terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Oscar vai, Niemeyer fica

Primeiro, é um texto bem escrito e elegante. 
Segundo, também ressalta um lado de contribuição física, positiva a nossa sociedade -as obras físicas, diga-se de passagem-. 
Terceiro, o fato de como pessoas com alto nível intelectual (relembre-se os convivas contumazes presenciado por Frei Betto em texto que já lhes enviei) conseguem dourar a pílula e, por intermédio de idéias bem articuladas, tornar risíveis traços de profundidade deletéria. 
Mantenho minhas opiniões acerca do cidadão, em si.





Oscar vai, Niemeyer fica
RUY OHTAKE
Folha.com.br

Faleceu o muito querido Oscar. Fica o imensurável Niemeyer por vários séculos e milênios.

Oscar foi sepultado na sexta-feira. Emocionante a foto do traslado de seu corpo, tendo ao fundo as colunas do Palácio do Planalto. Deixa os familiares e os amigos com intensa saudade.

Sempre focado, ele não se dispersava em questões secundárias. Vida particular quase prosaica. Jantou muito no Lucas o picadinho com ovo frito. Futebol era com o Fluminense. O motorista Amaro, de todas as horas, o atendeu por dezenas de anos.

Reunia amigos, que, depois das seis horas da tarde, iam ao seu escritório sem compromisso e, sentados na varanda circular, usufruíam da fantástica vista para o horizonte do mar, sobre a praia de Copacabana, a conversarem sobre variados assuntos: futebol, cosmologia, literatura, mulher, política. Comunista, generoso e firme, exilou-se em Paris durante a ditadura militar. Acolheu Luís Carlos Prestes muitas vezes.

Para qualquer grande artista, o limite da expressão é a sua própria imaginação. Niemeyer foi ampliando esses limites ao longo de sua trajetória. Não à toa, estudou Einstein e frequentemente citava: "Das curvas é feito todo o Universo, o Universo curvo de Einstein".

Leu e discutiu durante anos a cosmologia, instigado em entender a estrutura do Universo, espaço sem fim, e os movimentos dos astros e dos planetas.

Darcy Ribeiro foi um grande interlocutor com quem discutiu conceitos antes de começar a desenhar, por exemplo, o Memorial da América Latina [em São Paulo] ou a Universidade de Brasília. E, quando tinha dúvidas em alguma questão gramatical ou linguística, recorria a Antonio Callado. Seus textos primam pela precisão e pela poética.


Niemeyer sempre projetou com aguda intuição: a história nos ensina que os movimentos de vanguarda aconteceram porque artistas certos conseguiram dar um passo adiante em relação ao establishment da arte.

Avançando pelo desconhecido, alcançando o ineditismo, assim é Niemeyer desde a Pampulha. A inovação inquietante, que continuou se manifestando nos seus quase 80 anos de intensa produção. O edifício Copan, em São Paulo, é a visão urbanística que o centro de São Paulo nunca teve, com forte e elegante arquitetura, marco contemporâneo da cidade há 60 anos. A marquise do Ibirapuera, que Niemeyer desenhou não só para ligar os edifícios, mas, principalmente --e aí está a sacada--, para constituir-se num agradabilíssimo centro de convivência. O MAC de Niterói, corajosa referência de cultura e arte na baía de Guanabara, a Catedral de Brasília, na qual se entra pelo subsolo, chega-se à nave, aberta para o céu, num espaço claro e democrático.

Arrepiando os preconceitos conservadores, Niemeyer sempre disse que a função mais importante da arquitetura é a beleza. Transformou a arquitetura na expressão reluzente da arte. Em 1943, aos 36 anos, surpreendeu a todos com o projeto da Capela da Pampulha. Passaram-se 17 anos e Juscelino Kubitschek inaugurava Brasília, contemplada pelo virtuosismo de Niemeyer: a praça dos Três Poderes, uma das mais belas praças cívicas do planeta.

Essa é a arquitetura com que Niemeyer enriqueceu nossa arte e, por isso, será referência nos próximos séculos e provavelmente milênios.

RUY OHTAKE, 74, arquiteto, é professor emérito da Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Santos.
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