quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O fator bem-estar do brasileiro

Amigos o texto é de um economista, o que pressupõe uma linguagem hermética apesar de ele usar alguns neologismos para abrandar a densidade do mesmo.
É uma análise madura e sensata da situação limítrofe que vivemos com a alegria do poder de compras e financiamentos a mais de 60 meses.
Chamo a atenção que o autor é economista-chefe do Banco Itaú, o mais beneficiado, até então, no governo Lula. 
Se ele faz este alerta a partir de sua confortável e privilegiada situação perante os demais setores da economia, convém ficarmos alertas.
Vale a leitura.
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.O fator bem-estar do brasileiro

Ilan Goldfajn - O Estado de S.Paulo
O leitor sabe o que é "feel good factor"? Tem-se falado muito nisso ultimamente. Fui investigar... no Google. Descobri que é uma música de James Brown, um salão de beleza e até uma firma inglesa de terapias diversas. Encontrei também a definição que procurava: é a sensação do bem-estar do cidadão em função do estado da economia. Os números do PIB divulgados na sexta-feira não deixam dúvida quanto ao potencial "fil-gud-féctor" do brasileiro. A demanda doméstica (consumo mais gastos do governo mais investimento) já cresce há cinco trimestres ao redor de 8% ao ano. Uma parte dessa demanda está sendo atendida pelas importações crescentes. Outra parte é atendida por aqui mesmo, o que está levando o PIB a crescer pelo menos 7,5% este ano (e estimamos quase 5% no ano que vem). Esse crescimento é sustentável?
Não vou entrar aqui na interminável discussão sobre qual é o produto potencial da economia.  [...] É a melhor estimativa do potencial de crescimento do país a partir de escolhas da sociedade - quanto investir para o futuro versus quanto gastar hoje; quanto dedicar à educação do futuro trabalhador; quanto se preocupar em estar fazendo o melhor, em vez de, por exemplo, ser grande e influente; ou, até, como conciliar crescimento com outros valores da sociedade.
[...]  É certamente possível crescer mais do que o potencial de hoje. Mas é preciso ir além de querer (ou simplesmente gastar mais): tem de investir, educar, reformar, mudar o que não faz sentido, [...] Nem sempre o bem-estar se eleva de imediato, mas sim no futuro.
[...]A trajetória atual está gerando (ou poderá gerar) sintomas indesejados? Uma economia muito aquecida tem uma demanda crescendo muito mais que a oferta, o que gera uma expansão das importações sistematicamente mais forte que as exportações, além de futuras pressões inflacionárias.
[...]
Os gastos do governo no PIB aumentaram novamente de forma acelerada (+2,1% em relação ao primeiro trimestre, 8,5% anualizado). É uma tendência que já ocorre há anos, se não décadas. O consumo das famílias também tem crescido aceleradamente, resultado do maior poder de compra da população (32 milhões de pessoas ingressaram nas classes A, B e C nos últimos anos), em consequência do aumento dos salários, empregos e da maior disponibilidade do crédito. [...] Esse crescimento acelerado simultâneo dos gastos, do consumo e do investimento é possível? Ou vai esbarrar em gargalos como financiamento, falta de mão de obra especializada e infraestrutura?
Para a frente, estimamos um financiamento externo (equivalente ao déficit em conta corrente) da ordem de 2,5% do PIB neste ano, atingindo 3,7% no ano que vem e um pico de 4,7% em 2016, consistente com o crescimento nos moldes atuais. É o limite do déficit que nos parece financiável. Acima desse valor, o déficit deve gerar desconfortos sérios internos (mais controles e barreiras) e restrições externas (menos financiamento) em razão da memória das crises do passado. E esse limite só será respeitado se a política fiscal abrir algum espaço para realocar gastos correntes para investimento público (1% a mais do PIB) e a política monetária (ou o desaquecimento global) conseguir desacelerar o crescimento da demanda para níveis mais moderados. Ultrapassar esse limite significará abortar o crescimento ou voltar à inflação.
Nada disso é determinístico. Há opções. Um ajuste mais intenso na política fiscal, por exemplo, abre mais espaço. Mas o "feel good factor" é algo que depende de manutenção de políticas consistentes no futuro. Se não, o bicho (a falta de crescimento ou a inflação) come.

ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO 
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