WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO
Atrasar as obras tem sido forma de causar ansiedade pelo seu término e facilitar os valores sobrefaturados
O SECRETÁRIO-GERAL da Fifa (Federação Internacional de Futebol Associado), Jérôme Valcke, disse que o Qatar "comprou" o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022.
Tentou corrigir-se, mas as emendas posteriores de Valcke só pioraram a situação, nesses tempos em que a Fifa e outras entidades ligadas ao futebol e alguns de seus próceres mais destacados são envolvidos em denúncias de subornos pagos e até de subornos devolvidos.
Nesse panorama se desenvolvem preparativos para a Copa do Mundo, que o Brasil concordou em realizar. Há milhões a serem gastos em obras necessárias (aeroportos e estradas, por exemplo), mas outras parecem destinadas a gerar "elefantes brancos", como já se viu na África do Sul e no Rio de Janeiro, para os Jogos Panamericanos.
O leitor deve saber de outro lado dessa questão: atrasar obras tem sido forma de agitar a ansiedade pelo término delas e, assim, facilitar o sobrefaturamento. O estouro dos orçamentos não pode ser visto como fato corriqueiro.
O precedente governador de São Paulo e o prefeito desta capital garantiram que nem um real sairia dos cofres públicos para assegurar jogos por aqui.
Quando há isenções fiscais concedidas, os milhões nem mesmo entram nos cofres públicos. O Corinthians não quer a expansão de mais 20 mil lugares que depois não terá como preencher e da manutenção no novo estádio. Alguém vai ter que pagar a conta.
A maior parte do povo quer a sede da Copa do Mundo, mas tem o direito de saber se tanta despesa no esporte profissional é legal.
Ocorre que a Constituição aceita o patrocínio de certames esportivos, mas ninguém duvida que a seguridade social, com saúde, previdência e assistência social, é mais importante para seus usuários, mesmo que os gastos com a Copa sejam todos honestíssimos.
Se o dinheiro a desembolsar em obras para um único evento do futebol fosse aplicado em hospitais, centros de saúde, na assistência aos seus segurados, aposentados, beneficiários do SUS (artigos 194 a 204 da Constituição) e em moradias para todos, seria melhor.
Os recursos reduzidos da escola pública não permitem preparar o aluno para os embates da vida. Por isso mesmo cada brasileiro tem, mais que o direito, o dever de estar atento e emitir sua opinião a respeito, individualmente ou em seu grupo social, porque no fim de tudo o dinheiro sai mesmo de nosso bolso.
As atuais pressões de gastos visam o esporte profissional, mas a Constituição privilegia a educação, direito de todos (artigos 205 a 214) e a cultura (215 e 216) e, ao tratar do desporto afirma a prioridade do esporte educacional e amador.
O mesmo se diga de verbas para ciência e para a tecnologia, essenciais na melhora da vida do brasileiro. Apesar dessa ordem de preferências, nem as verbas dos Jogos Olímpicos competem com o futebol.
O povo, tendo o pão e circo do futebol, vai sentir-se feliz, dizem os espertos. Não basta. Antes temos de saber se as entidades do futebol merecem confiança, na aplicação das verbas públicas e se é equilibrada a divisão dos recursos oficiais com outros interesses da população.
Na esfera federal, a presidente Dilma deve evitar concentração excessiva dos recursos em um segmento da sociedade em detrimento de todos os outros.
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