O Estado de S. Paulo
O recurso à generalização é um dos artifícios comuns no esforço retórico de se rebater um ponto de vista. Para qualquer discussão, é sempre tentador desqualificar o argumento oposto lançando mão da ideia de que aquilo que se propõe é apenas parte do todo, algo provisório e incompleto. Sempre, por definição, a causa-raiz de um problema pode ser mais ampla, mais abrangente e estar encaixada numa verdade maior. Tudo é incompleto e parcial. Parece ser esse o viés que marca as discussões recentes sobre as medidas que buscam proteger a indústria de transformação da concorrência predatória dos produtos importados. A crítica de que as iniciativas são tópicas e paliativas passa por cima de alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, convém não esquecer que o "tsunami" monetário que despejou uma bacia amazônica no mercado de moedas e sustentou uma valorização de quase 30% na taxa de câmbio efetiva real nos últimos três anos pode ser uma maldição para a indústria brasileira (que se beneficia dela apenas pelo barateamento dos insumos importados), mas, sem esse choque no preço dos produtos importados, não há como imaginar o forte crescimento dos últimos anos. A valorização cambial que atormenta a indústria é a mesma que permitiu que o avanço do PIB não se convertesse em inflação mais alta. Portanto, não há escolhas fáceis a esta altura. É possível, sim, promover a desvalorização do câmbio e "ganhar" a guerra cambial. Mas isso vai pressionar a inflação, erodir os salários reais e irritar os eleitores - e assim não vale. Outro ponto a ser lembrado é que nas atuais condições do nosso bizarro presidencialismo de coalizão não existe simplesmente nenhuma condição de levar adiante uma agenda de reformas estruturais que ataquem as questões de fundo e acelerem a produtividade. A lista das "verdadeiras soluções" é conhecida e inclui uma reforma fiscal que desonere a produção; a redução das despesas governamentais para a formação de poupança; o estímulo à inovação tecnológica; a revisão do sistema previdenciário; e a reorientação do sistema educacional com o objetivo de qualificar a mão de obra. Ora, não só esses objetivos podem ser contraditórios entre si, como não há, do ponto de vista da sociedade como um todo, um mínimo de consenso sobre sua oportunidade, para não falar de sua urgência. Decerto, seria altamente valioso se o governo pudesse assumir, negociar e implementar uma agenda de reformas estruturais. Ainda comemoramos o fato de o Brasil ser hoje a sexta maior economia do mundo, mas damos pouca atenção ao incômodo de que nossa renda per capita no conceito de paridade de poder de compra é a 62.ª do planeta, 15 posições atrás da do México e 17 lugares atrás da Argentina. No ritmo que crescemos nos últimos dez anos - um bom período -, demoraremos ainda cerca de dez anos para alcançar o nível atual da renda per capita do México e cerca de 14 para nos igualarmos aos argentinos. Portanto, estamos atrasados e crescer mais rápido é um imperativo. Mas é ilusório pensar que um governo que foi capturado por reivindicações corporativas e que não consegue decidir qual bebida servir na festa da Copa do Mundo poderá encaminhar mudanças de fundo na forma da organização da economia. A agenda que se cobra de um governo que se equilibra numa coalizão de 18 partidos não existe fora dele. Antes de ser um reflexo da falta de vontade política, a inapetência oficial por uma estratégia de longo prazo reflete apenas a falta de convicção da própria sociedade. Resta caminhar lentamente, aparando arestas e rebarbas. A aprovação da jornada de trabalho flexível, a criação do fundo de previdência dos funcionários públicos e o sucesso na concessão dos aeroportos mostram que mais vale dar pequenos passos do que discutir uma grande jornada que nunca acontecerá.
Economista; foi diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP
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