Sergio Fausto
O Estado de S. Paulo
Em artigo publicado neste espaço em 26/11, José Augusto G. de Albuquerque e Elizabeth Balbachevsky puseram com precisão o dedo nas feridas que têm levado à persistente perda de substância e vitalidade do PSDB.
O partido nasceu social-democrata não apenas no nome, mas na convicção de que faltavam políticas universais que incorporassem os cidadãos brasileiros ao universo dos direitos sociais previstos na Constituição de 1988; nasceu também crítico ao estatismo e ao protecionismo do Estado autoritário, exacerbados no período Geisel, que deixavam a economia encalhada à margem da nova dinâmica da economia global; nasceu igualmente antagônico à tradição patrimonialista e clientelista brasileira, que nos primeiros anos da democracia redobrou suas forças.
No governo FHC esse ideário ganhou expressão concreta. Venceu-se a crônica e grave enfermidade da hiperinflação, sem o que todo direito social previsto em lei não passaria de letra morta. Romperam-se monopólios estatais que estrangulavam o investimento em áreas-chave da economia brasileira e se estabeleceram regimes de competição regulada. Os resultados foram não menos que extraordinários nas áreas de telecomunicações e petróleo e gás. O acesso à educação fundamental generalizou-se, com o Fundef, estruturou-se o Sistema Único de Saúde e os programas de saúde da família tornaram-se realidade. O patrimonialismo e o clientelismo encontram freios institucionais na criação de agências reguladoras, na extinção da Legião Brasileira de Assistência, na implantação dos programas de transferência condicionada de renda, origem do Bolsa-Família.
Qual o sentido político de recordar agora esse passado aparentemente distante? Em primeiro lugar, porque nenhuma organização, assim como nenhum indivíduo, pode saber aonde vai se não sabe de onde veio. Nesse percurso o PSDB perdeu a identidade e se não a recuperar corre o risco de perder a relevância ante novos competidores pelo mesmo espaço político. Em segundo lugar, porque a matriz formada nos governos de Fernando Henrique Cardoso é a base a partir da qual o PSDB pode despregar estigmas que lhe foram atribuídos pela máquina de propaganda petista e lançar um programa consistente de oposição ao modelo de governo e poder que aí está. Essa matriz se formou pela integração nem sempre simples entre o melhor do pensamento e da formulação de políticas públicas produzidos nos anos 80/90. Originou-se ali um híbrido fértil com componentes liberais e social-democratas, devidamente "tropicalizados".
O estigma de "neoliberal" é produto de doses maciças de dogmatismo ideológico, oportunismo político e/ou desonestidade intelectual. Não corresponde à realidade de um governo que fortaleceu a presença estatal e aumentou o gasto público no ensino fundamental, na saúde, na assistência social, além de conduzir um amplo programa de reforma agrária. O mesmo se pode dizer em relação às privatizações e concessões de obras e serviços públicos. Onde estaria a "sanha privatista" de um governo que manteve a Petrobrás sob controle estatal, submetendo-a, isso sim, a um regime de competição regulada, e fortalecendo-a enquanto verdadeira companhia pública?
Os governos de Lula e Dilma têm méritos. O maior deles é o terem aproveitado e, em alguns casos, aprimorado e expandido instituições e programas criados nos governos anteriores, em especial nos de Fernando Henrique Cardoso, para promover a ascensão de milhões de brasileiros a patamares mais elevados de renda e consumo e a horizontes mais largos de realização pessoal e familiar. Houve também inovação nessa área, a exemplo do ProUni. Aplausos. Mas essas conquistas não estão consolidadas e tampouco são propriedade dos governos petistas. Além disso, não teriam sido possíveis sem as condições internacionais extraordinariamente favoráveis que prevaleceram até 2008 e mesmo após a crise internacional. Houve alguma virtù e muita fortuna.
Embora os rendimentos políticos da acelerada mobilidade social dos últimos anos continuem a fluir para o governo, os fatores econômicos que a impulsionaram já esbarram em limites importantes. Ante os riscos de perder seu imenso capital político e as dificuldades de buscar novos caminhos, não raro por dogmatismo ideológico e/ou ineficiência operacional, o atual governo insiste em medidas circunstanciais de estímulo ao consumo, sem pesar seus efeitos colaterais negativos, que vão do fiscal ao ambiental e podem vir a ser de natureza inflacionária também.
Enredado em suas próprias amarras, o governo debate-se num ativismo estéril e perigoso, como se vê na forma atabalhoada e arbitrária como articulou um objetivo meritório e pontual - a redução do custo da energia - com a questão muito mais ampla do marco regulatório do setor elétrico. Nada se compara, porém, ao desastre que se está produzindo no setor de petróleo e gás por força da irresponsável e ideológica mudança do regime regulatório para a exploração do pré-sal. Sobre o tema recomendo a leitura do excelente artigo de Adriano Pires na edição de 26/11 (B2) deste jornal.
Um programa de oposição não pode deixar de mostrar o vínculo profundo que existe entre a incapacidade operacional do governo e a infestação do aparelho do Estado por gentes sem qualificação técnica e sem independência profissional para resguardar o interesse público. O mais novo e recente escândalo, desta vez envolvendo a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, apaniguada do ex-presidente Lula, com poderes para indicar diretores de agências reguladoras e dispor de passaporte diplomático, revela a que ponto chegamos!
O País clama por uma oposição à altura dos desafios e oportunidades que o quadro político apresenta. Ou o PSDB se ergue ou se condena à irrelevância. É agora ou jamais.
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