As telecomunicações são patrimônio da sociedade, assim determinados contratos deveriam passar por consulta ou por avaliação do Congresso, representante legal dos cidadãos.
'Diplomacia econômica' desata velhos nós na Europa e no Brasil
Autor(es): Talita Moreira, de Barcelona
Valor Econômico - 29/07/2010
Ao mobilizar os chefes de governo de três países, a megaoperação envolvendo Telefónica, Portugal Telecom, Vivo e Oi dá uma ideia da dimensão que o negócio terá no setor de telecomunicações da América Latina e da Europa.
Os acordos anunciados ontem movimentam peças importantes no tabuleiro em que se disputa a hegemonia de mercados estratégicos. O arranjo construído ao longo dos últimos meses desata nós antigos e, ao menos neste momento, aparenta ser vantajoso para todas as partes.
A Telefónica consegue, enfim, fortalecer seus negócios no Brasil com a alentada integração de seus serviços de telefonia fixa e móvel. A operadora também aumenta de tamanho: considerando dados de 2009, somaria aproximadamente mais 3 bilhões à sua receita anual com a consolidação da totalidade da Vivo, que até agora era feita de maneira proporcional aos 50% que detinha no bloco de controle. Isso sem contar as sinergias de 2,8 bilhões que o grupo espanhol informou que terá ao unificar suas operações brasileiras. Não é pouco dinheiro, principalmente num contexto de crise na Espanha.
"Estamos muito satisfeitos de haver alcançado este acordo com a Portugal Telecom, que beneficia os acionistas das duas companhias", afirmou o presidente da Telefónica, Cesar Alierta, num comunicado divulgado ontem. "Trata-se de uma oportunidade única de criação de valor. A Vivo é a líder do mercado de telefonia móvel no Brasil, país no qual a Telefónica mantém uma aposta decidida de futuro."
Na mesma nota, a Telefónica fez uma menção indireta à união de suas operações fixas e móveis no Brasil, dizendo que a combinação da Telesp e da Vivo será a maior operadora integrada do país, com 69 milhões de clientes (dados de março). A partir de agora, o grupo poderá tirar proveito das ofertas de pacotes de serviços, como fazem seus concorrentes, e adotar uma marca única, como já faz na Espanha sob a bandeira Movistar. Além disso, os espanhóis têm uma participação indireta na TIM, já que participam do bloco de controle da Telecom Italia.
O acordo foi recebido sem surpresas pela imprensa espanhola, que já apostava num desfecho favorável para a Telefónica. A notícia começou o dia com destaque no site dos principais jornais do país, mas logo foi ofuscada pela decisão do Parlamento da Catalunha de proibir as touradas nessa Comunidade Autônoma.
Em Portugal, o assunto foi desde o início tratado pelos jornais como questão de interesse nacional e ontem não foi diferente. Os dirigentes da operadora realizaram durante a tarde uma entrevista à imprensa, na qual destacaram que conseguiram garantir mais dinheiro pelas ações da Vivo, além de novas oportunidades de expansão. A apresentação foi feita sob o slogan "mandatada para crescer".
"A Portugal Telecom vai continuar a crescer, apesar da venda de um ativo estratégico como a Vivo. É um luxo a que a PT pode se dar porque tem fundamentos que lhe permitem escolher com quem quer se aliar", disse o presidente-executivo da companhia portuguesa, Zeinal Bava, que foi peça-chave nas negociações.
Os 7,5 bilhões que os portugueses vão receber pela venda das ações na Vivo supõem um múltiplo 11 vezes seu lucro da operadora brasileira antes de juros, amortizações e depreciações (lajida) - "talvez o negócio mais caro do setor de telecom na última década", ressaltou Bava. Em contrapartida, os 3,8 bilhões que a PT desembolsará pela participação na Oi representam um valor equivalente a seis vezes o lajida desta companhia.
Em princípio, é bom negócio para os portugueses, pois dessa forma continuam no mercado brasileiro, que tem sido a fonte de seu crescimento. Além disso, terão ingerência na gestão da Oi, com presença no conselho de administração e em cargos de diretoria. Os executivos agradeceram nominalmente ao presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, e ao diretor da La Fonte, Pedro Jereissati, com quem negociaram a parceria.
Em termos de faturamento, os 22,4% na Oi representam quase 2,5 bilhões em 2009, um pouco menos que os 50% no bloco de controle da Vivo. Mas, segundo Bava, deixa a PT "mais para lá do mercado brasileiro, com alguma ambição latino-americana".
A grande vencedora é, no entanto, a Oi. Desde que uniu a estrutura da antiga Telemar com a da Brasil Telecom, a companhia nunca escondeu sua ambição de se tornar uma operadora de alcance internacional. A parceria com a Portugal Telecom lhe proporciona dinheiro para entrar em novos mercados latino-americanos e lhe deixa com um pé nos continentes europeu e africano, onde os portugueses já atuam. "Dois terços do nosso investimento para entrar na Oi serão na forma de aumentos de capital, ou seja, de dinheiro para a companhia", destacou Bava.
Nesse contexto de investimentos bilionários e projetos internacionais, empresas e governos jogaram alto, esconderam seus trunfos e testaram até onde vai seu comprometimento com o mantra da "liberdade de mercado".
O caso emblemático ficou por conta do governo português, que lançou mão de sua "golden share" na Portugal Telecom para barrar a venda da fatia na Vivo à Telefónica por 7,1 bilhões, apesar de a proposta ter sido aprovada por quase 75% dos acionistas. O uso desse recurso causou polêmica e foi declarado ilegal por um tribunal da União Europeia. Mas ontem o primeiro-ministro português, José Sócrates, gabou-se de sua estratégia. "Valeu a pena ter resistido às pressões do mercado financeiro e aos interesses imediatos", disse.
O presidente do conselho de administração da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro, afirmou que a "golden share" criou um problema, mas no fim das contas representou 350 milhões extras para a operadora. O valor é a diferença entre a proposta aprovada na assembleia de acionistas e a oferta final acertada com a Telefónica, de 7,5 bilhões.
O montante que receberá pela Vivo menos os cerca de 3,85 bilhões que pagará para entrar na Oi deixarão nas mãos da PT uma diferença de outros 3,85 bilhões - dinheiro que, segundo Zeinal Bava, poderá ser usado para investir, abater dívidas ou reforçar o fundo de pensão.
Com sua oferta final, a Telefónica aceitou pagar 31,5% mais que os 5,7 bilhões que havia proposto em maio, quando as negociações se tornaram públicas. A operadora cedeu até o limite que considerava aceitável pagar pela Vivo e atendeu ao pedido do primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, de trilhar o caminho do "diálogo e do entendimento". Partir para a arbitragem, como a empresa ameaçou fazer, representaria despesas e anos de litígio nos tribunais.
Por fim, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também deixou sua marca nas negociações ao sinalizar que uma parceria Oi-Portugal Telecom seria bem vista. Desde que a Oi foi criada já havia no governo uma simpatia pela ideia de se formar uma operadora lusófona. "As autoridades brasileiras foram até enfáticas, dada a experiência que já conhecem da PT em banda larga e em televisão por assinatura", destacou Granadeiro.
O presidente do conselho da PT ressaltou, no entanto, que a transação é fruto dos "interesses específicos das empresas envolvidas" e ponderou que "não há motivo para se escandalizar com a diplomacia econômica praticada pelos governos". Mas admitiu que o negócio se beneficiou do contexto político e das boas relações de Lula com Sócrates.
O negócio deve colocar um ponto final nas quase sempre tumultuadas relações entre Portugal Telecom e Telefónica. Os portugueses saem da Vivo exatos 12 anos após terem comprado a embrionária Telesp Celular na privatização.
Em paralelo, os espanhóis devem sair do capital da PT. Ontem, os executivos portugueses fizeram questão de deixar claro que a Telefónica vai perder os dois assentos que detém no conselho de administração da Portugal Telecom, depois de ter vendido a maior parte das ações que tinha na companhia. O curioso é que, poucas semanas atrás, a direção da PT afirmava que essa venda era falsa e que, na verdade, era um mero aluguel da participação espanhola a fundos de investimento.
No comunicado que divulgou ao mercado, a Telefónica também deu sua alfinetada no ex-sócio. "A oferta está fechada, de maneira que já não existe compromisso algum em relação às melhoras adicionais que contemplava a última proposta que obteve o voto favorável da maioria dos acionistas da PT na assembleia realizada no último dia 30 de junho em Lisboa." Ou seja, a distribuição de mais dividendos e uma chamada de ações da companhia portuguesa estão descartados.
E, nas últimas cenas de uma longa novela, a Portugal Telecom colocou em seu site uma apresentação mostrando como mudou a avaliação feita pela Telefónica e pelo mercado sobre a Vivo. Segundo os portugueses, em 2006 o grupo espanhol avaliava em 1,9 bilhão a participação lusitana na empresa de telefonia móvel, que naquela época vinha perdendo mercado devido a seus problemas de clonagem e da falta de competitividade representada pela tecnologia CDMA. "Em quatro anos, o valor da Vivo subiu para 7,5 bilhões", disse Granadeiro. "Foi um trabalho duro, silencioso e em alguns momentos violento."
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