sociedade", menos no Brasil, onde só haverá o Estado, com o PT no poder há 50 anos, ainda aliado a Sarney, vivo, dentro de sua urna criogênica. A fome vai controlar a explosão demográfica, sob os protestos ridículos de meia dúzia de velhos humanistas; assim, as massas desempregadas se exterminarão naturalmente. A democracia será mostrada em museus.
Com a América Latina dominada definitivamente pelo 'peronismo bolivariano', as guerrilhas vão virar parques temáticos também, como viraram os "zapatistas" de Chiapas, visitados pelos intelectuais franceses. Teremos perímetros fechados de revoluções virtuais, estimulados pelas corporações, para dar vazão aos ódios e desesperos, à maneira dos antigos sacrifícios astecas ou como as "horas de Ódio", de Orwell, a única profecia que rolou do 1984.
Haverá o fim da piedade, o fim da compaixão. A vida social será um inferno, sem dúvida, mas o mercado é sábio e precisará da vida, pois, afinal, sem vida não há lucro. Assim, as corporações vão programar a sobrevivência da esperança. Talvez sejamos mais felizes como coisas.
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