JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
O Estado de S.Paulo
Entre o início dos anos 90 e 2005, o Brasil viveu um intenso processo de reformas estruturais. Abertura da economia, fim da reserva de mercado para informática, privatizações, reformas do Estado, da previdência social, do crédito, Lei de Responsabilidade Fiscal, programas de transferência de renda condicionados à frequência das crianças às escolas, etc. Os resultados foram uma forte queda da relação dívida pública/PIB, melhoria do nível educacional da população, universalização do ensino fundamental e expressivos aumentos de produtividade e da taxa de investimento da economia.
Uma revolução dessa dimensão não é feita sem custos. Setores que sobreviviam em razão dos elevados níveis de tarifas e de restrições não tarifárias às importações desapareceram. Ao mesmo tempo, houve forte queda dos preços dos bens de capital e aumento dos investimentos. Inovações tecnológicas que normalmente vêm incorporadas aos bens de capital foram introduzidas na economia e setores que tinham vantagens comparativas claras, como a agroindústria e setores intensivos em recursos naturais, tiveram desempenho espetacular.
O ajuste do mercado de trabalho a essa nova realidade não foi fácil. As inovações tecnológicas e mudanças da estrutura produtiva transformaram drasticamente a estrutura da demanda por ocupações. Como é difícil mudar a qualificação da mão de obra no curto prazo, os resultados foram um descompasso entre oferta e demanda por trabalho durante um longo período e a persistência de elevados níveis de desemprego, que passou de 5% da força de trabalho, no final dos anos 80, para 13%, no final dos anos 90. Com o passar dos anos, a estrutura de oferta de qualificação se adaptou à da demanda, em razão da universalização do ensino fundamental, dos programas de treinamento e qualificação e da entrada de uma nova geração, mais educada, no mercado de trabalho, o que fez com que a taxa de desemprego retornasse a 6% da força de trabalho.
Com os ganhos de produtividade e a lenta, mas persistente, adaptação da estrutura da qualificação da força de trabalho, foi possível ao País crescer a taxas próximas a 4,5% ao ano nos últimos dez anos, sem gerar pressões inflacionárias insustentáveis. Ante esse desempenho relativamente favorável, o processo de reformas - que deveria prosseguir na direção do aumento da qualidade do sistema educacional público, do reforço das condicionalidades dos programas de transferência de renda, do aprofundamento das reformas do mercado de trabalho e da previdência social e da a criação de instituições para incentivar os investimentos privados em infraestrutura (PPPs, por exemplo) - foi interrompido. Concentraram-se esforços em políticas que privilegiaram o aumento do consumo, como os programas assistencialistas (não condicionados) de transferência de renda (o governo federal gasta hoje três vezes mais com esses programas que com investimentos, 16,7% ante 6,85% do gasto total, respectivamente), aumentos do salário mínimo e dos gastos correntes do governo, deixando de lado as preocupações com ganhos de produtividade e aumento dos investimentos.
Essa mudança foi, provavelmente, um dos fatores que fizeram com que a redução da desigualdade e da pobreza, que já vinha ocorrendo desde o início dos anos 90, tenha se intensificado, constituindo-se num importante fator positivo dessa estratégia. Mas, ao abandonar as reformas, não foram criados incentivos adequados ao contínuo aumento do investimento (em capital físico e humano - educação e saúde) e da poupança (recursos financeiros e tempo dos jovens dedicado à educação), reduzindo a taxa de crescimento de longo prazo. Com os baixos níveis de poupança e investimento e o fim da capacidade ociosa, a economia atingiu seu limite de crescimento, dado por uma taxa de investimento de 17,5% do PIB e crescimento de 2,2% da força de trabalho. Como para gerar 1 ponto de porcentagem (p.p.) de crescimento do PIB são necessários 4,5 p.p. de crescimento do estoque de capital (aproximadamente a média internacional da relação entre investimento e aumento do PIB para países como o Brasil), ou 0,6 p.p. de aumento do emprego, sem ganhos de produtividade a taxa de crescimento sustentável está um pouco abaixo de 4% ao ano. Usar as políticas monetária, creditícia e fiscal para forçar essas restrições apenas gera mais inflação.
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