LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O GLOBO
“Não foi bem assim...” é uma frase que se ouve muito por aqui. Não sei se em Portugal também, mas no Brasil é comum. Geralmente vem depois do relato entusiasmado de um fato em que a exatidão foi sacrificada pelo impacto.
Uma maneira de não dizer “é mentira” mas sim, amavelmente, que é exagero.
Muitos fatos da nossa história ficaram na história na sua versão exagerada. A começar pela proclamação da Independência, que não teve a grandiloquência do relato oficializado nem o clima épico do retrato famoso. Sucessivas revisões do nosso fato inaugural concluíram que, decididamente, ele não foi bem assim. Na verdade são poucos os mitos fundamentais de qualquer nação que resistem a uma revisão. Na maioria dos casos, o exagero é que fez o mito. Se não foi bem assim, não interessa. O que realmente foi não tem nenhuma serventia histórica.
Se a frase está sempre ameaçando desmontar as versões heróicas da História, nas relações pessoais do dia a dia ela também age como uma estraga-prazeres. Quem de nós não prefere ouvir o relato dramático e bem contado, mesmo que não inteiramente verdadeiro, de qualquer fato? Preferimos o impacto à exatidão. E nada acaba com o clima de revolta ou euforia diante do último escândalo ou fofoca como alguém, com um sorriso superior, dizer “não foi bem assim...”. E revelar os tediosos detalhes que desmentem ou mitigam a versão entusiasmada e bem mais divertida.
O sorriso irônico vem embutido na frase pois dá a entender que seu final, não dito mas implícito, é “como sempre”. Ou seja, os fatos sempre têm dois relatos, com ou sem nuances e qualificativos. E nada, nunca, é exatamente bem assim.
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