Vistos só pelos números, os índices de atendimento médico pelo SUS em São Francisco de Itabapoana indicariam que o pequeno município do Norte Fluminense, penúltimo no ranking do IDH do Estado do Rio, estaria promovendo uma revolução no seu sistema de saúde. Com uma população de 41 mil habitantes, a prefeitura chegou a apresentar ao Ministério da Saúde planilhas registrando a realização de 40 mil exames mensais de rotina (sangue e urina) - quase 100% da população, percentual superior, por exemplo, ao de campanhas de vacinação.
Mas, dissecados pela Polícia Federal, os supostos indicadores de primeiro mundo revelaram-se o resultado de uma sangria de verbas públicas. Em vez de curar doenças, repasses do governo federal, através do SUS, engordavam contas privadas. A drenagem era comandada, segundo a PF, pelo prefeito Beto Azevedo, preso sob acusação de chefiar uma quadrilha que, desde 2009, embolsou R$ 3 milhões.
A malversação de verbas do SUS não é exclusividade de São Francisco de Itabapoana. O episódio no pequeno município fluminense segue um protocolo de ações criminosas. Nele, o programa de saúde pública do país torna-se refém de quadrilhas organizadas para tirar proveito da frouxidão dos mecanismos oficiais de fiscalização dos repasses de verbas e de gerenciamento da aplicação do dinheiro repassado aos parceiros (estados e municípios) da União.
Levantamento do governo federal mostra que, entre 2002 e 2011, a Saúde perdeu um orçamento paralelo de R$ 2,3 bilhões, dinheiro que escorreu para bolsos privados por dutos que nutrem a corrupção. De acordo com dados do Tribunal de Contas da União, o setor responde por um terço dos recursos federais que, no período, se perderam pelos desvãos de negociatas arranjadas por agentes públicos, maus empresários e atravessadores de influência para drenar dinheiro do Erário. Pior: o valor estimado da roubalheira corresponde apenas a processos sobre fraudes identificadas pelo Ministério da Saúde. Num sistema que não prima pelo zelo no controle de repasses, é de se imaginar a extensão real da sangria.
O próprio sistema, pela dimensão e falta de estrutura, estimula os desvios. Entre os principais agentes da corrupção no SUS aparecem prefeitos, secretários de Saúde, estaduais e municipais, e clínicas particulares conveniadas. Os bilhões escorrem por tubos marcados por falta - ou no mínimo falhas - de protocolos de defesa contra malversações, por deficiências graves nos processos de controle financeiro, de pessoal e de procedimentos efetivamente realizados (na maioria dos casos comprovados de assalto a verbas da Saúde, registram-se superfaturamento de preços, licitações viciadas e dissonâncias entre serviço prestado à população e prestação de contas ao Ministério da Saúde, como no episódio de Itabapoana).
A questão dos ralos da corrupção e do mau gerenciamento deve pautar qualquer discussão sobre a criação de novas fontes de financiamento para o setor. Por princípio, é simpática a ideia de se destinar mais verbas para cuidar da saúde da população, mas desde que os dutos das fraudes sejam previamente lacrados. Pôr mais dinheiro nesse buraco não resolverá os graves problemas encontrados na ponta do atendimento aos pacientes na rede pública e conveniada. Apenas engordará ainda mais os esquemas que se especializaram em avançar sobre os repasses oficiais.
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