terça-feira, 31 de agosto de 2010

Desordem pandêmica

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 Desordem pandêmica
Mario Cesar Flores - O Estado de S.Paulo
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A confusão entre licenciosidade e liberdade, inerente ao caráter coletivo brasileiro, estende-se da má educação nos costumes à pusilanimidade com o irregular, à prática pandêmica do ilícito. Mais ainda porque o poder público claudica na contenção do delito, quando não o pratica...

Esta é a realidade: nossos vários estratos sociais tendem ao desrespeito à lei nos níveis à sua conveniência ou visão da vida e de acordo com sua sensação de impunidade. Exemplo simbólico: em arrastão no Rio, um motorista de classe média declarou que "os bandidos se aproveitam que temos de reduzir a velocidade porque aqui há radar"... Ou seja, para ele, arrastão é crime e seus autores são bandidos, já o excesso de velocidade só seria delito e ele, infrator porque há o radar. O elenco da orgia vem crescendo "democraticamente", sem discriminação de classe, idade, raça, sexo e religião, das elites ao povo destituído, da adolescência inimputável à provecta idade, do delito vulgar (estacionar na calçada, não usar a faixa de pedestre...) à violência e criminalidade urbana, à desordem rural, à sonegação de impostos e, emblematicamente nefasta, à venalidade na vida pública.
No cotidiano da mídia, que vem banalizando o irregular: assassinatos, assaltos, invasões, saques, arrastões, vandalismo (até no Congresso Nacional, alvo de vandalismo cujo líder transita com desembaraço no poder público), roubos, bloqueios, sequestros, tomada de reféns, agressão ambiental, drogas, pirataria, aberração sexual, ataques à polícia (ao invés de medo da polícia...), improbidade no mundo político e no serviço público, e por aí vai. A violência exacerbada manifesta-se em grupos criminosos do tipo PCC e CV (cujas "guerras" territoriais se assemelham às dos gângsteres de Chicago nos 1930) e alguns delitos são praticados com aspectos (como foi a agressão ao Congresso) similares aos das SA nazistas, que se valiam da tolerância do regime de Weimar.
A leniência com o desrespeito à lei é bem refletida neste fato: há quem aceite, no poder público e na sociedade, ser tolerável - ou até correto - que centenas de "sem-terra", com seus inocentes instrumentos letais de trabalho (foices, machados e facões), ameacem empregados de fazenda invadida e a vandalizem, mas veja como violência a defesa contra a ameaça. No clima atual de complacência e até concordância com o delito, Lampião provavelmente seria visto como paladino da justiça social rural...! Em evento de reintegração de posse, um líder do MST declarou: "Estão criminalizando os movimentos sociais." Errado: criminalizam-se seus métodos delituosos, e não os movimentos sociais, que, de fato, não têm inspiração criminosa (na acepção rigorosa do termo), mas desafiam a ordem do Estado de Direito. Todos rejeitamos hoje a frase "a questão social é caso de polícia", atribuída a Washington Luís, mas essa rejeição não significa admitir o delito, em vez do Estado de Direito, como a solução de problemas sociais.
A miséria, a exclusão e o correlato vácuo mental alienante, agravados por expectativas induzidas pela propaganda paranoica não acompanhada pela capacidade de satisfazê-las, são por vezes apontados como a razão da violência e da criminalidade. Elas realmente as estimulam, há que reduzi-las e criar expectativas positivas, mas a ilegalidade deve ser tratada pelo que ela é. Ademais, miséria e exclusão não são causas deterministas, tanto assim que a maioria do povo pobre não vive fora da lei, é comumente vítima dos fora da lei. Tampouco explicam boa parte da permissividade vigente: muitos delitos, do desrespeito às regras do trânsito à criminalidade cibernética e à corrupção pública, são cometidos por pessoas que nem de longe nelas se enquadram.
Já é perigosa rotina a indiferença pelo anormal no comportamento societário, no qual se insere o descomprometimento com valores como casamento e família, profissão, emprego, carreira, trabalho e estudo. Já é usual ver como "caretice" respeitar a lei na rotina do cotidiano (respeitar o sinal vermelho...) e ser aceito como permitido o que não é ostensivamente reprimido (limite de velocidade só vale onde há radar ou é compulsado por quebra-molas...). O irregular é diluído no cadinho da leniência, condenado ao esquecimento e logo sucedido por espetáculo novo. Nos noticiários sensacionalistas de rádio e TV é comum o predomínio dos delitos e alguns lhes são quase inteiramente dedicados, com nuanças deprimentes, como é a indisfarçável frustração do apresentador quando os fatos não resultam graves: o dramático dá audiência, o trivial não tem apelo.
É comum nesses noticiários a sensacionalização dos erros da polícia. Erros do nosso sistema policial, de fato, ocorrem com frequência, do âmbito tático (preparo profissional e equipamento) ao moral, quando não até criminoso, mas é ilógico seu vilipêndio sistemático. As balas perdidas são a priori atribuídas aos policiais (os bandidos atirariam com mais precisão, ou talvez porque eles não pagam indenizações, já o Estado está sujeito a pagá-las...). Simbólico desse ânimo coletivo: sepultamento de bandido é atendido por grande número de simpatizantes levados ao cemitério por transporte organizado - quem o paga...? -, já o de policial morto no confronto, apenas pela família e representação da corporação.
A democracia pressupõe a liberdade dentro da lei. Ou ocorre a contenção da metástase generalizada da desordem, violência e criminalidade ou, mais dia menos dia, a saturação da conformidade será atingida nos menos propensos à permissividade (que existem em grau variável em função de suas concepções sobre o certo e o errado, comumente ajustadas às conveniências de sua vida...) e com ela o aumento da sedução da aceitabilidade do componente autoritário do poder, como alternativa à esbórnia. Mais dia, menos dia, a licenciosidade acaba prejudicando a liberdade.
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A volta do bode preto da velha esquerda

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A volta do bode preto da velha esquerda
Arnaldo Jabor

O Globo - 31/08/2010
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Com tucanos em extinção, surge um país sem oposição.
Meu primeiro grande amor começou num aparelho do Partido Comunista Brasileiro em 1963, meses antes do golpe militar. Era um pequeno apartamento conjugado na Rua Djalma Ulrich em Copacabana, em cima de uma loja de discos.

No apartamento, havia um sofá-cama com a paina aparecendo por um buraco da mola, entre manchas indistintas marcas de amor ou de revolução? Na parede, um cartaz dos girassóis de Van Gogh e, numa tábua sobre tijolos, livros da Academia de Ciências da URSS. Um companheiro me emprestara a chave com olhar preocupado, sabendo que era para o amor e não para a política. Cuidado, hein, se o dirigente da base souber.... disse-me, vendo a gratidão em meus olhos.

Eu era virgem de sexo com namoradas, pois pouquíssimas moças davam, nessa época anterior à pílula; transar para elas era ainda um ato de coragem política. As moças iam para a cama pálidas de medo, para romper com a vida burguesa, correndo o risco da gravidez supremo pavor. Famintos de amor, usávamos até Marx para convencer as meninas.

Não. Aí eu não entro!, gemiam, empacadas na porta do apartamento. Nós usávamos argumentos que iam de Sartre e Simone até a revolução: Mas, meu bem... deixa de ser alienada...

A sexualidade é um ato de liberdade contra a direita... Tudo era ideológico em Ipanema até a praia tinha um gosto de transgressão política.

Éramos assim nos anos 60.

A Guerra Fria, Cuba, China, tudo dava a sensação de que a revolução estava próxima.

Revolução era uma varinha de condão, uma mudança radical em tudo, desde nossos pintinhos até a reorganização das relações de produção.

Não fazíamos diferença entre desejo e possibilidade. Eu era do Grupo Vertigem, como colegas radicais nos apelidaram. Nossa revolução era poética, Rimbaud com Guevara; era uma esperança de um tempo futuro em que a feia confusão da vida se harmonizaria numa perfeição política e estética. Para os mais obsessivos era uma tarefa a cumprir, uma disciplina infernal, um calvário de sacrifícios para atingir não sabíamos bem o quê. Tínhamos os fins, mas não tínhamos os meios.

E, como todos, tínhamos horror ao demônio do capital e da administração da realidade para a luta (coisa chata, sem utopia...). Por isso, a incompetência era arrepiante. Ninguém sabia administrar nada, mas essa mediocridade era compensada por bandeiras e frases bombásticas sobre justiça social, etc.... Nunca vi gente tão incompetente quanto a velha esquerda que agora quer voltar ao poder como em 63, de novo com a ajuda de um presidente. Assim como foi com Jango, agora precisam do Lula. São as mesmas besteiras de pessoas que ainda pensam como nos anos 60 e, pior, anos 40.

Revolução era uma mão na roda para justificar sua ignorância, pois essa ala da esquerda burra (a inteligente cresceu e mudou...) não precisava estudar nada profundamente, por serem a favor do bem e da justiça a boa consciência, último refúgio dos boçais. Era generosidade e era egoísmo. A desgraça dos pobres nos doía como um problema existencial nosso, embora a miséria fosse deles. Em nossa fome pela justiça, nem pensávamos nas dificuldades de qualquer revolução, as tais condições objetivas; não sabíamos nada, mas o desejo bastava. Como hoje, os idiotas continuam com as mesmas palavras, se bem que aprenderam a roubar e mentir como burgueses.

A democracia lhes repugnava, com suas fragilidades, sua lentidão. Era difícil fazer uma revolução? Deixávamos esses detalhes mixurucas para os militantes tarefeiros, que considerávamos inferiores, peões de Lenin ou (mais absurdo ainda) delegávamos o dever da revolução ao presidente da República, na melhor tradição de dependência ao Estado, como hoje.

Deu nos 20 anos de bode preto da ditadura.

Por que escrevo essas coisas antigas, estimado leitor? Porque muita gente que está ai, gritando slogans, não quer entender que a via mais revolucionária para o Brasil de hoje é justamente o que chamávamos de democracia burguesa, com boquinha de nojo. Muita gente sem idade e sem memória não sabe que o caminho para o crescimento e a justiça social é o progressivo aperfeiçoamento da democracia, minando aos poucos, com reformas, a tradição escrota de oligarquias patrimonialistas. Escrevo isso porque acho que a luta de hoje é entre a verdadeira esquerda que amadureceu e uma esquerda que quer continuar a bobagem, não por romantismo, mas porque o Lula abriu-lhes as portas para a lucrativa pelegagem. Vejo, assustado, que querem substituir o patrimonialismo burguês pelo sindicalista, claro que numa aliança de metas e métodos com o que há de pior na política deste pais. Vão partir para um controle soviético e gramsciano vulgar do Estado para ter salvo-condutos para suas roubalheiras num país sem oposição, entregue a inimigos da liberdade de opinião.

Escrevo isso enojado pela mentira vencendo com 80% de Ibope, apagando como da história brasileira o melhor governo que já tivemos de 94 a 2002, com o Plano Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a telefonia moderna de hoje, com o Proer que limpou os bancos e impediu a crise nos atingir, com privatizações essenciais que mentem ao povo que venderam nossos bens..., com a diminuição da pobreza em 35% e que abriu caminho para o progresso econômico de hoje que foi apropriado na mão grande por Lula e seus bolchevistas. Ladroeira pura, que o povo, anestesiado pelo Bolsa Família e pelas rebolations do Lula na TV, não entendem.

Também estou enojado com os vergonhosos tucanos apanhando na cara por oito anos sem reagir.

O governo Lula roubou FHC e o mais sério período do país, e seus amigos nunca o defenderam nem reagiram. São pássaros ridículos em extinção.

Tenho orgulho de que, há 40 anos, no apartamento conjugado do Partidão com minha namorada, eu gostava mais dos girassóis de Van Gogh do que dos livros de Plenkanov.

Por isso, para levar meu primeiro amor ao apartamento, usei uma cantada de esquerda: Nosso amor também é uma forma de luta contra o imperialismo norte-americano. E ela foi.
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Minha Casa Minha Vida

Uma radiografia de um amplo projeto feito por quem entende do assunto.
A questão da expectativa gerada nos cidadãos é o que mais preocupa.
Ainda bem que não temos a incursão dos ambientalistas, pois para se debelar a desigualdade, após condições mínimas de saúde e saneamento, uma casa própria com energia e saneamento de qualidade é o mínimo que nosso cidadão merece.
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.Tudo o que foi feito até aqui está equivocado, porque não atende o pobre'
Autor(es): Flávia Tavares
O Estado de S. Paulo - 30/08/2010

Lair Krähenbühl, secretário estadual de Habitação de São Paulo

ENTREVISTA

O secretário estadual de Habitação de São Paulo e presidente do Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano (FNSHDU), Lair Krähenbühl, critica duramente o Minha Casa Minha Vida e a falta de foco do programa nas famílias com renda de zero a três salários mínimos.
"Tudo que foi feito até aqui está equivocado, porque não atende ao pobre", diz ele.

Para Krähenbühl, ao anunciar que faria 1 milhão de casas, o governo criou uma expectativa irreal. "Quiseram criar uma expectativa, não sei se foi um equívoco ou medida eleitoreira, mas ela estava errada. Fizeram a festa da cumeeira, aquela em que se põe um ramo de arruda quando o telhado da casa fica pronto, antes de comprar o terreno." A seguir, os principais pontos da entrevista:

Qual é a principal crítica que o senhor faz ao programa?

Eles estão com o foco errado. Em primeiro lugar, o programa não atendia a áreas de risco. Mas saiu uma portaria na semana passada dando prioridade para essas áreas. Estão atrasados, porque já contrataram quase tudo. Outro ponto é que 60% dos imóveis são para famílias de 3 a 10 salários mínimos e 40% para de 0 a 3. É o inverso da lógica da demanda. Por fim, não ouviram Estados e municípios, que sabem onde as casas precisam ser construídas. As construtoras escolhiam os terrenos ou já tinham esses terrenos. O interesse atendido é o delas e não o da gestão pública.

A iniciativa privada não deveria ter sido envolvida no Minha Casa Minha Vida?

A lógica de atuar com a iniciativa privada está correta. Mas precisa ouvir o Estado e o município. No modelo atual, a CDHU não pode apresentar projetos. Só empresa privada pode apresentar. Minha proposta é que a CDHU e as Cohabs possam também. Mas o governo disse que a lógica era de fazer rápido, com as empresas, porque o Brasil precisava gerar empregos com urgência por causa da crise.

O programa foi anunciado como uma alternativa para as classes mais baixas.

Mas o anúncio criou uma demanda que não existia. Famílias fizeram filas para se inscrever, queriam casa para todo mundo, acharam que ia ser a salvação. O governo quis criar uma expectativa que não sei se foi equivocada ou eleitoreira, mas ela estava errada. Eles fizeram a festa da cumeeira, aquela em que se coloca um ramo de arruda quando o telhado da casa fica pronto, antes de comprar o terreno.

O senhor foi ouvido na elaboração do programa?

Antes de o Minha Casa Minha Vida ser anunciado, fomos a Brasília eu, o governador José Serra e o governador Aécio Neves para uma reunião com a ministra Dilma Rousseff, o ministro Paulo Bernardo, Jorge Hereda, da Caixa, e o ministro Márcio Fortes. Isso foi em fevereiro de 2009. Nessa reunião, o foco para famílias de zero a três salários era de 20% dos recursos, não de 40%. Eles foram corrigindo o programa à medida que fomos pautando.

Eles vão continuar fazendo esses ajustes?

Vão corrigir o rumo, porque como está é insustentável.
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Um grande paradoxo brasileiro

Um assunto de magnitude que não pode ser tratado com amadorismo, ideologia tampouco fisiologismo.
Para nos tornarmos competitivos em escala global nossos produtos e serviços precisam  ocupar profissionais com alto conhecimento agregado e não se adstringe apenas à formação de quarto e quinto graus. Estamos, fundamentalmente, deficientes na formação básica e técnica.
A sociedade tem que acompanhar e cobrar a melhoria deste lamentável cenário.


Um grande paradoxo brasileiro
Autor(es): Agencia o Globo/ Roberto Lent
O Globo - 27/08/2010

É patente para todos os obser vadores independentes que o Brasil conseguiu infletir fortemente para cima, nos últimos anos, a modesta curva de crescimento da Ciência e Tecnologia que caracterizou o século passado.

No entanto, não foi isso que ocorreu na Educação, área em que os indicadores estão estagnados ou sofreram modesta ascensão.

Esse grande paradoxo é simbolizado por dois indicadores internacionais: nosso país ocupa hoje o 13 lugar na produção de artigos científicos em todo o mundo, mas é o último no desempenho em Ciências de jovens de 15 anos.

O paradoxo é tão grave que pode pôr em risco a sustentabilidade do nosso crescimento científico.

Como mantê-lo sem multiplicar o número de cientistas? E como multiplicá-los em uma população de jovens que não compreende minimamente os temas científicos? Como manter e o aporte financeiro à Ciência e Tecnologia no futuro, se a sociedade não compreender o valor que a Ciência tem para o seu bem-estar e o seu progresso? Em qualquer atividade gestora, é preciso priorizar e adotar medidas estruturantes e potencializadoras.

Duas delas me parecem essenciais neste caso: a dedicação exclusiva do professor de ensino básico à sua escola, e o turno único para os alunos.

Como conseguir essa façanha? Primeiro, precisamos estar convencidos de que são esses os dois eixos fundamentais porque repousam no fator humano, e não em laptops, salas de aula, livros e outros elementos materiais, importantíssimos, mas comparativamente fáceis de conseguir.

A façanha é exequível em uma década por que então não eleger esta que começa como a Década da Educação e da Ciência? A dedicação exclusiva do professor à sua escola não depende apenas de legislação: depende de salário. E, por razões financeiras, não há como garantir um salário competitivo por meio dos municípios brasileiros, convençamo-nos disso! A proposta então é que o governo federal assuma essa tarefa: federalização da categoria dos professores do ensino básico, com o objetivo de elevar o seu salário aos níveis de um professor assistente das universidades públicas.

O turno único para os alunos, por outro lado, depende da duplicação da capacidade física da rede escolar em todo o país, combinando o aumento do número de escolas com a ampliação das existentes.

É razoável supor que a federalização dos salários desoneraria as finanças municipais em grande medida, e permitiria que os 20% previstos em lei fossem destinados à ampliação física da rede escolar.

Se esses dois eixos estruturantes forem adotados pelos nossos candidatos à Presidência da República, e aceitos pela sociedade, será fácil eleger o período 2011-2020 como a Década da Educação e da Ciência, e inaugurar um ciclo ideológico forte para a mobilização social, com um Esforço Nacional pela Educação e a Ciência.

A esses dois eixos se somariam todos os pequenos e valiosos programas e iniciativas que muitas instituições e pessoas realizam pelo Brasil afora com financiamento público e privado, tais como atividades de aprimoramento curricular, acesso à internet nas escolas, divulgação científica, bolsas para projetos docentes, e a infinidade de propostas que, cada dia mais, afloram à superfície.

Estamos em um momento histórico virtuoso, e precisamos mantê-lo.

Essa década é nossa: a década da Educação e da Ciência. E a obrigação é de todos nós: um esforço nacional pela Educação e a Ciência.

ROBERTO LENT é diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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"Minhas memórias, antes que as esqueça."

De um grande amigo, piloto, claro!!
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O tempo em que voávamos... contos cômicos. Faço, porém, uma advertência: são textos que nada têm de sério, puro "nonsense" e que devem ser lidos levando-se em conta a imensa capacidade que temos de rir de nós mesmos."



"Minhas memórias, antes que as esqueça." 

O passageiro, pessoa de contrastes -

O passageiro é sempre passageiro.  Por mais que viaje e por mais horas de vôo que acumule, o passageiro nunca será fixo, será sempre passageiro.  Anualmente, milhares deles vão à Disney levando seus filhos; sacoleiras entopem os vôos para N. York; aristocratas falidos vão à Los Angeles acreditando que a cidade ainda detém o antigo glamour; remediados apinham as listas de espera dos vôos para a Europa, sem falar nos descendentes, que vão ao Oriente torrar o saco dos ancestrais, que não têm como negar-lhes morada na busca por novas oportunidades. Juntos formam uma massa interessante, porém pastosa e sem rosto , à qual as empresas aéreas denominam "usuários". 




Os usuários querem entrar no avião todos ao mesmo tempo. Esbarram o ombro no batente da porta e olham feio para o outro que entrou ao mesmo tempo e esbarrou o outro ombro no outro batente. Brigam pela janelinha, mesmo quando o vôo é noturno e não dá pra ver nada. Quando a conseguem, passam a noite inteira levantando para ir ao banheiro, incomodando o outro usuário que também está com o ombro doído. Fazem barulho, bagunça, desfolham jornais, roubam talheres, copos, xícaras, travesseiros, mantas, fones de ouvido; assemelham-se a uma nuvem de gafanhotos praticando um saque a que chamam "souvenir". Levam revistas de palavras cruzadas que jamais serão resolvidas e acham-se super m alandros sentindo roçar na barriga o incômodo saco plástico que esconde os "travellers-cheques".  Transformam os banheiros num lodaçal, num Everglades de mijo. Sentem-se uns aventureiros, uns Indiana Jones ao contrário, já que estão viajando de um país de terceiro mundo para lugares um pouquinho mais civilizados. Querem abraçar o Mickey e apertar a mão do Pateta; querem arrancar uma lasquinha de tinta da Estátua da Liberdade; querem pisar nas estrelas da Calçada da Fama.  Torcem para que neve em pleno verão e alugarão carros dos quais falarão pelos próximos dez anos. Tiram centenas de fotos horríveis, mostrando sempre os mesmos sorrisos sem graça e sempre com as pessoas portando sacolas de compras. Os que já foram mais de uma vez fazem questão de explicitar isso logo no primeiro momento da conversa: "da última vez que estivemos em Paris...". O "última vez" é dito em itálico e negrito, deixando claro que ele já esteve lá outras vezes. Já o de primeira viagem compara o avião ao ônibus no qual fez a excursão a Foz do Iguaçu. E se acha criativo fazendo a inevitável comparação dos solavancos do avião aos buracos da estrada.




Pedem  para conhecer a cabine de comando e lá chegando podem ser divididos em dois grupos: o dos experts e o dos babões. O expert, por ser expert, já entra na cabine de dedo em riste, apontando com concreta certeza "ali é o radar, não é?". O babão entra quieto, compenetrado, olha tudo com muita atenção e por último o painel do teto.  Por estar olhando para cima fica com a boca semi-aberta. E dispara, engolindo a saliva: < span>"poxa, quanto botão, como é que vocês decoram tudo isso?".




O passageiro-padrão sempre quer a comida que não tem mais, e acha um absurdo o avião não estar equipado para atender a todos os seus desejos gastronômicos, sejam quais forem.  Certa vez um pediu pizza. De calabresa, com bastante cebola.Confidenciando-lhe no ouvido que a máquina que espremia os tomates para o molho havia quebrado. Embarcando em Seul ele quer jornal de Porto Velho. De hoje. E não adianta explicar que o Brasil está doze horas atrás do fuso da Coréia, fato incontornável, que faz o jornal ser sempre de ontem, nunca de hoje. Mas aí ele não quer mais, afinal, é um homem à frente do seu tempo. E tudo isso sem falar naqueles que voltam com dificuldades para entender o português. Compreende-se, afinal passaram longos sete dias em Miami.




E com todo esse tumulto e confusão foi preciso que as empresas encontrassem um profissional capaz de botar ordem naquela Babel de asas. Alguém capaz de controlar a massa, uma espécie de PM sem cassetete e que fosse, ainda, o responsável pela segurança. Era preciso alguém otimista, corajoso e trouxa o suficiente para topar a parada. 




E assim, surgiu o comissário.




O Comissário, pessoa de contrastes -



O comissário é antes de tudo um forte. Um forte candidato a se fuder. Otimista por natureza é o único que acredita poder sair vivo de um acidente numa cangalha que anda a mais de 900 km por hora e que leva toneladas de combustível bem embaixo do seu assento. É um eclético: atura gente arrogante na primeira classe, atura gente chata na classe executiva, e na classe econômica atura gente que ainda não definiu se vai ser chata ou arrogante. Tem curso de sobrevivência na selva, no mar, no gelo e no deserto, mas nunca lhe ensinaram sobreviver com o ridículo salário que lhe pagam. Sabe fazer parto e controlar chilique. Sabe dar extrema-unção aos católicos, fazer servir a refeição kosher do rabino e conhece trechos do Alcorão para atender os muçulmanos. Tem curso de primeiros e de últimos socorros, conhece psicologia aplicada, e se nada disso der certo, sabe como tirar todo mundo de dentro do avião em 90 segundos, sendo o último a sair.  Dá nó em pingo d´água e quando o serviço de bordo não é suficiente para todo mundo, opera o milagre da multiplicação. É capaz de dar o mesmo copo de suco para duas pessoas ao mesmo tempo, sem que elas percebam. É um mágico, um ilusionista, cujas mãos possuem uma agilidade de fazer inveja a qualquer profissional do baralho. E é formado em ocultismo, sabendo ocultar frangos, queijos e garrafas pet na mala. 




No início do vôo o comissário se apresenta ao comandante, que está de saco cheio, com cara mal dormida e o nó da gravata torto. Juntos vão para o avião, aquele belo exemplar de um mais pesado do que o ar, com mais de vinte anos de uso. O livro de panes é mais grosso que a Enciclopédia Russa, várias delas em "acr", o que significa que não tem peça de reposição. A manutenção é de terceiro mundo e as pessoas envolvidas na operação também. O comissário checa tudo e recepciona os passageiros com um sorriso largo e uma mentira estreita sobre o atraso. Fecha a porta de travamento visivelmente duvidoso, senta em seu banco, ajusta o seu cinto e dá um sorriso para a velhinha sentada bem na sua frente. Apaga a luz, mantendo a cabine escura como a dúvida. Concentra-se para a decolagem e acha que vai chegar inteiro ao destino. Vai ser otimista assim na puta que pariu!


Além dele, há a comissária, a versão feminina da coisa.





A Comissária, pessoa de contrastes - 



A comissária começa na carreira com um carro zero, dado pelo pai.  Ele não queria que ela interrompesse a faculdade e adiasse o casamento, mas no fundo está feliz por ver a menina, aquela criadora de caso, ir encher o saco dos outros. Os outros também estão felizes por conhecer a menina, e todos se mostram muito mais interessantes que o noivo, que começou a dançar no momento em que ela colocou os pés no avião. Na relação tentativa-erro, ela acha que toda tentativa é um acerto, já que os novos colegas estão sempre dispostos a ensinar. Ela não se dá conta daquele monte de gente vivida dançando em torno dela igual índio dançando em volta da fogueira.



A comissária tem o mesmo treinamento e sabe fazer as mesmas coisas que o comissário faz. Mas, por ser mulher, é menos otimista e, portanto, mais realista. A bordo, ela é soberana, insuperável e insubstituível, e com um simples sorriso é capaz de servir não dois, mas três copos de suco ao mesmo tempo, sendo que o terceiro usuário , cheio de esperanças pelo sorriso, vai virar o copo na boca sem perceber que ele está vazio. É ela que trabalha na linha de frente, dando o primeiro combate à massa e por isso é, ao mesmo tempo, flecha e arco. Em pouquíssimo tempo estará dançando em volta de todo mundo como índio dança em volta da fogueira. Ela decola ao lado do comissário e mesmo na escuridão é capaz de perceber, perguntando enquanto mantém o sorriso para não chamar atenção: "fechou essa porta direito? Parece que está meio aberta". Ambos, comissário e comissária, formam um time poderoso e, às vezes, assediam a massa, fazendo cara séria e voz compenetrada para oferecer as carnes disponíveis na refeição:

 "a senhora é vaca ou galinha?"




Mas é ela, a comissária, quem sempre prevalece. É ela que alimenta os mais inconfessáveis sonhos de todos, principalmente do usuário. Pode não ser bonita, nem gostosa. Mas dentro daquele uniforme transforma-se numa espécie de fada alcançável, um mito capaz de enlouquecer os menos avisados. 




E, dentre os mais desavisados, está o co-piloto.





O Co-Piloto, pessoa de contrastes -




Existem dois tipos básicos de co-piloto: o "xodó" e o "oriundo". O "xodó" é o xodó da mãe, senhora que transpira vaidade por todos os poros e que está sempre avisando que o filho "chegou lá, mas ainda vai mais longe".  Ele é um rapaz altivo, que pensa ter cultura e inteligência acima da média. E se acha bonitão! É o centro das atenções nas festas de família. Claro, não é toda família que tem um pimpolho capaz de que decolar aqueles enormes aviões. Não mesmo! Só aquelas com grana suficiente pra bancar o aero-clube, onde o coitado vai ralar durante seis longos meses para tirar o brevet. O outro tipo é o "oriundo". Ele é oriundo da FAB, onde cursou a academia e na hora de servir à pátria descobriu que a aviação comercial é mais compensadora. Aí, ele dá baixa e vai ser civil, tirando  a vaga de um pimpolho, cuja mãe vai ficar uma fera.




Normalmente, o co-piloto xodó é mais arrogante e liberal, enquanto o oriundo é mais humilde e "caxias". Seja como for, ambos descobrirão rapidamente que só têm direito a escolha comportamental aquele que está por cima. E é por isso que o passatempo de ambos é falar mal do comandante. Adoram contar sobre o dia em que o comandante pisou na bola e - não fosse ele, herói de plantão - as coisas iam ficar pretas. Mas, claro, só contarão para as pessoas de confiança, porque amanhã vai ter outro vôo, com um comandante amigo daquele outro, e os quinze minutos de glória poderão se transformar em meses de pesadelo.




Por se achar bonitão, inteligente e culto, o co-piloto acha também que pode conquistar a comissária. Acha que a concorrência do comissário que senta junto dela é desleal, e que a concorrência exercida pelo comandante é sacana, já que ele usa o posto pra dar em cima da moça. Mas sabe que um dia será comandante e então tudo será diferente. Cada um será colocado no seu devido lugarzinho e nascerá uma nova era de justiça e paz social no relacionamento. Enquanto isso não acontece, ele acha que todo mundo é babaca. 




Principalmente o comandante.





O Comandante, pessoa de contrastes -



Todo comandante já foi co-piloto e por isso mesmo acha que todo co-piloto é babaca. Quando foi promovido passou a sofrer a chamada "solidão de comando", fato difícil de contornar porque ele, apesar de estar cercado por vários tripulantes, cada um deles especialista numa coisa, quer ser especialista em tudo. Afinal, é ele quem tem que comandar e a solidão de comando faz com que se sinta um Charles Lindemberg cercado de gente por todos os lados.



O comandante é o representante direto do patrão que, no entanto, não lhe dá autonomia de representação. O patrão prefere nomear uma chefia, a quem dá autonomia, que deveria representá-lo e a quem o comandante deveria representar. Mas na opinião do comandante, toda chefia é incompetente. E não querendo representar incompetentes, ele acaba representando apenas a si mesmo, o que aumenta a solidão de comando. Isto faz azedar o relacionamento com os demais tripulantes, principalmente com o seu colega mais próximo, o co-piloto. Já tendo sido co-piloto, o comandante sabe que este o acha um babaca e, por isso, o comandante o acha um babaca.



Um dia, de saco cheio por ter que voar um avião velho num país de terceiro mundo, e tendo que conviver com a solidão de comando, o comandante conhece uma comissária. Ela parece especialista em compreender tudo, um mito capaz de fazê-lo virar o copo vazio na boca e com cancha suficiente para amenizar a solidão de comando.



Tudo estaria resolvido, se não fosse aquele co-piloto babaca que também está dando em cima da moça. E pior, tem aquele comissário, com seu maldito otimismo, que senta junto dela na decolagem e tenta conquistá-la, mentindo que a porta está fechada...


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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Política, economia e credibilidade

Postei este antido artigo em função de sua atualidade.
A credibilidade é uma moeda cara aos governantes.
Além de bem escrito o texto convida a uma importante reflexão.
Vale a pena a leitura.

Sandra Cavalcanti
Nós, seres humanos racionais, vivemos de acreditar! Crédito é a palavra-chave de todas as nossas formas de convivência. Todo o processo de educação da criatura humana se desenvolve no terreno da credibilidade. Mesmo quando ainda não adquirimos a capacidade de raciocinar, nós somos movidos pela capacidade de acreditar.

A criança acredita naquele rosto lindo que se debruça sobre ela a cada instante, desde que ela chega ao mundo, trazendo-lhe conforto, segurança, carinho, alimento e, de forma quase imperceptível, muitas informações. Vai crescendo e vai acreditando... Depois acredita na professora, acredita nos livros, acredita nas histórias que lhe vão sendo contadas. Na verdade, todos nós passamos a vida acreditando.

O pior que pode acontecer ao ser humano é a perda da capacidade de acreditar no outro ou a incapacidade de ser objeto da credibilidade desse outro.

O crédito está associado, indissoluvelmente, ao exercício da veracidade. O que mata o crédito é a falsidade, a mentira, a ganância, a esperteza . Sempre que, nas suas mais diferentes atividades, a criatura humana se afasta deste comportamento, as conseqüências são impiedosas.

Faz tempo que aqui, no Brasil, a atividade política se vem distanciando dos valores éticos. Faz tempo que, para legisladores e executivos públicos, o que importa é chegar ao poder, sem nenhuma vinculação com fundamentos morais. Ninguém precisa acreditar na palavra de ninguém. Nem o candidato nem o eleitor. Se as palavras vierem bem formuladas, espertas, manipuladas, cheias de slogans persuasivos, carregadas de promessas coloridas e até perfumadas, elas conseguem ludibriar os incautos e alcançam seus objetivos.

Estamos quase chegando ao fim de tediosa e longa temporada de campanha municipal, que obedece ao figurino perverso do voto proporcional, imposto ao eleitorado brasileiro. Além dos conchavos, dos arranjos, das alianças espúrias e sem sentido, tivemos de suportar os programas de rádio e de TV, definidos como propaganda eleitoral (supostamente) gratuita.

Foi um doloroso espetáculo de malandragem, ausência total de senso de ridículo, completa ignorância sobre os limites e as atribuições legais da administração municipal, acrescidos de amplo desconhecimento dos seus verdadeiros problemas. Prefiro não fazer comentários sobre o exotismo e a palhaçada dos nomes e apelidos dos concorrentes, alguns deles verdadeiramente dignos de platéias de circo.

Houve honrosas exceções. Alguns candidatos evidenciaram, de forma clara, que suas declarações sobre o respeito e a dedicação ao bem comum não eram simples palavrório. Eles revelaram grande valor e atuação muito digna na vida pública. Por isso mesmo, foram premiados com excelentes resultados, tanto para prefeituras quanto para Câmaras Municipais.

Mas no geral, infelizmente e quase o tempo todo, as programações mostraram que, para os candidatos ao exercício de mandatos, a credibilidade importava muito pouco! Ela foi lançada às favas. A maioria só estava em busca de popularidade!

Esse é o grande drama de nossa vida política. A busca de popularidade! A confusão perigosa entre popularidade e credibilidade.

O líder político que busca ter crédito real junto ao povo, que se baseia na capacidade de falar a verdade, esse tipo de líder foi substituído pelos que são capazes de oferecer avassaladoras promessas, tentadoras e irrealizáveis.

Lamentavelmente, porém, o êxito deles decorre de uma dura realidade. As promessas que fazem encontram eco e terreno fértil nos sentimentos de ganância e esperteza de boa parte do eleitorado.

Todo mundo sabe que ninguém cai em conto-do-vigário por inocência... Todos nós conhecemos muitos desses episódios. A esperteza do malandro só dá certo porque conta com a ganância do otário...

Temos um exemplo dramático no terremoto bancário que está abalando a economia americana, a mais poderosa do mundo. A explicação é dramática: deram-se mal os gananciosos de ambos os lados. Vendedores e clientes.

Este catastrófico episódio nos convida, desde já, a uma reflexão sobre o que está acontecendo nestes dias, pelo mundo afora. E, também, a uma tomada de posição firme, para fazer frente às dificuldades que, certamente, chegarão até nós.

Só espíritos acanhados e muito despreparados podem supor que nós vamos passar por esta tormenta sem sofrimentos e sustos. Os tempos serão difíceis.

Os prefeitos que acabam de se eleger, e os que ainda vão disputar o segundo turno, devem se preparar, com competência e decisão, para governar seus municípios com veracidade, com correção, sem mentiras e sem falsas promessas.

A mentira tem perna curta. Mente na segunda-feira e derrapa na quarta. A promessa falsa acarreta prejuízos. Promete na terça e paga o pato na quinta. A ganância gera a miséria. Ganha muito dinheiro na quarta e na sexta está falido.

O crédito, tanto em política quanto em economia, exige o exercício da verdade. Popularidade é uma coisa. Credibilidade é outra. O falso líder é como biruta de aeroporto. Dá uma informação aqui, outra ali. Muda de opinião ao sabor dos ventos. Não merece crédito.

Infelizmente, o sistema eleitoral adotado por nós favorece o aparecimento desses farsantes, sem objetivos programáticos, em sua maioria, e especializados em ocupar máquinas administrativas. Não são líderes de verdade. São chefes populistas. Não buscam crédito. Querem popularidade...

Enquanto, pois, aqui, no Brasil, a popularidade continuar sendo muito mais importante do que a credibilidade, teremos de agüentar as incompetências, as travessuras financeiras, as iniciativas alopradas, os shows dos chefes altamente populares e a docilidade das manadas!

Alguma luz no fim do túnel? Não sei. Tenho medo. 

É capaz de ser um trem na contramão... 


Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco E-mail: sandra_c@ig.com.br

Hermenêutica ideológica

Amigos, um professor de filosofia que era eleitor do PT na primeira disputa continua iluminando uma sequência de problemas estruturais, jurídicos e culturais ao longo dos últimos três anos, que eu tenha acompanhado.

Ressalto que neste caso particular, a densidade jurídica do tema que ele comenta impede um entendimento mais flúido dos demais cidadãos que não tem neste tipo de matéria, sua preocupação de dia a dia, contudo, ressalta ele um tipo de penetração, dominação e totalitarismo perigoso por parte de agências cuja finalidade precípua é a de defender o patrimônio e o interesse da sociedade brasileira e é o que não se verifica neste imbróglio jurídico.

Em outras palavras, o uso da hermenêutica, no caso em questão, faz-nos entender que as propostas apresentadas nos instrumentos jurídicos são progressistas e defendendo o nosso interesse, contudo, uma leitura mais atenta revela não ser este o caso.

Ademais entendo nesta reportagem, um tipo de "by pass" dos caminhos jurídicos que, se mantidos, manteriam nossa segurança institucional e, no caso específico, não comprometeria nossa soberania.

Vale a pena ler.

Hermenêutica ideológica

Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S.Paulo
Já está em vigor, aprovado pelo presidente da República, um novo parecer, elaborado pela Consultoria-Geral da União, alterando parecer da Advocacia-Geral da União vigente desde 1997. Este equipara empresas brasileiras de capital nacional a empresas brasileiras de capital estrangeiro, em plena conformidade com a Constituição. Ora, de repente, surge um novo parecer que diferencia os dois tipos de empresas, criando uma situação de insegurança jurídica, que altera o planejamento mesmo das empresas atingidas e os investimentos produtivos no País.

Cabe ressaltar que se tratava de uma questão juridicamente pacificada, segundo todo um ordenamento constitucional e legal. Uma alteração de tal monta, se necessária, deveria ser feita por projeto de lei ou, se fosse o caso, por emenda constitucional. No momento em que se adota a forma de um novo parecer, que não é fruto de uma necessidade jurídica, mas política, surge inevitavelmente a questão de sua procedência e justificação.

Se a necessidade fosse jurídica, ela teria nascido da exigência, por exemplo, de regulamentar uma nova lei, o que não é manifestamente o caso. Trata-se, então, de uma necessidade propriamente política, como é dito claramente na justificativa do mesmo parecer, publicado no Diário Oficial da União em 23/8. A forma de operação jurídica é a de ressignificação da expressão "empresa nacional", como se coubesse a um parecer simplesmente atribuir nova significação para que houvesse uma modificação da situação legal.
Note-se que esse tipo de procedimento hermenêutico é o mesmo utilizado em outros atos do governo, quando, por exemplo, um quilombo perde sua significação, vigente quando da Constituição de 1988, sendo ressemantizado para significar uma identidade "cultural", "étnica", aplicável a um terreiro de umbanda ou candomblé. Ocorre uma espécie de captura política da Constituição e da legislação vigente.

A nova hermenêutica é justificada a partir de um novo contexto socioeconômico, que é, na verdade, o do Incra e dos ditos movimentos sociais, que atuam como verdadeiras organizações políticas. Quem for buscar no parecer uma defesa da soberania nacional ficará frustrado, pois, por exemplo, nada é dito a propósito da compra de terras por empresas estrangeiras que agem a mando de governos estrangeiros, que se apropriariam, indiretamente, de uma parte do território nacional.
O problema surge de outra maneira. As questões estratégicas são de outra ordem. Vejamos os pontos listados.

Primeiramente, a investida contra as empresas brasileiras de capital estrangeiro se deveria a que, com elas, ocorreria uma "expansão da fronteira agrícola com o avanço do cultivo em áreas de proteção ambiental e em unidades de conservação". Ora, trata-se de um problema em que há toda uma legislação vigente que se aplica à conservação do meio ambiente, e que diz respeito tanto a empresas de capital nacional quanto estrangeiro, além de se aplicar aos problemas de sobreposição de áreas indígenas e quilombolas a áreas de preservação ambiental.


Segundo, essa investida teria acarretado uma "valorização excessiva do preço da terra e incidência da especulação imobiliária gerando o aumento do custo do processo (de) desapropriação voltada para a reforma agrária, bem como a redução do estoque de terras disponíveis para esse fim". Aqui reside uma das razões principais dessa ressignificação política. Ela teria sido elaborada a partir de uma injunção do Incra e, logo, dos ditos movimentos sociais, que procuram erigir-se em "defensores do nacionalismo", o que certamente não convém a movimentos que recebem recursos de fora e agem em consonância com ONGs e governos internacionais, o que é para lá de evidente nas questões ambientais, indígenas e quilombolas.

O próprio Conselho Nacional de Justiça questionou recentemente o Incra a propósito de um amplo estoque de terras já existente que não estaria sendo aplicado adequadamente na reforma agrária. Não há, portanto, um problema de estoque de terras, mas sim de o que fazer com ele, vista a falência do projeto atual de reforma agrária. Observe-se que os assentamentos do MST já se alçam à estratosférica cifra de 84 milhões de hectares, com produtividade pífia, vivendo os seus membros de ajuda governamental via Bolsa-Família e cesta básica. O que a empresa do agronegócio, de capital nacional ou estrangeiro, tem que ver com isso?

Terceiro, duas justificativas oferecidas, a do "crescimento da venda ilegal de terras públicas" e a do "aumento da grilagem de terras", dizem respeito à inoperância de cartórios e registros de imóveis confiáveis nas regiões atingidas, o que exigiria, como está sendo feito, particular atenção do poder público, quanto mais não seja, pelo respeito à lei.

Quarto, outra razão apresentada é a do "incremento dos números referentes à biopirataria da Região Amazônica". O que teriam que ver com isso empresas nacionais de capital estrangeiro, como as de florestas plantadas, papel e celulose, soja, cana-de-açúcar e etanol? Absolutamente nada, o que mostra o caráter inócuo de mais uma das justificativas apresentadas. O problema é bem outro, o da regulamentação das ONGs internacionais que atuam na Amazônia, com o apoio dos ditos movimentos sociais. A biopirataria é um problema sério que deveria ser objeto de ação específica de controle das ONGs. Na Amazônia atuam 100 mil. A cifra é bem essa!

Por último, o parecer refere-se à "aquisição de terras em faixa de fronteira pondo em risco a segurança nacional". Esse item é francamente redundante, pois já existe uma rigorosa legislação a esse respeito, que funciona adequadamente. O grande problema das faixas de fronteira reside na criação de um embrião de "nações indígenas" em toda a faixa norte do País, numa linha quase completamente contínua de nossos limites territoriais com as nações vizinhas. Eis outra questão que não está sendo enfrentada.
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA

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Cadê o saneamento?

O tema abaixo ressalta por outras vias, uma vez mais, que somente carisma e aprovação recorde de gestão não solucionam problemas essenciais e estratégicos. O fato é que após oito anos de gestão, tendo quase que a totalidade das instituições na mão, este tipo de "herança maldita" será repassada para o próximo governante.

Os questionamentos básicos sobre o tema: Como é que alguém que não tem condições mínimas de cidadania e de inclusão social e econômica aprova, de fato, uma gestão como esta que lhe deixa à margem da sociedade? 

Segunda pergunta: Observando-se o ônus mensurado em nossa economia formal, como é que conseguiríamos atingir a posição de quinta economia em 2016?

É um tema maiúsculo que a sociedade precisa se engajar em governança social.
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.Cadê o saneamento?
Autor(es): Agencia o Globo/Newton Lima Azevedo
O Globo - 30/08/2010


Uma pesquisa do Unicef e da Organização Mundial da Saúde atestou um quadro lamentável.

O Brasil é o único país das Américas a figurar na lista das 10 nações com o maior número de habitantes sem banheiro, ocupando o 9º lugar com 13 milhões de pessoas sem instalações sanitárias domiciliares, à frente da Nigéria, com 12 milhões. O cenário é ainda mais agravante. Segundo dados recentes da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, do IBGE, 2.495 municípios não contavam com serviço de rede coletora de esgoto até 2008.

Um levantamento do Instituto Trata Brasil, realizado com a Fundação Getúlio Vargas, analisou os impactos deste cenário na economia e na saúde. Em 2009, dos 462 mil pacientes internados por infecções gastrintestinais, 2.101 morreram. Se tivéssemos acesso universal ao saneamento, haveria uma redução de 25% no número de internações e 65% na mortalidade; ou seja, 1.277 vidas seriam salvas.

O retardo em tratar adequadamente a questão também traz perdas econômicas.

Anualmente, cerca de 217 mil trabalhadores se afastam de suas atividades devido a problemas gastrintestinais ligados à falta de saneamento. Isto significa, segundo o Trata Brasil e a FGV, que as empresas gastam R$ 547 milhões em remunerações referentes às horas não trabalhadas. A universalização reduziria em R$ 309 milhões os gastos com afastamentos de trabalhadores.

O estudo revela ainda que o acesso à rede de esgoto aumenta em até 18% o valor dos imóveis, podendo alcançar R$ 74 bilhões.

Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), serão necessários R$ 270 bilhões para o Brasil atingir a universalização do saneamento básico. Ao todo, somente 50,6% da população urbana brasileira é atendida por rede de esgoto, sendo que apenas 34,6% do volume coletado recebem tratamento em estações existentes em parcos 28,5% dos municípios.

A Lei de Saneamento Básico (lei 11.445/2007) dá ao país as linhas mestras para enfrentar parte dos problemas nessa área. A partir delas, há a possibilidade de aumentar o número de domicílios atendidos por tratamento de esgoto e, ao mesmo tempo, reduzir ou eliminar o lançamento de dejetos em rios e mananciais.

Apesar do progresso a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, a universalização dos serviços não será possível sem um maior engajamento das prefeituras. Os avanços ocorreram nas cidades que optaram por novos modelos de gestão em parceria com as empresas privadas. Recursos, capacitação da engenharia brasileira e leis bem feitas para se atingir a universalização existem. Num país que corre o risco de crescer acima dos 6% neste ano, não cabem mais debates alongados nem tampouco espera. O momento pede ação.

NEWTON LIMA AZEVEDO é vice-presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
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