Ponto crítico
Miriam Leitão O GLOBO - 05/09/10
O principal motor da economia mundial, os Estados Unidos, está perdendo fôlego. Depois de um início de ano em que tudo caminhava para recuperação forte, os termos "duplo mergulho" e "crescimento recessivo" tornaram-se frequentes nas análises dos economistas.
O mais provável é que os Estados Unidos tenham baixo crescimento por mais alguns anos.
Tudo isso piora a vida do presidente Barack Obama.
A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, compara a situação atual americana com a que, na física, é denominada de "ponto crítico".
Ou seja, a situação em que não é possível dizer se uma matéria está no estado líquido ou gasoso.
- No caso da economia americana, temos sinais tanto de moderação quanto de início de recessão. Parte da economia está bem, como algumas empresas, mas outra parte está mal, como as famílias e os bancos. Tudo é heterogêneo - explicou.
O Bank of America usou a expressão growth recession (crescimento recessivo).
Significa um tipo de crescimento que não impede o aumento do desemprego. O banco diz que o risco de um duplo mergulho, ou seja, um novo período de recessão, é de 25% para 2011. O pior problema não é nem o crescimento, mas a taxa de desemprego, que fica entre 10% e 9,5% este ano. Não cai abaixo disso. E no ano que vem deve continuar em torno de 10%.
O Morgan Stanley também revisou para baixo seus números.
Cortou em um ponto a previsão para este ano, de uma faixa entre 3% e 3,5% para 2% e 2,5%. O desemprego deve agora fechar 2010 não mais em 9,4%, mas em 9,7%. O Morgan diz que parte da desaceleração vem do crescimento mundial, que também está surpreendendo para baixo, com impacto nas exportações americanas.
O presidente Barack Obama está enfrentando seu maior teste desde a posse na Casa Branca. Como já é tradicional nos Estados Unidos, a eleição parlamentar de meio de mandato define se será um governo de quatro ou oito anos. As indicações são de que o Partido Democrata, que tinha maioria nas duas Casas, vai perder inúmeras cadeiras.
A aprovação do presidente Obama está menor do que a desaprovação. Dependendo dos números de cadeiras perdidas, a segunda metade do governo Obama será mais fraca.
Ele terá menos capacidade de aprovar projetos, um quadro que não ajuda a recuperação econômica.
Obama recebeu uma herança maldita. Ele sim. Economia em recessão, ameaça de depressão, bancos quebrados e duas guerras impopulares.
Evitou o pior, há uma nova regulamentação bancária aprovada, os bancos já se recuperam e ele está anunciando a saída das tropas do Iraque, a mais impopular das duas guerras.
Mas é ele que paga o preço de uma economia estagnada, de um clima de fim de guerra sem vitória, e de um desemprego elevado. Há governos que recebem boa herança e se creditam de todos os bons frutos, outros são debitados pelos insucessos do antecessor. Obama está no segundo time.
No começo do ano, os números da economia americana foram animadores, mas no segundo trimestre a recuperação perdeu força.
Agora, a economia vai apresentar números positivos para o PIB, num crescimento sem emprego porque a confiança dos empresários está muito baixa.
Há grandes chances de o banco central americano revisar para baixo seus números, jogando mais água fria no mercado financeiro. Na quartafeira, a ata da última reunião do Fed apontou que a recuperação levará mais tempo que o previsto e que o crescimento está difuso. Uma avaliação nada animadora depois de dois anos seguidos de estímulos econômicos, seja em redução de juros, seja em pacotes fiscais.
Monica de Bolle avalia que o principal problema da economia americana é o endividamento das famílias. Como elas tiveram problemas com as hipotecas, o pagamento dessas dívidas demanda um tempo maior. Por isso, o consumo do país, que responde por 70% do PIB, está comprometido. Mas Monica não acredita que os americanos voltarão à recessão e muito menos que passarão por problemas semelhantes aos do Japão, que permaneceu uma década com baixo crescimento.
- É razoável que se leve de dois a três anos para que as famílias consigam limpar os seus orçamentos. Mas esse processo não levará a dez anos de baixo crescimento, como no Japão, porque assim que acontecer os americanos voltarão a consumir - afirmou.
Agora, os economistas andam pedindo um novo pacote de estímulo. Raphael Martello, da Tendências consultoria, acha que a eleição no Congresso americano no final do ano pode ajudar na elaboração do pacote, e até ajudar o presidente Barack Obama nesse aspecto. Poucos ficariam dispostos a votar contra um pacote que se apresente como estímulo à criação de empregos. Só que o tempo está se esgotando. As eleições americanas serão dentro de dois meses.
O grande problema de uma desaceleração nos EUA é a contaminação do resto do mundo e um arrefecimento mundial de forma sincronizada. A China, por exemplo, que possui forte relação comercial com os EUA, deve desacelerar de uma taxa de 12% de crescimento, no primeiro trimestre do ano, para 8%, no último trimestre.
O próximo governo brasileiro não terá o quadro internacional favorável que o governo Lula usufruiu. De 2003 a 2008, o mundo cresceu com taxas altas e o Brasil aproveitou pouco esses bons ventos. Em alguns anos, cresceu menos que o mundo e não fez mudanças estruturais na economia. O novo governo encontrará a Europa estagnada, os Estados Unidos tentando sair desse ambiente recessivo, o Japão parado, a China diante de várias incertezas. O novo governo precisará de mais engenho e arte para manter o crescimento brasileiro.
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