domingo, 5 de junho de 2011

Venezuela 2012



EDUARDO GRAEFF
O Estado de S.Paulo 


Há eleição presidencial marcada para 2 de dezembro de 2012 na Venezuela. É a chance de um reencontro pacífico do país com a democracia. Hugo Chávez é candidatíssimo, claro. Não mostra a menor disposição de passar o poder aos "inimigos", como trata todos os que não estão do lado dele. Mas a oposição está se preparando para ganhar e levar. Sabe das arbitrariedades que tem sofrido e vai sofrer, mas aposta na sua própria unidade e no cansaço dos venezuelanos com 14 anos de "socialismo bolivariano". Não vai repetir o erro de 2005, quando desistiu de participar das eleições parlamentares.

Três jovens militantes e uma deputada da oposição venezuelana estiveram em São Paulo recentemente. Fui ouvi-los no Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). Falaram da crise econômica e política em que seu país está mergulhado, da sua luta para renovar, ampliar e unificar as forças de oposição, dos desafios que veem pela frente de uma Venezuela democrática. E deixaram um apelo: que nós, brasileiros, ajudemos a garantir a limpeza da eleição e respeito ao seu resultado.

A crise econômica é profunda. Como é que o país dono das maiores reservas de petróleo do mundo conseguiu arruinar a sua economia enquanto o preço do barril de petróleo ia às nuvens? Chávez rompeu contratos, expropriou e afugentou investidores privados do setor petrolífero e sucateou a estatal PDVSA. Resultado: hoje a Venezuela exporta um sexto do petróleo que exportava há 60 anos, em termos per capita. E a fatia do petróleo no total das exportações, que já foi cerca de 70%, subiu para 95%, porque a indústria e a agricultura também foram sucateadas a golpes de expropriação e intervenção arbitrária. Idem a infraestrutura: estradas esburacadas, pontes desabando, apagões de energia elétrica. Proezas do socialismo, bolivariano ou não.

Os serviços públicos essenciais de saúde, educação e segurança pública foram pelo mesmo caminho. Os homicídios na capital, Caracas, chegam a 210 por 100 mil habitantes - na cidade de São Paulo, para ter um parâmetro de comparação, esse índice caiu recentemente abaixo de 10 por 100 mil, que ainda é alto, mas considerado suportável pelos padrões internacionais. Autoridades da União Europeia estimaram que metade da cocaína que chegou à região em 2010 passou pela Venezuela. Os tentáculos do narcotráfico envolvem a polícia e penetram nas Forças Armadas venezuelanas.

Chávez fechou emissoras de rádio e de televisão "inimigas" - quer dizer, independentes - e fala sem parar nos veículos "amigos", persegue opositores, reprime protestos, mas não consegue tapar o sol com a peneira. Sua popularidade vem caindo, dando alento a uma nova geração de ativistas e políticos democráticos. Nas eleições parlamentares de 2007 a oposição teve maioria dos votos populares, embora o chavismo, por artifícios legais, tenha mantido maioria do Legislativo. A chance de uma virada em 2012 é real.

O descalabro do "socialismo bolivariano" facilita a tarefa dos oposicionistas de se porem de acordo sobre a alternativa, pelo menos em suas linhas gerais: eles querem liberdade, democracia, um ambiente que incentive a livre empresa, em vez de criminalizá-la, e políticas de efetiva proteção e inclusão social. Nada muito diferente de uma receita que parece dar certo no Chile e no Brasil, para tomar dois exemplos próximos. Sabem, é claro, que terão enormes dificuldades para reconstruir o país segundo essas diretrizes. Apostam para isso na integração com a América Latina, o Mercosul incluído, e veem com bons olhos a liderança do Brasil na região.

O que eles não veem com bons olhos, nem entendem, é o modo como o governo de Lula jogou o peso dessa liderança para legitimar o chavismo. Afinidade ideológica? Difícil compreender isso, quando as opções econômicas e políticas do Brasil nos últimos 20 anos lhes parecem o oposto das da Venezuela chavista. Vá-se tentar explicar a eles a ambiguidade da relação de Lula e seu partido com a "herança maldita" de Fernando Henrique Cardoso... Interesses econômicos? Eles sabem dos bons negócios de empresas brasileiras em seu país. Põem alguns na conta dos maus negócios para a Venezuela que Chávez, por trás da retórica populista e nacionalista, fez com vários países. Mas acreditam que isso é uma fração pequena do que pode render uma parceria equilibrada do Brasil com uma Venezuela estável e em crescimento sustentado.

Integração econômica, sim, mas baseada em quais valores permanentes? Essa é a pergunta que a Venezuela democrática nascente faz à liderança emergente do Brasil.

Em 2006, quando a oposição venezuelana lutava para renascer das cinzas, teve de ouvir Lula dizer, numa visita oficial, que "Chávez é o melhor presidente que a Venezuela teve nos últimos cem anos". A última coisa que essa oposição quer é uma reprise disso na reta final para a eleição de 2012.

Mas os jovens que ouvi no iFHC esperam algo mais que neutralidade do Brasil: esperam atenção, não para interferir no processo eleitoral, mas para garantir que ele chegue a bom termo. A oposição vai pedir o envio de observadores internacionais para acompanhar as eleições venezuelanas. Parece pouco, mas pode significar a diferença entre o impasse e uma transição pacífica para a democracia. Como a diplomacia brasileira responderá a esse pedido?

Dos brasileiros sinceramente democratas os venezuelanos merecem solidariedade ativa. Dados os antecedentes do governo Lula, alguma pressão interna parece mais do que oportuna para levar o nosso Congresso Nacional e o Poder Executivo brasileiro a, desta vez, fazerem a coisa certa em relação aos nossos vizinhos.

CIENTISTA POLÍTICO, FOI SECRETÁRIO-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (GOVERNO FHC)
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