Prerrogativa do Congresso. Lembro de Lula declarar que o Senado já havia amadurecido o suficiente para autorizar o ingresso da Venezuela no Mercosul.
Bem, tratar esse tipo de assunto com ideologia dá nisso.
Empresas brasileiras poderão pagar caro por haver acreditado no presidente Hugo Chávez e, mais que isso, por ter levado a sério o entusiasmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao companheiro bolivariano, grande arauto do socialismo do século 21. A Braskem já sabe onde se meteu e retirou 25 das 30 pessoas que mantinha na Venezuela para tocar dois projetos no valor de US$ 3,5 bilhões. O investimento seria realizado em associação com a estatal Pequiven, mas o governo venezuelano descumpriu sua parte, segundo uma fonte conhecedora do assunto, citada por nossa enviada a Caracas, Patricia Campos Mello. Companhias exportadoras descobriram bem mais cedo o risco enorme dos negócios com o mercado venezuelano. Já ocorreram muitos atrasos de pagamento e o perigo do calote é considerável, porque os importadores dependem de um sistema de câmbio sujeito a controle oficial e a decisões arbitrárias.
Empresas brasileiras ficariam livres do risco de estatização, segundo prometeu o presidente Hugo Chávez a seu amigo Lula. A promessa foi feita logo depois da desapropriação de uma indústria de capital argentino. E foi recebida sem sinal de indignação pela presidente Cristina Kirchner. Ela e seu marido também têm sido aliados muito próximos do chefão bolivariano. Mas parte do empresariado argentino teve uma reação à altura do ultraje e acusou seu governo de usar a parceria com Chávez para se vingar de desafetos. Agora é a vez de brasileiros perderem o sono por causa da ameaça de desapropriação.
Uma nova lei permitirá ao governo venezuelano confiscar equipamentos e apropriar-se de obras públicas paralisadas ou atrasadas. O projeto foi aprovado pela Assembleia Nacional em primeiro turno e deverá ser aprovado também no segundo, porque o Legislativo é controlado pelo governo.
"Se for aprovada, a lei poderá ser um enorme problema para empreiteiras brasileiras", disse o diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Venezuela, Fernando Portela. Empreiteiras brasileiras, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, estão envolvidas em grandes empreendimentos na Venezuela e sujeitas, portanto, às variações de humor de um chefão autoritário.
Mesmo agora, a única segurança dessas empresas é a proximidade entre os presidentes Chávez e Lula. Mas o mandachuva bolivariano poderá investir contra empresas brasileiras, a qualquer momento, quando julgar necessário para manter a ascendência sobre uma população cada vez mais sacrificada pela inflação, pela escassez de comida, pelos apagões e por uma prolongada crise econômica. Neste ano, só dois países da América Latina e do Caribe devem permanecer em recessão. Um deles é o Haiti, muito pobre e ainda sob os efeitos de um devastador terremoto. O outro é a Venezuela, nação rica em petróleo e com grande potencial de desenvolvimento, mas devastada por um governo irresponsável.
No ano passado o PIB venezuelano diminuiu 3,3% e a inflação ficou pouco acima de 25%. Os preços continuam subindo aceleradamente e a economia encolhe. O governo desviou os petrodólares ganhos em tempos de prosperidade para armar o país, transferir renda sem criar empregos produtivos e distribuir favores a aliados estrangeiros.
Nesse jogo, negligenciou a produção de petróleo e destruiu boa parte da economia. Foi preciso aumentar a importação de alimentos, mas nem o produto importado chega aos consumidores. Neste ano, milhares de toneladas de comida - algumas estimativas indicam 130 mil - apodreceram em contêineres.
Enquanto o país afunda, Chávez continua tentando criar inimigos externos. Ao mesmo tempo, recorre a truques macabros, como a exumação e a exibição dos ossos de Simón Bolívar, numa tentativa, talvez, de vincular sua morte - possivelmente por envenenamento - a uma conspiração da oligarquia colombiana do século 19.
Se o país de Chávez se tornar sócio pleno do Mercosul, como deseja o amigão Lula, o chefão bolivariano poderá ampliar o alcance de sua ação desagregadora. Mas alguns empresários brasileiros - poucos, é verdade - também apoiam essa insensatez. Talvez os novos desmandos cometidos na Venezuela possam mostrar-lhes o tamanho desse erro.
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