terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Sem tempo para chorar

 RAUL VELLOSO
O Globo


É chocante constatar como a posição do Brasil no ranking de problemas fiscais se inverteu dos anos 90 para cá. Antes, as dívidas dos desenvolvidos eram relativamente altas, mas os déficits eram baixos, de forma que a tendência futura da relação entre a dívida e o PIB desses países era em geral sustentável. Aqui, a dívida era até baixa, mas, diante de déficits muito elevados, temia-se que a razão dívida/PIB crescesse em espiral, e isso levasse à sua monetização, para, no final, explodir a hiperinflação.

Na raiz da crise fiscal europeia está o gasto excessivo e, por último, a assunção de dívidas privadas relacionadas com a crise do mercado imobiliário. Por aqui, a crise da dívida pública teve seu pico entre o fim dos anos 90 e meados da década seguinte. Fizemos um senhor ajuste, e, felizmente, não tivemos a necessidade de fazer as mesmas operações de assunção de dívidas.

No Brasil o problema fiscal se localizava tanto na União como nos estados e municípios. Aqui, são 27 unidades federativas, vários municípios gigantes e muitos outros menores, em que circula nossa moeda única, o real. Até 1998, pode-se dizer que as unidades federativas tinham o poder de fazer déficits públicos elevados no Brasil, usando principalmente os bancos estaduais para financiá-los. Posteriormente, o Banco Central cobria os buracos dos bancos locais e a União acabava assumindo os déficits criados pelos governos estaduais, que se somavam aos que ela própria gerava.

Na União Europeia, são 16 os países-membros que adotam o euro. Criaram-se a moeda única e um banco central europeu, e os estados-membros se comprometeram, pelo Tratado de Maastricht, a fazer déficits máximos de 3% do PIB, além de não deixar a razão entre a dívida pública e o PIB ultrapassar a marca de 60%. Na prática, contudo, a gastança e a assunção das dívidas imobiliárias levaram ao descumprimento dos compromissos fiscais. Mesmo os países mais bem comportados falharam aqui e ali, e não há como punir os faltosos. Hoje se fala que falta uma "união fiscal", ou um mecanismo que leve automaticamente os países-membros a atingirem as metas fiscais.

A última rodada de renegociação de dívidas de estados e municípios em 1999 demonstrou que o Brasil tem uma união fiscal de verdade. Talvez os europeus possam se espelhar na nossa experiência. As unidades assinaram contratos com a União, pelos quais abriram mão, como parte do pagamento da dívida refinanciada, de uma parcela das receitas que ela arrecada e que lhes seria automaticamente transferida.

Estabelecida a camisa de força financeira sobre os entes federativos, ficou faltando a União decidir como fazer seu próprio ajuste. Foi chocante assistir à entrevista da ministra do Trabalho da Itália na TV, chorando ao anunciar mudanças de parâmetros do regime previdenciário. Por aqui, quantas vezes fomos à TV, ao Congresso e à mídia em geral para anunciar "pacotes" fiscais dolorosos, mas sem ter tempo para chorar...

O fato é que os superávits primários (ou seja, os saldos antes de pagar juros) do setor público brasileiro passaram, em pouco tempo, de irrisórios a expressivos, e assim se mantêm desde então. Dessa forma, a dívida passou a crescer menos. E fizemos isso com a economia crescendo pouco, o que envolveu um enorme sofrimento da sociedade. Hoje, muitos reclamam da dificuldade de os países desenvolvidos ajustarem suas contas em quadros recessivos. E nós?

Infelizmente, o ajuste fiscal brasileiro tem sido feito basicamente pelo aumento da receita e pelo corte dos investimentos públicos. Ou seja, descobrimos um jeito de aumentar os superávits fiscais primários (receitas menos despesas não financeiras - inclusive investimentos), sem precisar aumentar a poupança em conta-corrente do país (receitas menos despesas correntes em geral) na mesma proporção. De outra forma, o ajuste teria de se concentrar nos gastos correntes não financeiros.

Quando a arrecadação de impostos cresce muito, ao tempo que os gastos correntes não financeiros não param de subir, a poupança pública pode até aumentar, mas isso só ocorre se a despesa de juros (gasto corrente financeiro) não subir tanto. Assim, o investimento público pode até se elevar por uns tempos, mas não consegue decolar. É o que ocorre ultimamente.

Paralelamente, como o gasto corrente não financeiro é basicamente com transferências a pessoas ou pessoal, a tendência é de se extraírem recursos de quem poupa mais e transferi-los para quem poupa menos. É por isso que, em adição, a poupança privada tende a cair. No frigir dos ovos, o investimento total e a economia não crescem como poderiam.

Em suma , aprendemos a controlar a dívida pública, e nisso temos muito o que ensinar aos europeus e americanos, mas precisamos recuperar a poupança e crescer mais. O Brasil poupa pouco e, portanto, investe pouco, especialmente no setor público. Curiosamente, o governo não facilita a vida do setor privado para que ele possa trazer mais poupança de fora e investir mais onde o setor público falha.
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