domingo, 30 de dezembro de 2012

Os longos eu pulo.




Anos atrás corria uma interessante estorieta corporativa na internet, dessas que continham frases motivadoras de fecho. Um garoto telefonava para alguns vizinhos, com a voz um pouco modificada, oferecendo-se para cortar grama e limpar quintais nas férias de verão. Diante da negativa dos atendentes ele "oferecia" alguns diferenciais competivitos. Os ouvintes justificavam a negativa alegando que o jovem que já lhes atendia possuía,  também, os mesmos atributos  Por fim, satisfeito, o jovem desligava o telefone.  Sua mãe, ao presenciar os diálogos, peguntava-lhe os motivos, ao que ele respondia:  "Estou fidelizando minha clientela!!"

Vez por outra interpelo alguém quando, eventualmente, encontro nas ruas, por haver demonstrado interesse em receber, por email ou no FB, artigos publicados no blog. Muitas são as desculpas: sem internet, computador deu pau, estou sem tempo, estou separando para ler depois...etc, etc, etc. O mais pitoresco e, também, o mais frequente, é o tal do "os mais longos eu pulo, leio os mais curtos!"
Bem, perdoem-me, agora, se pareço pedante em exclamar minha perplexidade no mais refinado e elegante idioma francês que me ocorre: "Essa é fóóóda!!"

Bem, passados os arroubos de lirismo robespiérico, voltemos a realidade: "Os longos eu pulo..." De onde viria essa grassante preguiça intelectual? Como pode-se entender, falar ou debater assuntos de tamanha complexidade social, tais como claudicante educação, insipiente saneamento e saúde pública etc, em mensagens curtas? Será que a perspectiva do conhecimento " light", agradável, palatável está produzindo na sociedade pessoas com um mar de conhecimentos com a profundidade de um palmo? A perspectiva é o breve, o conciso, o rápido, o tático, o operacional, o light. Mas também é o fátuo, o inconsistente, risível e efêmero.

O laureado Nobel de literatura, o escritor peruano Mário Vargas Llosa em seu último livro, denuncia que esta "civilização do espetáculo", que se desdobra em livros "light", filmes "light", arte "light", religiões "light" e até relacionamentos pessoais "light", serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos "alienarmos". (Civilização do espetáculo - Vargas Llosa). Em linha mais contundente o publicitário Andrew Keen denuncia em seu livro "Culto do amador" a questão do uso superficial da internet, notadamente o "corta, copia e cola". Enfim, bem no modelo do adotado por nossa sociedade, ultimamente.

Pessoas de leitura light e descompromissada aceitam 26 partidos políticos, com mais de 100 mil políticos lhes prometendo o que menos de dez por cento poderia fazer de forma mais barata e eficiente. Esse enorme número gera partidos nanicos, de aluguel, que proliferam ambientes onde a corrupção e clientelismo prevalecem. As leiutras ligh permitem que os bons de papo lhes enrolem em argumentos genéricos, fúteis, repetitivos e pouco críveis, quando não impossíveis, com base na lei, de serem realizados. Os de leitura breve e concisa, ao final, ficam com a sensação de estarem votando na pessoa certa.

As pessoas de leitura curta, tweetica, permitem e aceitam que existam 53 igrejas em nosso país, 53 denominações religiosas distintas. Todas para convencer que Deus, Jeová, Maomé, Jesus lhes levarão para o céu, para a vida eterna (quanto as responsabilidades na família, na sociedade, enquanto não morrem...). O catolicismo romano, a igreja universal, o luteranismo, o espiritismo, as testemunhas de Jeová, os adventistas, os mórmons, os da reconciliação, islâmicos -fundamentalistas ou não-, os ubandistas, os da seita do falecido reverendo Moon, até  os rastafari são reconhecidos oficialmente. Enfim, todos tentam convencer os de leitura light da validade dos seus melhores argumentos. Todas prometem o reino dos céus.

Nos últimos anos a febre do "coach executivo" está proliferendo. Palestrantes motivacionais a cada bairro, tem até Instituto, e proliferam com surpreendente rapidez entre os incautos de pouca e superficial leitura. Pelo que vejo nos argumentos a propagandas apresentadas, qualquer um lê com cuidado um livro de Coaching Executivo (são vááários nas livrarias), abre uma página no FB ou tweeter, compra um terno ou um taller, faz uma pose de sério, comprometido e circunspecto na foto da venda e da página e "vendem conhecimento" em consultoria, sempre motivacional - aliás já vi de tudo, astrologia, quiromancia etc, nas ferramentas de preparação dos coach- em performances quase circenses, com um apreciável cabedal de frases de efeito em powerpoint muito bem elaborados - aliás já existem empresas que fornecem powerpoints sobre qualquer motivo, com músicas, slow motion, etc etc - um verdadeiro mercado farisáico-. Claro está que tudo, absolutamente tudo, com cunho emocional, psicológico, motivacional se sempre, inexoravelmente sempre, demonizando o "chefe" e enaltecendo o "líder".

Acordo cedo, na folga ou na quinzena de trabalho, leio os artigos que selecionei na noite anterior, escolho os que vão para o blog. Escolha cuidadosa, como se fora a limpeza de um jardim de clientes. Meu objetivo: A pessoa que gastar cinco minutos lendo um post no blog terá ganho cinco profícuos minutos, jamais disperdiçado-os. Mas a leitura de alguns requer atenção, cuidado, reflexão. É uma informação que colidirá com a experiência prévia, acadêmica ou vivencial do  leitor e por ela será envolvida. Como se fora em um útero intelectual o leitor, após essa reflexão, ou refutará ou germinará um novo conhecimento. Mas o "espermatozóide" terá que ser denso, consistente. Se for light, breve, "tweetico" então...

Muito de meus leitores conhecem muito mais dos assuntos que posto do que eu. Muitos tem mestrado, doutorado etc. Tais títulos foram outorgados pelo Estado que, eventualmente, remuneram para produzir e repassar conhecimento. Assumo que desconheço muitas coisas, no tenho como me aprofundar, sobretudo, por falta de tempo, em detalhes do que posto, sendo editoriais e artigos assinados, e mantenho a expectativa que um acadêmico me corrija, me complete, enfim, me informe de especificidades que venham a dominar em seu campo de expertise. Todavia tal oportunidade me é furtada. Como bem disse um colega antigo em um grupo de turma, de velhos amigos..."se o fulano for embora o Jeff vai falar merda sozinho...". Claro, reconheço, pois não sou onipresente, tampouco onisciente. Minha intenção é colocar temas de profundidade, essenciais a nosso dia a dia de cidadania, para reflexão contando com a colaboração dos acadêmicos. Acho justo, ademais a sociedade merece a produção do conhecimento cujo preparo o Estado viabilizou. É um retorno. Não sou acadêmico, não sou pesquisador formal, doutor com produção financiada pelo Erário ou empresa privada. Meu trabalho é artesanal, sem o rigor do método acadêmico e científico. Tal rigor requer tempo, dedicação quase que exclusiva, mas essa eu não tenho como, tampouco posso. Outra fator de desestímulo é o silêncio também dos não-acadêmicos. Esse "encima do murismo" deixa-me perplexo mediante tantos eventos sociais e econômicos fundamentais para nosso futuro, acontecendo de forma quase caótica.

Quando passei para a reserva remunerada -para a grande maioria, reforma- apresentei meus dois diplomas de mestrado e dois de pós-graduação para cinco faculdades distintas no Recife. Não queria mais ser piloto, não queria ficar longe de minhas filhas, queria-lhes todo meu tempo disponível, pois acredito que a presença paterna na educação dos filhos é fundamental. Queria continuar sendo professor, assim como fora em minha última função na ativa. "Não contratamos militares", disse-me a primeira, "Seu curriculo acadêmico e experiência funcional é muito rico, mas não temos como empregá-lo aqui..." completou outra. As demais com outros argumentos também declinaram meus préstimos. uma sexta ofereceu-me pagamentos módicos, quando não, irrisórios. Enfim, joguei a toalha, enviei meu curriculo de piloto e hoje ganho bem mais, apenas voando em uma quinzena, que como professor em seis dias de trabalho em dois turnos. Tento dar prosseguimento, hoje em dia, aos meus pendores professorais de forma voluntária, pouco metodológica e muito artesanal. Contudo, com muita seriedade e dedicação, afinal, ao fim das leituras e posts são, quase, três horas. Abro mão de meu dileto hobby, sessenta páginas de um bom livro, para trabalhar no blog. Ao fim, quando relembro as "desculpas"...

Enfim, o "knock out" desse "round" está próximo. É o momento de me recolher no "corner" do ring para tomar fôlego, refletir, rever conceitos e me readaptar à morena e preguiçosa idiossincrasia brasileira. O light, o lúdico, o serelepe folguedo da nossa atual cultura é o retorno do swing do lutador oponente. a rigidez de minha cintura torna meus passos trôpegos. É momento de recolher, um pouco, os remos para ver onde o curso dessa correnteza me levará. Quem sabe um sabático conceitual não seja o próximo passo. Um sabático, ao menos, seletivo para saber quem, por merecimento, absorva os textos longos. Afinal, "pular" é coisa de lutador, rasteiro, light, risível e saltitante. A arena onde ele pula não é minha praia.
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