IVAN ANGELO
REVISTA VEJA - SP
Dezembro é o mês das compras, como maio é o das noivas, agosto é o do desgosto, junho é o das fogueiras e fevereiro é o do Carnaval. Os estudantes aguardam dezembro como o mês das férias; as crianças, como o do Natal. Para os trabalhadores, é o mês em que eles pensam que estão mais ricos.
Recebem o 13º salário ou parte dele — e compram. A verdade é que já há algum tempo vêm se sentindo menos pobres, vêm comprando. A queda da inflação deixou sobrar no bolso deles a parte do salário que se queimava na fogueira do aumento de preços.
Compram de tudo. Um compra geladeira nova porque a velha, bom, gelar ela gelava direitinho, mas gastava muita energia. Outro compra televisão nova porque a velha não tem tela plana de LCD, 42 polegadas, e a vizinha pensa que é melhor do que a gente só porque comprou uma de 36 polegadas. Compram DVD, celular para a filha adolescente, forno de microondas, MP3, 4, 5, freezer, videogames, fogão novo, carro. Qual é a mágica? É a prestação que “cabe no bolso”.
Perdiam dinheiro para a inflação, agora perdem para os juros. Em vez de guardarem o dinheiro por seis meses e comprarem à vista com desconto, preferem parcelar em doze meses e pagar o dobro, ou em 24 meses e pagar o triplo. Ficam na mão de espertos, aqueles que lucravam com especulações de curto prazo durante a grande inflação e agora lucram financiando prestações. Os novos compradores não fazem essa conta. Cabendo no orçamento do mês, pagam. Querem se sentir parte da grande nação de consumidores, participar da vida colorida dos anúncios da televisão, esquecer por um momento que não têm escola, atendimento médico, transporte, esgoto, segurança...
O marido da senhora que faz limpeza na casa de uma amiga esteve desempregado quase um ano. Como não tem nenhum preparo técnico, integrava a turma do bico. Arranjou emprego e, no dia do primeiro pagamento, ele e a mulher compraram uma geladeira nova. Três meses depois, ele estava desempregado outra vez, de volta ao bico. Não se abalaram. O que importa para eles é que a geladeira está em casa há quatro meses e estão conseguindo pagar, seguem tocando a vida.
— Se nós não tivesse comprado a geladeira, não ia comprar nunca — diz ela, otimista, bebendo sua água geladinha e mantendo protegido o leite das crianças.
Essa atitude otimista acontece em um momento crítico para o trabalhador no mundo. Caem os investimentos e o comércio entre as nações. As indústrias investem em processos de produção que rendem mais e custam menos. Novas tecnologias provocam dispensas, e não só por lá. Resulta o que se poderia chamar de globalização do olho da rua.
Mais de 200 milhões de trabalhadores formais perderam o emprego no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho; quase 1 bilhão de pessoas em condições de trabalhar não encontram vagas, 700 milhões vivem de expedientes, se virando. É a globalização do bico. Milhões sem conta não conseguem nem se virar. É a globalização do dane-se.
Os temores que a crise lá de fora desperta nos analistas e alarmistas daqui parecem não atingir os moradores das áreas carentes das grandes cidades brasileiras. É fantástica a capacidade que eles têm de acreditar no melhor, em meio à incerteza.
Se alguma conclusão se pode tirar da ingênua tendência compradora daqueles que têm tão pouco, é a de que ela nasce de um incompreensível otimismo — incompreensível para nós, atormentados da classe média. Ao redor deles pipocam dificuldades, mas eles, confiantes, jogam com o destino como se ele fosse uma MegaSena que um dia vai dar.
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