quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A perigosa farmácia caseira

Ana Carolina Cardoso

O Globo 



A história é comum: basta uma dor de cabeça, um início de gripe ou um mal-estar que o brasileiro corre para encontrar algum medicamento no seu pequeno estoque em casa ou então se dirige à farmácia mais próxima na busca daquele remédio "de confiança", seja pelo uso de longa data, seja pelas recomendações de parentes ou amigos. O hábito, já muito arraigado na população, representa um enorme risco à saúde. Em estudo recente, divulgado pelo Centro Multidisciplinar da Dor, no Rio de Janeiro, foi constatado que pelo menos metade dos pacientes se baseia em pessoas não qualificadas na hora de tomar um medicamento e que 40% repetem a medicação prescrita em ocorrências anteriores. Esse comportamento, porém, pode levar a graves complicações, como danos ao fígado e severas reações alérgicas e adversas, que podem inclusive levar à morte.

Depois de muita polêmica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou novamente a venda de medicamentos que não precisam de prescrição médica em prateleiras. A justificativa é que, ao passar para dentro do balcão, foi prejudicado o direito de o consumidor escolher o medicamento mais conveniente e que a proibição não tinha reduzido a automedicação - o que abre espaço para que as perigosas "farmácias caseiras" proliferem ainda mais e gera um retrocesso no combate ao problema.

Os medicamentos são produzidos para serem receitados por médicos, e os riscos são normalmente subestimados. A maioria dos fármacos causa algum mal para o organismo. Por essa razão, o profissional de saúde prescreve a dose e a duração do tratamento. Como a maior parte dos remédios é processada pelo fígado, há casos em que o paciente pode desenvolver um processo inflamatório (hepatite) ou até mesmo uma lesão mais grave. Sem contar que o uso excessivo de analgésicos e anti-inflamatórios pode até piorar o quadro de saúde.

É preciso conscientizar a população de que existe uma sutil diferença entre a cura e o envenenamento. Estima-se que 18% das mortes por intoxicação no país são causadas pela ingestão inadequada de medicamentos. Segundo a própria Anvisa, 23% dos casos de intoxicações infantis são motivados pelo armazenamento incorreto de medicamentos em casa, e o Sindicato das Indústrias Farmacêuticas contabiliza 20 mil mortes por ano por causa desse consumo inadequado e sem orientação. É um número expressivo, que pode ser combatido com o aumento do rigor na venda, uma fiscalização maior sobre a publicidade de medicamentos e o investimento em campanhas educativas dos perigos de se comprar e tomar remédios sem prescrição médica.
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