WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO
Mesmo com diferenças e dissidências, estaremos melhores formando uniões nos moldes do Mercosul
REPRODUZO por inteiro o parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".
Se o leitor dedicar mais um minuto de seu tempo e reler o parágrafo único, verificará que o artigo se refere a povos, e não a países; observará que afirma a busca de uma comunidade, e não de um bloco e compreenderá a integração de quatro segmentos fundamentais de cada grupo, mas não a integração militar.
As palavras comunidade e integração compõem a razão essencial do parágrafo, porque comunidade vem de comum (o que pertence ou que é da competência de todos os integrantes do mesmo conjunto), voltada para a ação de integrar (processo pelo qual seus componentes se associam para o mesmo fim).
Logo se percebe que o leitor não perdeu muitos segundos de seu precioso tempo para se perguntar "integrar o quê?" e afirmar que somos tão diferentes, uns dos outros povos da América Latina, que não é possível nos integrarmos.
E, ainda com um pé na realidade, como nos integrarmos se temos todos geografias tão diferentes, desde o sabre chileno do Pacífico até a massa boliviana do coração sul-americano? Integrar países da América Central, que, embora ricos em tradições e artes, suas populações somadas não chegam à da região metropolitana de São Paulo?
O exame do parágrafo único teve seu começo no pensamento de André Franco Montoro, que o redigiu originalmente, na constatação de que, no mundo atual, a tendência para a formação de grupos de nações é irresistível.
Nem mesmo a superpotência com seu extraordinário poder militar pode pura e simplesmente mandar às favas a opinião dos outros.
George Bush (filho) bem que tentou, na sua filosofia texana de supor, olhando a transposição do globo terrestre para o retângulo da projeção Mercator, que o Texas é maior que a América do Sul.
A ideia de integração consiste em superar diferenças por meios que só o Direito pode compor e estruturar. Teremos, com o Direito, o modo de atingir tal finalidade por meio de tratados, uniformizando leis, nos moldes que os países desta parte do mundo constituíram o Mercosul.
O fato de avançar a trancos e barrancos não afasta a grande verdade: mesmo com nossas diferenças e dissidências, estaremos melhor implementando uniões nos moldes do Mercosul do que defendendo isoladamente a imposição única de nossos interesses.
No espaço interno de alguns, já houve quem pensasse em separar o Sul brasileiro do Norte-Nordeste (tese também defendida pelo norte da Itália contra o sul) ou enunciada nos Estados Unidos do norte, contra afro-americanos do sul.
Por mais que estranhemos Chaves, por mais que tenhamos dificuldades com a presidente Kirchner, seus carros e vinhos argentinos (sem falar em Lionel Messi), por mais que Evo, o presidente boliviano e sua produção de gás combustível suponha que independência total seja possível, será sempre melhor que estejamos juntos.
É o efeito resultante da aplicação do parágrafo único do artigo 4º, que teremos de ler sempre, e assim alcançar um futuro melhor para a América Latina, como definição de nosso destino.
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