segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A morte começa aos 40  | 23/02/2000
Está em curso um processo de renovação nas grandes empresas. Você está preparado?
Por David Cohen

EXAME Edição(708)  Quando apresentou aos leitores o general Ivan Fiódorovich Epanchin, no romance O Idiota, Fiódor Dostoiévski escreveu: "Em anos, também, o general estava no que se chama o ápice da vida, 56, não mais, e nós sabemos que esta é a flor da masculinidade; a idade em que a verdadeira vida começa". O romance de Dostoiévski foi escrito há 131 anos, entre 1868 e 1869. Se vivesse nos dias de hoje, o gênio da literatura russa não poderia sustentar a mesma opinião sobre o "ápice da vida". Pelo menos não em relação ao mundo corporativo. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Alemanha e também no Brasil, entre um terço e mais da metade da força de trabalho masculina abandona o mercado profissional para sempre no início da década de seus 50 anos, seja por aposentadoria precoce, invalidez, desemprego permanente, desgaste ou desânimo.


Há muito tempo se sabe que, na maioria dos casos, um executivo que passou dos 50 anos está bem mais próximo do ocaso da carreira do que de seu ápice. O mundo em que ele se formou é cada vez menos o mundo que ele habita hoje e o papel que lhe cabe é abrir caminhos, orientar e incentivar os mais jovens. É talvez uma realidade cruel para milhares de profissionais ainda cheios de vigor, e certamente ricos em experiência, mas é uma realidade tão antiga que passou a ser encarada como uma espécie de lei natural.

Pois bem. Essa realidade mudou. Um executivo não entra mais no ocaso de sua vida profissional ao completar 50 anos. Agora, no que diz respeito à carreira dentro da parcela mais avançada, mais importante, mais dinâmica e mais simbólica do mundo corporativo contemporâneo... a morte começa aos 40. Sim, aos 40! Exagero? Não, não é exagero.

É fácil se iludir. Se você der um passeio pelos escritórios de grandes empresas, vai deparar com muitos e muitos executivos na faixa dos 40 anos. Se olhar as estatísticas do IBGE, pode concluir que os quarentões são os que menos sofrem no mercado de trabalho: seu índice de desemprego fica por volta de 4%, enquanto a média da população toda é de 7,85%. Também a taxa de ocupação não está má. Para as pessoas com mais de 11 anos de estudo, ela se mantém acima dos 80% para todos os que têm mais de 25 anos de idade, e só começa a cair depois dos 45 anos (para 79%, depois 66% na faixa dos 50 a 55 anos, 53% entre 55 e 60 anos e 39% para os que têm mais de 65 anos, de acordo com dados do IBGE/Pnad elaborados pelo pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas).

Mas o que acontece nas grandes empresas é muito diferente dessa sugestão de mundo cor-de-rosa: elas vivem um processo de rejuvenescimento que parece inexorável, ainda mais marcante porque a idade média da população brasileira vem aumentando. "O pessoal de 40 a 49 anos aparece na faixa de desemprego mais baixa porque os profissionais dessa idade que não encontram trabalho logo desistem de procurar", afirma Luiz Parreiras, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Quando desanimam e deixam de procurar trabalho, saem da lista da População Economicamente Ativa, a PEA. Assim, para o mundo das estatísticas de desemprego elas não existem mais. Ou seja: justamente a dificuldade de recolocar-se no mercado de trabalho faz com que os quarentões e cinqüentões apareçam nas estatísticas como as faixas etárias com menor índice de desemprego.

Quanto à taxa de ocupação elevada, um indício de que a situação não é tão boa para os quarentões é que a sua taxa de auto-ocupação é a maior de todas, 37%, ante a média de 27% no total (provavelmente isso é fruto de uma combinação de empreendedorismo e falta de oportunidades de emprego). E quanto aos milhares de executivos na faixa dos 40 anos que encontramos nas empresas ocupando a maioria dos cargos de decisão? Sim, eles estão lá. São provavelmente a parcela mais importante, mais poderosa e mais bem paga do mundo corporativo brasileiro - na verdade, quando tudo corre bem, a década dos 40 anos é a melhor da vida profissional. Ou, vendo as coisas sob outro prisma: os indivíduos mais brilhantes, talentosos e produtores de resultados, os realmente vencedores, conseguem e mantêm lugares ao sol nessa faixa de idade. Mas quem já passou dos 40 e ainda não "chegou lá" está com problemas. De qualquer forma, as estatísticas não jogam a favor dos executivos que completaram sua quarta década de vida. Há cinco anos havia mais deles dentro das corporações, e daqui a cinco anos haverá menos. Bem menos.

É isso o que mostram os números do Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desligados, uma tabela produzida pelo Ministério do Trabalho com base nos dados fornecidos pelas empresas. (Por lei, toda empresa deve comunicar ao ministério suas contratações e desligamentos. Nem todas o fazem, mas tomar os números do cadastro como reflexo do universo total é uma aproximação bastante razoável.) De acordo com o Caged, entre janeiro de 1998 e novembro de 1999 os quarentões com nível superior de escolaridade perderam 19 538 vagas nas empresas brasileiras, enquanto os profissionais de 30 a 39 anos com nível superior ganharam 10 179 vagas. Os que têm entre 18 e 29 anos fizeram os maiores progressos: ganharam 84 474 vagas. É claro que essa tendência não é uniforme. Há setores mais avessos à mudança, há empresas mais tradicionais, há regiões que valorizam mais a experiência. Mas a mensagem geral para quem completa 40 anos é: cuidado.

"A idade exigida para contratação de executivos de alto nível tem diminuído ao longo do tempo", diz Adilson Araujo, da consultoria de recursos humanos Deloitte Touche Tohmatsu, que atende uma média de 35 a 40 empresas por ano na procura de profissionais. "As empresas têm pedido executivos de até 40 anos para cargos de diretoria. Há cinco, seis anos, a média de idade era por volta de 48 anos." A tendência é confirmada por uma pesquisa informal feita pelo Grupo Catho de recursos humanos no ano passado, respondida por 9 484 profissionais. Segundo a pesquisa, a idade que concentra o maior número de trabalhadores das empresas caiu de 41 anos, em 1997, para 31. (Esses números não podem ser levados ao pé da letra, pela falta de rigor científico da enquete, mas indicam o caminho que as empresas estão seguindo.)

Outra pesquisa informal, feita pela consultoria KPMG a pedido da EXAME no ano passado, colheu as respostas de 101 gerentes e diretores de empresas de médio e grande porte das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país. Para quase dois terços desses profissionais, a idade ideal para alguém comandar mudanças na empresa nos dias de hoje é de 36 a 45 anos. Menos de 30% dos profissionais consultados disseram confiar na experiência dos executivos de mais de 45 anos. Nos Estados Unidos, o formulário de inscrição para a feira de trabalho em tecnologia Westech Career Expos tem uma linha perguntando se o candidato faz parte de alguma minoria profissional. Uma das opções é "acima de 40".

Mesmo para executivos da área financeira, em que boa parte das empresas ainda pensa de maneira mais conservadora, valoriza a experiência e preza a base de relacionamentos, a média de idade vem caindo, afirma Alfredo Assumpção, da Fesa, empresa de contratação de executivos especializada nesse setor. Das 114 pessoas recrutadas no ano passado pela Fesa, 70% dos profissionais de média gerência tinham menos de 40 anos e 67% da alta gerência (os presidentes e diretores financeiros) tinham entre 40 e 44 anos.

"As companhias estão passando por um processo de rejuvenescimento forçado", diz Winston Pegler, presidente no Brasil da multinacional alemã de recrutamento e seleção de profissionais Ray Berndtson. A Ray atende cerca de 20 empresas por ano no país, com uma média de 70 contratações anuais. "Mais de 60% dos pedidos que tenho recebido para contratar diretores de alto nível visam pessoas de menos de 40 anos. Não só nas empresas de tecnologia de ponta. Nas empresas de todos os setores." Segundo Pegler, o objetivo é transformar esses diretores em agentes ou catalisadores de mudanças.

O processo de rejuvenescimento só tende a se acelerar, diz Pegler. "Isso vai mudar muito rápido. Até o fim do ano que vem, haverá uma troca de 30% dos executivos de mais de 40 anos. Até o ano 2002, serão trocados mais 20% e, em 2003, outros 20%." É uma previsão ousada. Para fazê-la, Pegler se baseia nas prováveis mudanças trazidas com a adoção do comércio eletrônico pelas grandes companhias. "Não tenho a menor dúvida. Esse rejuvenescimento é um processo que percebo nos meus clientes, e não vejo nenhuma possibilidade de retrocesso."

Um dos clientes de Pegler é a Volkswagen. De quatro anos para cá, a montadora vem promovendo uma renovação não apenas tecnológica, mas também de gestão. "Precisamos nos oxigenar", diz Carlos Augusto Costa da Silva, supervisor de planejamento de carreiras da Volks. Anualmente, vêm sendo trocados de 3% a 5% dos 650 executivos da empresa. A média de idade do pessoal, que em 1996 era de 51 anos, está agora em 44.

É claro que esses processos de renovação não são maquiavelicamente construídos para encurtar a carreira dos executivos. Até porque todas as pessoas ou têm mais de 40 anos ou esperam atingir essa idade algum dia. O fato é que o mercado de trabalho, um pouco por preconceito, outro tanto por constatação, vincula essa idade a um perfil genérico, que já não é mais valorizado nas empresas de ponta. Em linhas gerais, acredita-se que o profissional de mais de 40 anos não está tão à vontade com as novas tecnologias, tem uma formação menos flexível e menos globalizada que a nova geração e tem um estilo de gestão autoritário, menos adequado para a motivação de equipes.

É isso que faz o consultor e gestor de empresas Edson Vaz Musa responder, meio de brincadeira (mas meio a sério), quando lhe perguntam qual é a idade ideal dos executivos que contrata: "A metade da minha". Musa tem 62 anos. É isso que faz João Pedro Perez, diretor de venda de softwares da IBM para as Américas, dizer que contrataria, sim, executivos de mais de 40 anos, como já contratou, "desde que o cargo não exigisse mudança de perfil". A hipótese é que aos 40 anos o profissional já gastou todo o combustível do foguete. "Depois disso, ele não está acabado, ainda pode voar muito, o que acaba são as janelas de oportunidade para mudança de área, de função." Carlos Augusto, da Volks, diz que a idade não é o fator decisivo para promover a renovação. "Ela é um dos fatores. A empresa busca um perfil que as pessoas que não se atualizaram não têm."

A imensa maioria das empresas de ponta pensa assim. De acordo com uma pesquisa da Saad Felipelli, que presta serviços de recolocação de executivos, 42% das empresas consideram a idade uma questão importante, capaz de provocar desligamentos; 39% dizem não fazer análise da idade de forma isolada, mas sim combinada com outros fatores; e apenas 19% não consideram a idade uma questão importante na decisão de demitir um executivo. A pesquisa foi feita no ano passado com diretores de recursos humanos e administrativos de 482 companhias de médio e grande porte, a maioria no eixo Rio-São Paulo.

Se as grandes empresas estão renovando seu pessoal, é claro que quem sai tem mais dificuldade de ser recontratado. "Quando há um processo de seleção, ninguém fala da idade", diz Stetison Peccioli de Carvalho, 49 anos. "Depois você vai ver e a vaga foi preenchida por alguém de 32, 35 anos. Pela metade do seu salário." Sim, esse é um fator importante na concorrência com os mais jovens: quem vinha fazendo carreira em geral já tem acumulados ganhos que, na faixa dos 40, não são mais compatíveis com o mercado fora da empresa.

Stetison era gerente regional do Banco Antônio Queiroz. Foi demitido aos 45 anos, por fax, em 1995, quando Ricardo Mansur, que seguiria exterminando executivos até queimar todos os que trabalhavam com ele no holocausto final da Mesbla e do Mappin, comprou o banco. Nunca mais foi recontratado. "Os amigos a quem eu poderia recorrer estão sendo demitidos. Estou na contramão do mercado." Stetison trabalhou como autônomo durante dois anos, participou de uma empresa de consultoria e começou a dar aula sobre mercado de capitais no Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG). "Cada vez que alguém do mercado financeiro é demitido nasce um consultor. Todo mundo diz que é consultor. Na verdade, o que nós fazemos é bico." No ano passado, ele comprou uma banca de jornais no Morumbi e espera faturar com ela, já a partir deste ano, tanto quanto ganhava como gerente. Mas, diz que, se tivesse oferta de emprego, voltaria ao mercado.
Geralmente, a demissão nessa idade traz um baque pessoal enorme. Isaldo Luiz Campos, de 44 anos, também saiu do mercado financeiro. Trabalhou como gerente em Belo Horizonte nos bancos Bradesco, Noroeste e Unibanco, teve uma microempresa, depois trabalhou como vendedor de uma gráfica. Desde 1998 está sem trabalho. Seu cabelo branqueou precocemente e ele teve uma crise de depressão. "Dói, machuca muito ficar parado, sem perspectivas", diz. Hoje, curado da crise, Campos aprendeu a viver com menos, trabalha como síndico do edifício em que mora, no bairro Cidade Nova, na capital mineira, e usufrui de uma pequena participação numa distribuidora de gás da família.

Será esse o futuro para quem tem mais de 40 anos? Fazer bicos como consultor, abrir pequenos negócios, concorrer a síndico? "Gente como eu, que ainda tem muito gás para dar, é um patrimônio que as empresas estão jogando fora", afirma Itzhak Meir Bogmann, 51 anos, que fez carreira como gerente e diretor comercial de empresas médias. Em um dos processos seletivos de que participou, numa multinacional de eletrodomésticos, foi descartado na última fase com a justificativa de que a empresa queria alguém de no máximo 35 anos. Formado em engenharia operacional pelo Instituto Technion, de Israel, com pós-graduação em administração pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, Bogmann tem hoje múltiplas atividades: trabalha por comissão numa empresa de consultoria financeira americana, é síndico do flat em que mora nos Jardins, bairro central de São Paulo, e diretor de marketing do clube A Hebraica.

Não é que a experiência não tenha mais nenhum valor. Marcelo Borghetti, sócio que dirige a área de terceirização da Controle Soluções Empresariais, atendeu cerca de 100 empresas estrangeiras que estavam se instalando no Brasil no ano passado. "Em 80% dos casos, elas contrataram gente experiente para os cargos de chefia, com idades entre 40 e 60 anos", diz. Metade desse pessoal tinha saído de empresas grandes, em processos de renovação. Segundo Borghetti, os estrangeiros preferem executivos experientes porque eles têm mais conhecimentos das leis e processos brasileiros e mais contatos, importantes para quem estréia num mercado novo. Mas infelizmente, ao que parece, a história não termina aí.

"Numa segunda fase, quando a empresa estrangeira já está instalada e mais segura, 80% delas trocam de comando de novo, para colocar gente mais jovem, de 35 a 45 anos", diz Borghetti. Isso aconteceu, por exemplo, numa empresa de telecomunicações que chegou ao Brasil há um ano e meio e pediu à Controle ajuda para contratar um executivo-chefe experiente. Um ano e três meses depois, o executivo-chefe, de 55 anos, foi substituído por um profissional de 36 anos. "Eu entendo essa renovação como uma aposta das empresas. Uma vez que elas se consolidam, depois que aprendem a tocar a operação no Brasil, resolvem arriscar contratando gente mais agressiva e mais criativa", afirma Borghetti.

Isso pode acontecer em qualquer nível da empresa, porque geralmente arrojo e criatividade são qualidades de imagem vinculada à juventude. Bruno Airaghi, que aos 45 anos foi contratado como gerente de marketing de uma multinacional americana, saiu da empresa três anos depois, no fim do ano passado, numa reformulação destinada a "tornar o departamento mais agressivo". Seu substituto está na faixa dos 30 anos. Marketing é uma das áreas em que especialmente a idade não favorece. "Se eu tivesse 15 anos a menos, teria muito mais propostas", diz Airaghi.

O problema com a experiência é que ela é necessária em casos pontuais. Por isso, o pessoal de 40 anos fica imprensado entre os jovens com ânsia pelo novo e os cinqüentões e sessentões, que têm mais experiência e menos exigências. A própria Controle, que emprega cerca de 200 pessoas para usar nos processos de terceirização, tem cerca de 50 funcionários entre 50 e 65 anos, e o restante de 20 a 40 anos. Na faixa dos 40 a 50 anos, quase ninguém.

Talvez o principal obstáculo à recolocação dos quarentões nas grandes empresas não tenha a ver diretamente com sua desvalorização, mas sim com outro poderoso mito da administração: a aculturação. A idéia básica é que uma pessoa mais jovem pode ser mais facilmente formada, moldada pela empresa. Alguém mais velho traria consigo os vícios dos locais por onde passou. "É uma ilusão", afirma o psicoterapeuta e consultor de desenvolvimento de pessoal José Ernesto Bologna, da Ethos Desenvolvimento. Segundo ele, a idéia de treinar o jovem para que ele sirva à empresa revela o equívoco de procurar um espelho, não um interlocutor criativo.

O argumento favorável à aculturação é a idéia de manter o espírito e a identidade da empresa. "Quando vai montar uma equipe de trabalho, a empresa quer alguém que possa fazer carreira lá. Uma pessoa mais jovem pode ser aculturada mais facilmente. Por isso, na hora de escolher candidatos, as empresas grandes cortam de imediato as pessoas mais velhas. Eu próprio usava essa filosofia", diz Djalma de Paiva, 43 anos, que fez carreira como gerente de departamento de controle e contabilidade da multinacional americana Cargill e hoje busca recolocação no mercado. Em sua luta, Paiva voltou à escola. Está cursando o terceiro ano de ciências contábeis na Uniban, enquanto estuda uma proposta que incluiria mudar-se para Uberlândia.

Nenhum desses dramas particulares representa uma grande novidade. Experiências semelhantes ocorrem há vários anos. Como a de Clovis Malaman, demitido aos 40 anos, quando era diretor financeiro de uma empresa familiar. Isso foi há 13 anos. Malaman começou na empresa como contínuo 26 anos antes, e os herdeiros queriam idéias novas. Seu substituto tinha 33 anos.

Na verdade, a recolocação de executivos de mais de 40 anos já é difícil pelo menos desde a década de 70. Mas os casos de troca na base da idade eram provocados, de um modo geral, por crises pontuais da empresa ou do país. O normal era a carreira contínua, de preferência na mesma empresa, até o ápice aos 50 e poucos anos e a gloriosa aposentadoria em seguida. A situação agora é outra. Há um esforço consciente e deliberado de renovação, a economia se moderniza e se transforma num ritmo mais rápido do que é possível se reciclar, a globalização multiplica os casos de fusão de empresas e acirra a concorrência. Se antes a perda de emprego aos 40 anos era uma situação difícil, mas rara, hoje é praticamente uma certeza. Que companhia pode garantir seu emprego nos próximos cinco anos? Ou dois?

Agora que o quadro já está pintado com seus tons cinzentos, convém demolir alguns mitos, tanto favoráveis quanto contrários à produção depois dos 40 anos. Einstein publicou sua Lei da Relatividade Geral aos 39 anos. Darwin revolucionou nossa noção de humanidade aos 50 anos, quando escreveu A Origem das Espécies. Até os 42 anos, Henry Ford morava com a mulher e o filho em cima de uma garagem. Sinais de que a vida começa aos 40? Não exatamente. Einstein já era um gênio aos 29 anos, quando publicou a Lei da Relatividade Restrita, e Darwin já era genial quando embarcou no Beagle, aos 22 anos, e fez a maior parte das observações que levariam à teoria da evolução - que ele começou a escrever aos 29 anos (crises de consciência o fizeram adiar a publicação de uma obra que contrariava dogmas da Igreja). Ford já sabia das coisas muito antes dos 40 - o que lhe demorou a vir foi o sucesso.

Paul Erdös, um lendário matemático húngaro, o mais prolífico do século 20, dizia: "A morte começa aos 40". É uma velha crença entre matemáticos que o ápice da criatividade ocorre ali por volta dos 19 anos. Pois Erdös viveu para ser seu próprio contra-exemplo. Em 1996, aos 83 anos, ainda viajava o mundo atrás de problemas matemáticos, trabalhava 19 horas por dia e surpreendia colaboradores com sua mente afiada. Sobre sua idade, continuava ranzinza. Dizia apenas: "É melhor ter 38 anos do que 83".

Não existe lei que impeça pessoas de mais de 40 anos (ou 50, ou 100) de serem extremamente produtivas, assim como não existe lei que as faça ser melhores do que eram aos 20. O que é válido para inúmeras atividades é que aprimorar-se e construir uma obra consistente leva tempo, e quem é bom desde os 20 anos tende a ser ainda melhor aos 40.

Por que então a idade está pesando contra os executivos nas grandes empresas?
Em primeiro lugar, porque desde a metade do século 20 a idade está pesando para todo mundo. A cultura ocidental tornou-se uma cultura de endeusamento do jovem. "A juventude passou a ser vista não mais como um estágio preparatório para a vida adulta, mas, em certo sentido, como um estágio final do completo desenvolvimento humano", diz o historiador britânico Eric Hobsbawn, no livro A Era dos Extremos. "Os jovens passaram a ter poder, primeiro por causa do poder de compra, mas também porque o avassalador avanço tecnológico deu a eles uma vantagem enorme sobre os mais velhos, mais conservadores ou pelo menos menos adaptáveis. O que as crianças podiam aprender dos pais tornou-se menos óbvio do que o que os pais não sabiam e seus filhos, sim."

O consultor de previdência privada Affonso Fausto, de 63 anos, lembra de quando começou sua vida profissional, como gerente da área social da Volkswagen, na década de 60. "Na época, com 23 anos, eu precisava ter um ar mais sério para impor respeito. Usava terno e gravata, me cuidava para não rir muito. Quando chegava à empresa, colocava o anel de grau, com uma pedra vermelha. Quando saía, tirava o anel, porque era cafona, mas lá dentro usava para mostrar que era formado." Era a época em que idade impunha respeito. Hoje, é o contrário: especialmente nas valorizadas áreas de marketing e softwares ou Internet, não é raro que senhores grisalhos vistam gravatas berrantes ou jeans e tênis coloridos para mostrar que ainda podem ser encarados como adolescentes.

Em segundo lugar, a idade pesa porque a economia está mudando muito. De que vale a experiência num mundo em que a velocidade torna obsoletas as rotinas que eram novidade no ano passado? "Se alguém diz que tem 30 anos de experiência, cuidado. Ele tem um ano de experiência. O resto é repeteco", diz Itzhak Bogmann. Aos 51 anos, sua noção de experiência está muito mais vinculada a aprendizado. "O pessoal de mais de 40 anos é muito mais vivo do que a maioria da garotada que sai da universidade cheia de teorias."

Quando o mundo corporativo era mais estável, o prêmio ia para a confiabilidade, a segurança, o respeito às normas. O ápice da carreira seria por volta dos 50 anos, culminando uma escalada gradual, de preferência com passagens por duas ou três multinacionais. Pois Michael Riche, de 48 anos, que trabalhou como gerente administrativo e financeiro durante 8 anos numa multinacional sueca, depois mais 8 numa multinacional americana e outros 8 numa multinacional alemã, está hoje desempregado. De julho a dezembro do ano passado, participou de 12 entrevistas, nas quais sempre escolheram um candidato mais jovem. "Quem tem mais de 40 anos tem muito mais vivência, mas, tecnicamente falando, um sujeito de 35 anos tem o que a empresa precisa, e sai mais barato." Riche mudou-se para Itu, onde construiu uma casa, e comprou uma loja de peças para motocicleta.

Em terceiro lugar, a idade pesa porque o pessoal de 40 a 50 anos pegou uma fase de transição mundial. "O mundo externo, que no começo do século parecia montado para funcionar, fragmentou-se. A família deixou de ser a célula principal da organização social. As instituições do Estado e da Igreja se esvaziaram", diz Bologna, da Ethos Desenvolvimento. Há uma nova lógica no mundo.

Ou, no mínimo, há um novo discurso sobre o mundo - e sobre as empresas. "Nunca houve uma defasagem tão grande entre o que se fala e o que se faz", diz a psicoterapeuta Ana Perwin Fraiman, que presta consultoria em desenvolvimento pessoal para empresas. "As companhias pregam a criatividade, mas continuam punindo os erros, pregam o trabalho em equipe, mas incentivam metas individuais. Quando chamam um consultor para mudar algo, é sempre o grupo que deve ser mudado, os chefes quase nunca têm tempo ou disposição de mudar." Nesse contexto esquizofrênico, é muito mais fácil dizer que as coisas não estão funcionando porque "cachorro velho não aprende truques novos" do que encarar a realidade de que as coisas não funcionam porque as mensagens recebidas são contraditórias.

Há um lado muito positivo nessa crise de meia-idade. Se o restritíssimo clube das grandes empresas passa por um processo de renovação, está liberando profissionais extremamente bem formados para o restante do mercado. "Eu não diria que os 40 anos são a morte da carreira", afirma José Augusto Minarelli, da Lens & Minarelli, uma empresa de recolocação de executivos. "Prefiro dizer que há fortes restrições a essa faixa etária no segmento mais alto do mercado de trabalho." O pessoal que sai das grandes empresas tem um conhecimento e uma prática de que as outras companhias, que são 80% do mercado, precisam muito.

"Essa crise está levando o Brasil para o Primeiro Mundo", diz Affonso Fausto. "Porque ela está obrigando pessoas competentes a criar microempresas, a espalhar conhecimento e competência pelas empresas menores e para o interior do país."

Esse processo, ainda que nos convençam que pode ser saudável, não é isento de dor. Primeiro, há o lado financeiro. Os executivos recolocados geralmente têm de aceitar uma perda. Pelos dados de Minarelli, que cuida de 180 casos de recolocação por ano, 51% dos executivos são recontratados com uma perda de mais de 25% do salário antigo e 20% têm perdas que variam de 5% a 15% do salário antigo (totalizando 71% de recolocações com perda salarial). Depois, há a saudade do status perdido. Gente que tinha secretária, mesa grande, sala privada e, principalmente, que estava acostumada a um padrão de trabalho elevado, estranha muito as novas posições. "Volta e meia algum executivo me liga para dizer que a empresa média em que está trabalhando é muito cheia de problemas, o pessoal não sabe fazer nada direito, o orçamento é muito baixo. Eu respondo: ‘agradeça que você está numa empresa com problemas. É por isso que ela precisa de você’", diz Minarelli.

Nesse processo, também há perdas para as empresas. O consultor americano Ingo Walter, professor da New York University, diz que o declínio da média de idade nas empresas e a alta mobilidade dos executivos fazem com que os fracassos e sucessos sejam difíceis de capturar pela memória institucional, e portanto difíceis de transformar-se em conhecimento. "Alguns desastres recentes de firmas de investimentos e empresas em geral poderiam ter sido evitados se houvesse gente mais experiente nas posições de comando", diz Walter.

Mas o maior drama é mesmo das pessoas que sofrem o baque de uma demissão e, depois, esbarram no preconceito. Paulo Lysenki, um curitibano de 58 anos, formado em engenharia mecânica com mestrado em administração pela Universidade de Syracuse, nos Estados Unidos, experiência de diretor-geral e diretor comercial de empresas grandes, fluente em inglês, francês e espanhol, está há dois anos e meio trabalhando como tradutor, consultor e professor de matemática financeira. Lysenki participou de uma dezena de processos de seleção de candidatos, e em nove deles chegou à última fase. Nessa hora, os finalistas costumam ser rigorosamente do mesmo nível, e a escolha se dá por uma empatia maior, o jeito de falar, enfim, uma diferença de um fio de cabelo. Quase sempre, o fio de cabelo branco é preterido.

Muitas empresas acham que, por ter ocupado cargos importantes, o executivo não vai aceitar uma proposta. Não é verdade. A maioria, depois do choque de realidade que acompanha a saída da empresa, sabe que o mais importante é recolocar-se no mercado, e depois lutar por outras promoções. "Eu até já fiz um currículo detonado, dizendo que tinha sido gerente, em vez de diretor", diz Lysenki. "Eu quero é trabalhar, para garantir o futuro da minha filha, uma gatinha de 3 anos."

L.S., de 47 anos, um profissional de recursos humanos com 15 anos de experiência, foi desligado de uma empresa de varejo do Rio de Janeiro. Aproveitou para escrever dois livros, um deles sobre... empregabilidade. Ora, se ele entende tanto assim de empregabilidade, por que não se emprega? "O preconceito é mais forte do que o saber. Porque você não consegue nem chegar na frente de quem contrata para mostrar o quanto é bom", afirma L.S.

Outra dificuldade é quando o profissional percebe que precisa de reciclagem mas não tem como fazer nada. É o caso de José Carlos Ney Nogueira, um contador de 45 anos. Ele trabalhava para uma empresa de telecomunicações que faliu em 1998 e agora tem prestado consultoria a uma empresa da Internet. José Carlos quer fazer um MBA e estudar inglês, para ter mais chances no mercado, mas, com dois filhos na faculdade, não pode. "Ou invisto nos meus filhos ou invisto em mim."

Histórias como essas poderiam encher todas as páginas da EXAME e - mesmo que acreditemos que esse processo de renovação tende a dinamizar a economia, fortalecer as empresas e espalhar gente competente pelos setores menos nobres do mercado - ainda deixam qualquer um deprimido. Qual a solução?

Primeiro, é preciso encarar a realidade. "É preciso esquecer a relação idiota com poder, orgulho, status e aceitar usar a sua competência onde ela é necessária", diz Herbert Steinberg, sócio da DBM, uma empresa de recolocação. Depois, é preciso mergulhar em si mesmo e descobrir suas verdadeiras competências e habilidades, quem pode se interessar por elas e que tipo de projeto pode ser construído. Não se trata apenas de uma viagem de autoconhecimento. "É preciso dar significado às coisas. Tornar as suas atividades experiências de valor", diz Bologna, da Ethos. "A dignidade não pode estar ligada à riqueza material." Feita essa recuperação de valores e competências, é hora do planejamento estratégico pessoal, com base na nova realidade.

Não parece uma solução perfeita, não é? Soa um pouco como conformar-se e tocar a vida. Mas, se for usada preventivamente, essa receita pode ajudá-lo a programar melhor a sua carreira. Do mesmo modo como a partir dos 30 anos um executivo já tem de começar a preparar seu plano financeiro de aposentadoria, o que o mercado de trabalho aponta é para a necessidade de um bom planejamento profissional. Quanto mais cedo, melhor. O guru britânico Charles Handy costuma dizer que no futuro as pessoas terão de ter duas ou três carreiras, e o investimento em cada uma delas deve ser feito antes de atingir o ápice da carreira anterior. Não está na moda dizer que você é o seu próprio produto? Pois então: o ciclo de vida dos produtos está ficando menor.
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