EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
Terão sido poucos, decerto, os que acreditaram nas enésimas profecias sobre o fim do mundo, inspiradas desta vez na mitologia maia e na repetição do número 12, ou algo parecido, nas datas deste mês.
Quem não partilhou da crença ainda assim a acompanhou, sem necessariamente se incomodar, pelos meios de comunicação.
Excluídos os devaneios do misticismo contemporâneo, existe algo de verdadeiro nas fabulações apocalípticas. A noção de "fim do mundo" não precisa ser entendida, aliás, apenas sob um viés negativo.
É verdade que se propagam, com boa razão científica, previsões preocupantes quanto ao aquecimento global -e não há na agenda dos governos iniciativas que inspirem otimismo quanto ao controle do agravamento do efeito estufa.
Nem tudo é pessimismo, todavia, na tendência das civilizações a prognosticar o próprio fim. Fantasias sobre a "chegada do milênio" e de alguma forma de apocalipse trazem ideias de redenção, de passagem para estádios superiores.
Nada mais banal e distante da obscuridade mítica do que a generalizada necessidade, a cada ano que termina, de renovar hábitos. Mesmo que baseada na mais incolor das superstições, a esperança de algo melhor cintila, talvez fracamente, na noite de 31 de dezembro.
Como conciliar essa expectativa com as desbragadas ficções de desastre final, espetacular e salvífico? É que se intui, de um modo ou de outro, que nenhuma mudança, por sutil que seja, pode ser feita sem uma dose de ruptura ou sacrifício.
Em sociedades pautadas pela imobilidade e pela tradição, nada mais natural do que fantasiar mudanças cósmicas e apocalípticas. No caso oposto, de países submetidos a transformações aceleradas e traumáticas, também é natural que se considere aberta uma época em que tudo é possível -e a violência revolucionária foi, durante o século passado, o misticismo dos materialistas.
O novo século talvez se mostre hesitante em reformar-se; resiste, como pode, às tentações reacionárias e religiosas. Já não é pouco. O mundo não acaba num só dia. Vale lembrar que não se constrói um novo, tampouco, em prazo tão curto.
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