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.Carências na educação limitam o crescimento do Brasil
The New York Times
Alexei Barrionuevo colaborou Myrna Domit
Em Caetés (Brasil)
Quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência do Brasil no começo de 2003, declarou emocionado que finalmente tinha recebido seu “primeiro diploma” ao se tornar presidente do país.
Um dos presidentes com menos escolaridade do país – Lula cursou apenas até a quarta série – logo se tornou um dos mais queridos, tirando milhões da pobreza extrema, estabilizando a economia do Brasil e quase ganhando status quase lendário dentro e fora do país.
Mas embora Lula tenha superado sua origem humilde, o país ainda está lutando contra a sua própria. Talvez porque mais do que qualquer outro desafio que o Brasil enfrenta hoje, a educação seja o maior empecilho em sua tentativa de acelerar a economia e se estabelecer como uma das nações mais poderosas do mundo, expondo uma grande fraqueza na nova armadura do país.
“Infelizmente, numa época de competição global, o atual estado da educação no Brasil significa que o país pode ficar atrás de outras economias em desenvolvimento na busca de novos investimentos e oportunidades para o crescimento econômico”, concluiu um relatório do Banco Mundial em 2008.
Ao longo da última década, os estudantes brasileiros ficaram entre os últimos países nos exames internacionais de competências básicas como leitura, matemática e ciências, atrás de outros países latino-americanos como o Chile, Uruguai e México.
Os brasileiros de 15 anos de idade ficaram em 49º lugar entre os 56 países no teste de leitura do Programa para Avaliação Internacional de Estudantes, com mais da metade dos alunos qualificados no nível de leitura mais baixo do teste em 2006, o ano mais recente disponível. Em matemática e ciências, eles foram ainda pior.
“Deveríamos ter vergonha disso”, diz Ilona Becskehazy, diretora executiva da Fundação Lemann, uma organização sediada em São Paulo que se dedica a melhorar a educação brasileira. “Isso significa que os jovens de 15 anos têm mais ou menos o mesmo nível de instrução que as crianças de 9 ou 10 anos em países como a Dinamarca ou Finlândia.”
A tarefa que o país precisa enfrentar – e o legado de Lula – é desanimadora. Aqui nesta cidade extremamente pobre do nordeste do país, onde Lula viveu seus primeiros sete anos, cerca de 30% da população ainda é analfabeta, um número três vezes maior do que a média nacional.
Quando Lula era criança aqui, seu pai costumava bater em alguns de seus irmãos mais velhos quando eles iam para a escola em vez de trabalhar, diz Denise Paraná, autora de uma biografia do presidente.
Hoje, os professores dizem que muitos pais mandam os filhos para a escola só porque o comparecimento é exigido pelo programa de subsídio Bolsa Família que Lula expandiu bastante durante seu governo, e que fornece até US$ 115 dólares (R$ 200) por mês por família.
Mas, mesmo com o incentivo, os níveis de leitura variam tanto aqui que numa classe de oitava série, alunos de 13 a 17 anos leem todos em voz alta o mesmo texto. “Muitos pais dizem: 'por que eles devem estudar se não há oportunidades?'”, diz Ana Carla Pereira, professora de outra escola rural daqui.
Como presidente, as políticas educacionais do próprio Lula começaram devagar; ele dispensou dois ministros da educação antes de deixar um no lugar em 2005. O programa educacional do governo só começou em 2007 – quatro anos depois que Lula assumiu o poder.
Agora no último ano no governo e falando sobre seu lugar na história, Lula tem uma “obsessão” com o assunto, disse seu ministro da educação Fernando Haddad, que ficou visível quando ele voltou recentemente à cidade de sua infância.
“Quero que todas as crianças estudem muito mais do que eu pude estudar, muito mais”, disse ao anunciar um programa para dar laptops para estudantes. “E que todos consigam um diploma universitário, que todos tenham um diploma vocacional.”
A urgência não podia ser mais clara. O Brasil já se estabeleceu como uma força global, aproveitando um boom de commodity e consumo doméstico para se tornar uma das maiores economias do mundo. Com as novas e imensas descobertas de petróleo e um papel cada vez mais importante no fornecimento de alimentos e matéria-prima para a China, o país deve subir ainda mais.
Mas as falhas na educação do país estão deixando muitos brasileiros excluídos. Mais de 22% dos cerca de 25 milhões de trabalhadores disponíveis para entrar na força de trabalho brasileira este ano não foram considerados qualificados para as demandas do mercado de trabalho, de acordo com um relatório do governo em março.
“Em algumas cidades e Estados temos um problema para contratar trabalhadores, mesmo tendo vagas de emprego”, diz Marcio Pochmann, presidente do Instituto para Pesquisa Econômica Aplicada, a agência do governo que produziu o relatório do março. Estimativas anteriores mostravam que dezenas de milhares de vagas empregos não foram preenchidas porque não havia profissionais qualificados.
A menos que essa falha seja logo superada, o Brasil pode perder sua “janela demográfica” durante as próximas duas décadas na qual “a população economicamente ativa estará em seu pico”, diz o Banco Mundial.
O ministro da Educação Haddad disse que embora o Brasil ainda tenha um desempenho ruim em comparação com outros países, está melhorando mais rápido do que muitos de seus competidores.
“O Brasil está tentando recuperar o tempo perdido”, disse Haddad. “Enquanto outros países estavam investindo em educação, nós estávamos perdendo tempo aqui dizendo que a educação não era tão importante.”
O governo teve alguns sucessos notáveis, incluindo um programa que criou cerca de 700 mil bolsas para estudantes de baixa renda em faculdades particulares, num esforço elogiado por especialistas em educação.
Durante o mandato de Lula, o governo também abriu mais de 180 escolas profissionalizantes – em comparação com as 140 criados durante os 93 anos anteriores – e aplicou um novo teste para avaliar o desempenho dos alunos.
O número de crianças matriculadas nas escolas continua aumentando, uma tendência que começou nos anos 90 no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, e as taxas de formatura no ensino médio aumentaram durante o governo de Lula de 13% para 47%, disse Haddad.
Mas esses sucessos são insuficientes diante da mudança que alguns especialistas em educação esperavam ver no governo de Lula, considerando seu passado. Não foi feito nem o suficiente para melhorar a qualidade da educação e os métodos de ensino, e o presidente não usou o poder do púlpito para inspirar o país a demandar mais de seus professores e escolas, dizem.
“Ele tem essa aura, esse poder, ele influencia muito”, diz Becskehazy da Fundação Lemann. “Ele não usou essa oportunidade para levantar as pessoas.”
Segundo os críticos, também não ajudou o fato de às vezes ele usar sua própria falta de escolaridade como parte de um discurso populista para atacar as “elites” bem educadas que governaram o Brasil por muito tempo, quase se vangloriando de ter chegado onde chegou sem educação formal.
“Em seus discursos, ele tendia a colocar as pessoas com menos escolaridade contra a elite escolarizada do Brasil”, diz Pochmann.
Encontrar trabalhadores com as habilidades básicas adequadas até para trabalhos manuais está se tornando um desafio, e muitas companhias não estão esperando que o sistema educacional do Brasil alcance essa demanda. A gigante brasileira da construção Odebrecht é uma das várias companhias que treinam trabalhadores em potencial durante alguns meses em português e matemática básicos.
“A educação é a maior desvantagem para o Brasil em comparação com a China, Índia e Rússia”, diz Paulo Henrique Quaresma, diretor de recursos humanos da Odebrecht, referindo-se às outras três nações que os investidores globais veem como as maiores economias em desenvolvimento do mundo.
Em Caetés, não é difícil ver por quê.
“A primeira escola que meu pai me apresentou foi o cabo de uma enxada”, disse José Bezerra da Silva, que, assim como sua mulher, é analfabeto e não pode ajudar seus filhos com a lição de casa. O casal e seus sete filhos dividem uma casa de dois cômodos; a estrutura de madeira do sofá aparece debaixo de um estofado puído. “Lula mudou muitas coisas.”
A repetição da primeira série no Brasil é de 28%, entre as mais altas do mundo, diz o Banco Mundial, embora o governo afirme que o número está diminuindo. As escolas de segundo grau têm muitos alunos mais velhos por causa da alta taxa de repetição nas séries anteriores, e muitos alunos que se frustram simplesmente desistem.
“O Brasil continuará a crescer mais lentamente do que o seu potencial”, diz Samuel Pessoa, economista do Instituto Econômico Brasileiro da Fundação Getúlio Vargas. “Se o país tivesse um sistema educacional melhor, as coisas seriam diferentes.”
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