quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Não é assim mesmo...



FÁBIO COLLETTI BARBOSA
FOLHA DE SP


Nossa pior atitude é aceitar que "é assim mesmo" e que nada podemos fazer para melhorar as coisas no país

Por muito tempo achei, assim como muitos, que a questão de cidadania se resolveria por meio de um melhor nível médio de educação. Entretanto, temos muitas evidências indicando que isso não é suficiente.

O reforço que teve de ser dado recentemente na questão do respeito dos motoristas à faixa de pedestres na cidade de São Paulo mostra como ainda temos de lidar com noções muito básicas de cidadania.

Note-se que essa falta de respeito à faixa de pedestres acontece de forma generalizada pela cidade, não importa se estamos falando de um bairro de maior ou de menor nível de educação ou de renda.

Isso indica que não será suficiente um amplo investimento em educação, mas precisaremos também buscar uma forma de darmos foco ao que o jornalista Gilberto Dimenstein, na sua coluna nesta Folha, há um mês, chamou de Educação para a Cidadania.

Observar as leis de TRÂNSITO, cuidar da limpeza das ruas, respeitar a fila, não estimular o comércio ilegal ou "pirata", evitar o desperdício de água, entre outras, são condutas básicas para que possamos melhorar a qualidade de vida de todos. Mesmo em zonas da cidade onde o nível médio de educação é certamente bastante elevado, esses desvios são cometidos a todo instante.

Ao comentar esses problemas com colegas, e especialmente com jovens, noto uma grande receptividade para que busquemos formas de mobilizar a sociedade, não apenas conscientizando, mas também punindo e expondo aqueles que negligenciam esses comportamentos.

Algumas iniciativas poderão vir das autoridades, como é o caso da Lei Cidade Limpa na cidade de São Paulo, que, na minha opinião, já poderia ser estendido para além dos outdoors, chegando às ruas e às calçadas da nossa cidade.

Os currículos escolares precisam certamente ser ajustados, incorporando essa visão de cidadania, do papel que cabe a cada um de nós, e a valorização da interdependência, que existe entre tudo e todos.

Ninguém vive sozinho, e nossas atitudes (boas e más) impactam o todo, que deve ser construído junto.

A sociedade civil tem ferramentas tradicionais e modernas para se organizar: as redes sociais, o Twitter, as associações de bairros, as empresas etc.

Não precisa ser nada grandioso, nada que abranja toda a cidade, mas, se cada um conseguir impactar o seu "ao redor", o seu grupo de relacionamento mais próximo, a somatória será grandiosa. E assim um importante passo terá sido dado na mudança de atitude e na abertura de melhores perspectivas.

Recentemente, o jornalista espanhol José Arias, do jornal "El País", escreveu um artigo que causou grande repercussão. Lá, ele pergunta por que não nos indignamos. O foco era a questão dos casos de corrupção no Brasil, e o assunto repercutiu em vários jornais e artigos.

A mesma questão, porém, pode também ser estendida para o aspecto da cidadania. Por que não nos indignamos? A resposta para ambos os aspectos (apatia diante da corrupção e das questões de cidadania), parece ser que muitos acham que esse não é um problema nosso, ou que é grande demais para resolvermos ou influenciarmos. Decorre daí a pior das atitudes, que é a de aceitar que "é assim mesmo", e nada fazer...

Felizmente, há outro movimento, positivo e com um número cada vez maior de pessoas, especialmente jovens, se indignando, se mobilizando, procurando acender a luz e mostrar as coisas como elas são.

Esse é um primeiro e importante passo para que tenhamos a dimensão do problema e possamos tratá-lo de forma adequada. A imprensa e a opinião pública têm importante papel nessa jornada, mantendo a chama acesa e apontando novos caminhos.

Empunhar a bandeira da cidadania, e agir de forma coerente, são maneiras de sedimentar a base para a construção de cidades melhores, e, portanto, de um país melhor.

P.S.: Com esta coluna me despeço deste espaço onde escrevi textos durante pouco mais de um ano.

A partir do final de setembro assumirei novas responsabilidades, em outro grupo de mídia.

Agradeço à Folha pela oportunidade e aos leitores pelas tantas manifestações de apoio.

FÁBIO COLLETTI BARBOSA, 56, administrador de empresas, é presidente do conselho de administração do Banco Santander e presidente do conselho da Febraban.

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Estado cansado?



ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE


O Estado dirige bem a Petrobras mas não consegue fazer aeroportos funcionarem bem. Mistério. Nos bons tempos alguém falaria em sucateamento proposital para fins de privatização.
A fala sobre a superioridade do Estado dá sinais de cansaço


Causou pouco ruído dias atrás o leilão de privatização do aeroporto de Natal (RN), 100% repassado a particulares. Teve até a foto tradicional do martelo batido a muitas mãos, mas não despertou maiores emoções. 
O governo não fez firula. Não é Parceria Público-Privada (PPP), não resta participação da Infraero, nada. O ativo foi integralmente repassado a quem pagou mais. O governo caiu fora e ponto final. 
Natal é um filé. Se na Segunda Guerra Mundial ficou conhecida como "trampolim da vitória", pela localização estratégica para o controle da circulação em mar e ar no Atlântico Sul, agora é ponto de altíssimo potencial turístico. 
Fica pertinho da Europa mas está fincada na América do Sul. E num lugar paradisíaco. Com as vantagens decorrentes da tripla situação. 
Daí o belíssimo ágio obtido na venda. Os compradores pagaram mais de três vezes o preço do edital. Fossem outros os tempos, as autoridades seriam suspeitas de ter tentado vender o patrimônio público a preço de banana. 
A privatização dos aeroportos foi uma isca política descoberta para atenuar as críticas ao governo nos sucessivos episódios do assim chamado "caos aéreo". Mas não é só isso. É antes de tudo um excelente negócio. 
Aeroporto é atividade monopolista. Se o sujeito não está satisfeito com o serviço, não dá para simplesmente procurar a concorrência. Tem que usar o dito cujo e ponto final. A receita do empreendimento é garantida. 
Daí o sucesso na privatização de Natal, e deve repetir-se quando forem a leilão os aeroportos maiores. 
Mas fica a dúvida. Por quê, afinal, privatizar? Da maneira como o governo põe a questão, acaba parecendo confissão de incompetência. As autoridades confessam ser incapazes de tocar o negócio como se deve. 
É uma admissão e tanto para quem atravessou os últimos anos montado no discurso sobre a superioridade do Estado. Se este não consegue nem conduzir um monopólio de receita garantida, vai tocar o quê? 
O Estado dirige bem a Petrobras mas não consegue fazer aeroportos funcionarem bem. Mistério. Nos bons tempos alguém falaria em sucateamento proposital para fins de privatização. 
A fala sobre a superioridade do Estado dá sinais de cansaço. O anúncio do superavit primário excedente foi emblemático. 
O governo sempre soube que iria sobrar receita em 2011, mas em vez de acelerar o investimento no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) " ou repassar aos mais pobres e dependentes de políticas públicas de redistribuição de renda ", prefere redirecionar aos investidores. 
Em vez de suprir necessidades prementes, prefere abater dívida. 
A teoria é redonda. Ao diminuir a demanda por recursos para rolar a própria dívida o governo reduz a pressão sobre os juros. Juros menores significam mais consumo e mais investimento. E portanto mais crescimento e empregos. 
Mas a teoria embute uma renúncia. Diga o que disser, o governo admite confiar mais na capacidade de os capitalistas fazerem acontecer no que na aptidão dele próprio. 
Os sinais de cansaço estão por toda parte. As autoridades da Saúde puseram na agenda as tais fundações estatais de direito privado. Estatais na garantia dos recursos e privadas na liberdade para contratar (e demitir) pessoal e comprar bens e serviços. 
Quando Paulo Maluf e Celso Pitta implantaram algo parecido em São Paulo nos anos 1990, foi um escândalo, mas eram outros tempos. Agora, a privatização na Saúde só não vai adiante devido à resistência sindical-corporativa. 
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Cafezinhos e parábolas


ROBERTO DaMATTA
O Estado de S.Paulo


Visitei uma grande empresa no Rio Grande do Sul. Palestrei, aprendi e descobri. Sinto-me feliz ao ser recebido em Manaus do mesmo modo com que sou acolhido no extremo sul do Brasil. Na minha primeira vida, quando estudava sociedades tribais brasileiras, ficava abismado quando nos mais humildes lares sertanejos, e mesmo entre alguns indígenas, a conversa era interrompida em nome de um cafezinho hiperdoce com a seguinte observação: que não reparasse na xícara nem no bule - eram de pobre -, mas tomasse a bebida feita com gosto e amizade. O cafezinho é a prova de hospitalidade mais pungente da nossa sociedade. Ele é também e o obséquio mais trocado entre pessoas no Brasil.

Nesta ultramoderna empresa do Sul não foi exceção. Cheguei e, ato contínuo, ofereceram-me um cafezinho fresco e quente que tomei com o sentimento de estar usufruindo algo que faz o brasil, Brasil. O calor do café forte e doce sinaliza o afeto de quem o oferece. O doce tira do negrume da bebida o seu ar de mistério, dando-lhe o toque de inocência característico das coisas benévolas. O amor e a compaixão são doces como doce é a compreensão, a paz e a concórdia.

Na friorenta manhã do dia seguinte vou para o aeroporto muito cedo. Sou o primeiro a chegar. Meu pai, Renato, fazia o mesmo. Ele nos obrigava a sair de casa e seguir para as rodovias e estações de trem, quando viajávamos de Juiz de Fora e São João Nepomuceno para Niterói, nas férias de verão, muitas horas antes da partida. Ficávamos, meus irmãos e eu, brincando entre as malas, enquanto papai bufava de nervoso, olhando o seu relógio Omega de ouro ou acertando o seu chapéu que, como dizia meu amigo Mauricio Macedo, dava-lhe um ar de detetive de cinema.

No espaço público administrado pela Agência de Aviação Civil, fiquei a experimentar contrastes. O aeroporto é um mero nome, pois ele nada tem a ver com a modernidade dos aviões que despejam no seu espaço ridiculamente pequeno, dotado de algumas cadeiras desconfortáveis, um banheiro pífio e uma sala de embarque minúscula e sem forro, centenas de passageiros famintos (que, como condenados, comem uma sacolinha de biscoitos com gosto de creme de barbear), aturdidos pelo confinamento e pela ineficiência vergonhosa do lugar. Como tenho o tempo do pai, observo a chegada dos passageiros morrendo de frio. Numa sala de espera sem forro e com poucas cadeiras, tenho uma boa visão da pista e dos empregados que carregam malas e pacotes. Tudo realizado a braço - os carrinhos sendo empurrados pelos peões tal como faziam os escravos de um Brasil que continua tão presente quanto o meu iPhone que desligo. O que testemunho, protegido pelos vidros, é o trabalho desses mesmos escravos fazendo seu velho trabalho braçal em contraste com o moderno pássaro voador que estava para pousar vindo de fora e do céu.

Pavoroso e exemplar contraste entre a esfera privada onde tudo correu perfeitamente bem e a pública onde o tal "Estado" faz, mais uma vez, prova de um estilo de gerenciamento emperrado, partidarizado, sectário, ineficiente e, sobretudo, corrupto. Onde foram parar as tais "verbas" dos tais "planos" e "projetos" que são parte destes governos lulo-petistas? Somem pelo ralo dos laços de partido, família e amizade que sempre consumiram a esfera do poder público à brasileira...

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Milan Kundera conta o seguinte: uma comunista militante é julgada por crimes que não havia cometido. Sustentou sob tortura a sua verdade, demonstrando uma extraordinária coragem diante dos seus algozes. Condenada, cogita-se sobre seu enforcamento, mas, mesmo numa Praga stalinista, há misericórdia e ela segue para a prisão perpétua. Findo o comunismo, seu caso é revisto e, depois de 15 anos, ela sai da prisão e vai morar com o filho pelo qual, por toda a cruel separação, tem um apego desmesurado. Um dia, Kundera visita sua casa e a encontra chorando copiosamente. Apesar de ter 20 anos, ele é preguiçoso, diz. Kundera argumenta que esses são problemas menores. Mas o filho, indignado, defende a mãe com veemência: ela está certa, sou egoísta e desonesto, espero mudar... Moral da história: o que o partido jamais havia conseguido fazer com a mãe, ela realizou com o filho.

Num país em forma de presunto, grassa a praga de um estilo peculiar de corrupção. Não se trata de roubar somente pela "mais-valia" ou pelo engodo do mercado e da ganância. Isso também ocorre no país de Jambom, mas aqui o que explode como bombinha de São João é algo paradoxal: o roubo desmedido dos dinheiros públicos realizado precisa e legalmente pelas autoridades eleitas para gerenciar esses recursos. Trata-se do assalto ao Estado pelos seus funcionários mais graduados que loteiam suas repartições em nome de uma antigovernabilidade, pois como governar com os escândalos e as suspeitas de enriquecimento ilícito de ministros? Quando eu era inocente e de esquerda, a nossa luta era contra o "feudalismo brasileiro" encarnado pelos "coronéis". Com o PT veio a esperança de liquidar a corrupção. Afinal, eu testemunhei o então presidente do PT, José Genoino, repetir com orgulho: "O PT não rouba e não deixa roubar!". Era, vejo bem hoje, apenas um belo mantra que se desfez no mensalão e no que se seguiu.

Moral da história: o que a "direita" jamais havia conseguido fazer no Brasil - coalizão, distribuição de favores, aparelhamento do Estado, elos imorais entre instituições e pessoas, populismo em nome dos pobres - a "esquerda", acomodada no poder, institucionalizou.
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Computando os efeitos competitivos de fusões


 Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello
Valor Econômico


O julgamento da fusão da Sadia com a Perdigão pelo Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) reacendeu a discussão dos efeitos competitivos de fusões e aquisições e seus consequentes impactos sobre o bem-estar social (que tem como contrapartida prática a redução de produção induzida pela potencial diminuição de competição).Do ponto de vista da concorrência, uma fusão pode gerar dois tipos de efeitos que merecem cuidadosa avaliação pelo órgão competente. (1) Efeitos coordenados: a fusão de duas empresas pode tornar mais verossímil o conluio implícito da empresa resultante com suas rivais. (2) Efeitos unilaterais: a fusão pode permitir que a nova empresa tenha estímulo para aumentar seus preços de maneira unilateral (o que, por sua vez, pode gerar incentivos para que os concorrentes, ainda que de maneira não coordenada, também aumentem preços).

A prática de cartelização é em geral proibida, e presume-se que as empresas não se engajarão em tal prática. Portanto, as preocupações das autoridades competitivas recaem majoritariamente sobre os efeitos unilaterais de fusões. A questão passa a ser como comparar os benefícios em termos de redução de custos, as chamadas sinergias, com os potenciais incentivos a aumento unilateral de preços.

Economistas americanos advogam o uso de um indicador alternativo bem fundamentado. Parece simples, e é

Aqui vale mencionar: sinergias só podem dizer respeito às reduções de custos. Ao contrário do que sugerem alguns incautos, sinergia de receitas é um oximoro. Mais do que isso, apenas economias de custos variáveis podem ser consideradas, já que economias de custos fixos em geral não são repassadas para preço. Ausentes os efeitos competitivos deletérios, os benefícios sociais de uma fusão seriam inequívocos. Mais: tais benefícios seriam ao menos em parte transmitidos aos consumidores.

De fato, um resultado bastante geral da Teoria Econômica estabelece que, para qualquer que seja a demanda, uma redução de custos marginais (isto é, variáveis) fará o produtor repassar (ao menos em parte) a redução de custos para preços. Portanto, a discussão sobre os efeitos deletérios de uma fusão dizem única e exclusivamente ao seu efeito sobre a capacidade da empresa resultante de aumentar preços - o que prejudica os consumidores e diminui a eficiência econômica, cuja manifestação é menores quantidades produzidas.

Para inferir os efeitos da fusão sobre a capacidade da empresa em aumentar preços, economistas normalmente definem o "mercado relevante". A ideia é estabelecer qual seria o mercado de atuação da empresa resultante e inferir se, nesse mercado, a empresa terá uma fração significativa de participação. A definição de mercado relevante envolve tanto aspectos geográficos (por exemplo, a concorrência se dá localmente ou nacionalmente?), como considerações a respeito das características dos produtos (pizza congelada compete com pizzas entregues por restaurantes? Barras de chocolate competem com gomas de mascar? Cerveja compete com cachaça? Jogos de futebol transmitidos pela TV competem com peças de teatro?). Se o mercado for definido muito amplamente, poucas fusões parecerão perigosas; por outro lado, sempre rejeitaremos fusões se os mercados forem definidos de forma muito restritiva.

Três questões são cruciais. Nós sabemos medir mercados relevantes? Fração significativa de participação em um mercado relevante implica necessariamente um risco de efeitos unilaterais? Existem formas alternativas, potencialmente mais precisas e baseadas em Teoria Econômica, de computar os riscos de efeitos unilaterais?

Quanto à primeira pergunta, estabelecer quais são os mercados relevantes é tarefa árdua. Sem muita informação a respeito das preferências dos consumidores é bastante difícil inferir quão substituíveis são certos bens. Adicionalmente, num mundo globalizado, é cada vez mais "fácil" (e pouco informativo) arguir que o mercado relevante é mundial. Nesse caso, dificilmente rechaçaríamos qualquer fusão pois sempre haveria "competidores".

A resposta à segunda pergunta é negativa. A Teoria Econômica não prevê uma relação sistemática entre market share e capacidade de aumentar preço unilateralmente.

Por fim, a resposta à terceira e mais relevante pergunta é, felizmente, afirmativa, como mostram os economistas Joseph Farrel e Carl Shapiro, da Federal Trade Commission e Department of Justice dos Estados Unidos, respectivamente. Eles advogam o uso de um indicador alternativo. Bem fundamentado economicamente, ele captura de forma precisa a verossimilhança de ocorrência de efeitos unilaterais.

Caso venham a se tornar uma única entidade, as empresas maximizarão lucros conjuntos. Assim, a empresa A levará em conta o efeito de sua decisão de preços sobre o lucro da empresa B. Ou seja, a fusão faz com que, ao reduzir o preço, a empresa A se depare com um custo adicional: o custo que essa decisão terá sobre o lucro da empresa B. Quanto maior for esse custo, maiores as chances de efeitos unilaterais. Portanto, esse custo adicional é um bom indicador de possibilidade de efeitos unilaterais.

O indicador proposto é representado pelo produto entre o quanto a redução de preços da empresa A diminui a demanda pelo bem de B ("divertion ratio") e a margem de lucro da firma B (e vice-versa). Tanto o "divertion ratio" quanto a margem de lucro são facilmente computados com informação pública (ou provida pelas empresas a participarem da fusão). De posse do indicador, a decisão quanto à fusão é evidente: se o indicador for maior que a redução de custos variáveis, a fusão provavelmente gerará efeitos unilaterais indesejados. Caso contrário, a fusão será pró-competitiva. Parece simples; e é.

Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello PhDs em Economia por Stanford e professores do departamento de Economia da PUC-Rio, são especialistas em antitruste e peritos em vários casos no Brasil.
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EUA e a crise



ANTONIO DELFIM NETTO
FOLHA DE SP

Acabam de ser publicadas as estimativas corrigidas do crescimento real do PIB dos EUA (medido a preços constantes de 2005) e que dão uma visão mais realista do que aconteceu à economia americana nos últimos quatro anos (2º trim. 2011/2º trim. 2008).

Ela apenas retornou ao nível em que se encontrava no 2º trimestre de 2007! Há quatro anos o PIB está estagnado. Como a população cresceu, isso significa que o PIB per capita diminuiu. Considerando que em condições normais de pressão e temperatura o PIB real americano cresce à taxa de 2% ao ano, a flutuação dos últimos quatro anos representa qualquer coisa entre 10% e 15% de um PIB anual (mais ou menos um PIB anual do Brasil) que potencialmente deixou de ser produzido pela disfuncionalidade do sistema financeiro.

As consequências sobre o endividamento interno foram importantes. De um lado, pela redução da receita e, de outro, pelo aumento das despesas com o desemprego. Paralelamente, aumentou a desigualdade na distribuição de renda, o que acentuou o mal-estar da sociedade com relação ao presidente Obama.
É cada vez mais evidente que as políticas monetária e fiscal foram incapazes de cooptar a confiança do setor privado, de forma que seus efeitos sobre a recuperação do consumo e ampliação dos investimentos têm sido pífios.

Basta dizer que as empresas não financeiras têm em caixa qualquer coisa como US$ 1,5 trilhão a US$ 2 trilhões aplicados em papéis do Tesouro americano. Por que não investem? Porque continuam a desconfiar do presidente Obama e não têm certeza de que encontrarão demanda no futuro.

Enquanto isso, o crescimento do consumo é inibido por um desemprego total ou parcial de mais de 25 milhões de pessoas, que continuam assustadas com o comportamento do mercado de trabalho, especialmente na construção civil.

Deveria ser claro que o problema só poderá ser resolvido com um aumento da demanda privada que até agora não tem respondido aos imensos estímulos monetários e fiscais.

A resposta não é "mais do mesmo", mas entender por que não funcionou. Em nossa opinião, porque: 1º) o comportamento de Obama foi hostil com o setor real da economia no início de sua administração; 2º) ele foi submisso e leniente em relação ao setor financeiro, que precisava mesmo ser preservado, mas não os seus agentes mais conspícuos e 3º) gastou o enorme patrimônio político do "we can" com programas necessários, mas discutíveis, em lugar de utilizá-lo cooptando e dando confiança ao setor privado para reduzir o desemprego.

O problema dos EUA não é econômico: é a falta de confiança da sociedade na ação do Executivo e do Legislativo.
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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Meu inferno é mais interessante



GILBERTO DIMENSTEIN
FOLHA DE SP


Apesar de tudo, tenho a certeza de que meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros 

A cidade onde moro não é um paraíso. Mas, se lá não fizesse tanto frio e houvesse praia, estaria perto disso. Ao norte de Boston, Cambridge tem apenas 100 mil habitantes, é cercada de jardins; suas calçadas são largas -carro não faz a menor falta. 

Não há violência nem atropelamentos. Nesse ambiente, Harvard e MIT atraem gente inovadora de todo o mundo, disposta a inventar ou a reinventar alguma coisa: do tratamento do câncer ao comércio eletrônico, passando pela bateria para mover carros elétricos. 

Por causa da inovação, o desemprego quase não é assunto. Grandes empresas (como o Google) montaram ali centros de pesquisas. Se aquela paz cansar, rapidamente se chega a Nova York de trem -ou se pode ir caminhando por Boston. 

Fiquei seis meses longe de São Paulo, que, na comparação, remete à imagem do inferno urbano. Um olhar um pouco estrangeiro nos faz ver melhor. 

Na noite em que cheguei a São Paulo, um jovem foi atropelado perto da minha casa por um Land Rover. Todas as semanas, via notícias sobre vítimas nos bairros nobres, de professores a publicitários. Jornais falavam do recorde de assaltos a caixas eletrônicos e até de arrastões promovidos por crianças. 

A informação que melhor define o ambiente estressante da cidade está numa pesquisa da Unesp: 40% dos seus habitantes sofrem de distúrbios do sono. A insônia -fruto da ansiedade, da depressão e de outras fobias urbanas- não escolhe gênero nem classe social. 

Apesar de tudo, tenho a certeza de que meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros. 

O encantador da cidade é a emoção que se encontra na resistência, no estilo guerra de guerrilha contra a barbárie. 

Nestes dias em São Paulo, conheci um ex-morador de rua (Robson Mendonça) que entrega livros pelo centro da cidade pedalando uma biblioteca, batizada de "bicicloteca". 

Conversei com Antônio Miranda, o motorista de táxi e fotógrafo amador que criou a Bibliotáxi, citada como exemplo no site da Associação Americana de Bibliotecas. Descobri motoboys que passaram a entregar livros pela cidade. 

Foi lançado, na cidade, um programa de inovação educacional a ser desenvolvido na Universidade Stanford (Califórnia) para ajudar a repensar o modo de ensinar nas escolas públicas. Um dos envolvidos no projeto é Paulo Blikstein, ex-aluno da Poli-USP, que acaba de receber um importante prêmio americano de estímulo à pesquisa. 

No mesmo dia em que era lançado o programa, saía a Plataforma de Cidades Sustentáveis, elaborada pelo Movimento Nossa São Paulo e pelo Instituto Ethos. Com exemplos internacionais, é um roteiro do que é necessário para uma comunidade ser civilizada. A ideia é realizar, a partir de São Paulo, uma ação nacional. 

Na sexta, o Nossa São Paulo decidiu apoiar um aplicativo batizado de Cidade Mais Feliz, para estimular a população a manifestar-se sobre os problemas que testemunha. 

Jovens da Casa de Cultura Digital levantaram recursos para o projeto de um ônibus-hacker, que vai visitar bairros e cidades para ensinar como se extraem e se analisam números dos orçamentos públicos, às vezes camuflados pelos governantes. 

Abalados com os atropelamentos, jovens de classe média saíram às ruas, com uma linguagem mais simples que a das autoridades, para tentar civilizar os motoristas. Graças a jovens de classe média, no final da década de 1990, a cidade mobilizou-se pelo desarmamento - e obteve bons resultados. Na quinta, segundo anúncio oficial, a taxa de homicídios na cidade, nos sete primeiros meses do ano, comparados ao mesmo período do ano anterior, foi 26%. 

Longe dos bairros nobres, de Heliópolis desenvolveram uma experiência para se comunicarem com outros jovens a fim de evitar o abuso do álcool. Os resultados, medidos por pesquisadores independentes, fizeram com que o projeto servisse de inspiração para um plano de saúde, anunciado no início do mês, para atingir milhares de escolas públicas. 

Está prevista para hoje uma manifestação contra a violência, promovida por moradores do Morumbi, onde existem desconfianças em relação à favela de Paraisópolis, localizada no meio no bairro. Gilson Rodrigues, um jovem líder daquela comunidade está aproveitando o dia para propor que se construam pontes de diálogo entre os moradores do bairro. Gilson batalha há anos para criar uma sala de concertos. 

Seria capaz de escrever páginas sobre as pequenas gentilezas urbanas que encontrei nessas semanas. Não são suficientes para acabar com o inferno urbano, mas são um desfile de emoções. Por isso, meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros. E, tentando chegar ao aeroporto, começo a sentir saudades.

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Colapso moral



VLADIMIR SAFATLE
FOLHA DE SP


Aqueles que se veem como excluídos da sociedade não têm razão alguma para obedecer às suas normas.
Eis uma colocação trivial que qualquer habitante de metrópoles brasileiras aceitaria. Conhecemos bem tal situação social onde a exclusão e a falta de perspectiva gera a descrença (no melhor cenário) ou a violência (no pior) contra o império das normas sociais.
Muitos gostariam de chamar isso de "sociologismo vulgar", como se fosse questão de afirmar que onde há pauperização sempre haverá crime.
Talvez seja o caso de simplesmente dizer que a pauperização e o sentimento de ter sido deixado de lado pelo Estado gera, de maneira forte, a desagregação do laço social.
Quando não há nada que sirva de contrapeso a tal processo, é fácil começar a ver carros queimados, lojas quebradas e outros atos de vandalismo.
Nesse sentido, há algo de profundamente cômico em ouvir o premiê britânico, David Cameron, afirmar que a Inglaterra está vivendo um "colapso moral" e que devemos colocar os confrontos em Londres e em outras cidades na conta da ausência de valores como "espírito de equipe, decência, dever e disciplina".
Sim, as escolas e as famílias não ensinam mais esses grandes valores, mas, segundo o primeiro-ministro, em seu papel de último esteio moral da ilha, "desencorajam o trabalho" e fornecem "direitos sem responsabilidade". Por muito pouco, não fomos brindados com a ideia inovadora de que as altas taxas de desemprego eram fruto da "preguiça".
Alguém deveria ter dito a Cameron que ele não é exatamente um bom enunciador contra o colapso moral britânico, ainda mais depois de um de seus principais assessores ser pego envolvido no escândalo que expôs as relações incestuosas entre a política britânica e o magnata da mídia Rupert Murdoch.
Da mesma forma, quando seu governo destrói todo o resto de sistema público de educação e de assistência social após ter pago (com o beneplácito de seu partido) a conta de bancos responsáveis pela crise de 2008, há de se perguntar se o colapso moral vem da City ou de Tottenham.
Pelo menos Cameron mostrou o que o pensamento conservador pode nos oferecer hoje: ladainhas morais em vez de ações enérgicas contra os verdadeiros arruaceiros, ou seja, esses que operam no sistema financeiro internacional.
Enquanto isso não ocorrer, jovens roubando lojas de iPads e tênis continuarão dizendo: não aceitaremos estar fora do universo de consumo e sucesso individual que vocês mesmos inventaram. Nós entraremos nele, nem que seja saqueando.
Por isso, antes de cobrar responsabilidades de setores desfavorecidos da população, Cameron deve parar de tentar escapar de suas próprias.
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Privatização de elétricas em estudo



Governo discute privatização de federalizadas
 Por Josette Goulart
Valor Econômico



A possibilidade de privatização de alguns ativos do setor elétrico começa a se tornar uma opção viável e a ser estudada dentro do governo federal. O alto escalão já considera essa a melhor alternativa para as distribuidoras federalizadas que atuam em seis Estados do Norte e Nordeste do país, que estão hoje sob o guarda-chuva da Eletrobras. Mesmo petistas de carteirinha, em cargos estratégicos no setor elétrico, já aceitam a ideia e inclusive a defendem.

O Valor esteve com seis fontes importantes na Eletrobras, na Agência Nacional de Energia Elétrica e no Ministério de Minas e Energia. Todos dizem a mesma coisa: "sim, a privatização é possível". Esse, admitem, seria o caminho para melhorar a qualidade do serviço prestado pelas distribuidoras Amazonas Energia, Boa Vista Energia, Eletroacre, Ceron (Rondônia), Cepisa (Piauí) e Ceal (Alagoas).

A pecha da "privatização" é o maior obstáculo - por ser político - a ser superado e por isso ainda nenhum estudo formal foi solicitado. Mas se no governo de Luiz Inácio Lula da Silva qualquer discussão sobre o assunto era terminantemente proibida, desde que a presidente Dilma Rousseff apoiou e determinou o programa de concessão dos aeroportos a postura entre os colaboradores da presidente no setor elétrico mudou.

A ideia circula por várias instâncias e conversas com executivos de importantes fundos de pensão já foram travadas

Diversas soluções estão sendo vislumbradas para se fugir dessa questão política. Entre elas, uma das preferidas é a de tratar a privatização como uma "parceria público e privada", ou seja, vender o controle mas deixar a Eletrobras como sócia - a exemplo do modelo dos aeroportos em que a estatal Infraero será sócia dos investidores privados.

A ideia circula por várias instâncias e até conversas informais com executivos de importantes fundos de pensão já foram travadas para se saber o interesse nesse tipo de negócio. Os fundos se interessam, mas o modelo de negócios a ser definido seria fundamental, pois eventualmente envolveria a abertura de capital dessas empresas. Fora dos fundos de pensão, há também interesse. Comprar empresas como a Cepisa, que atua no Piauí, sempre foi um desejo declarado, por exemplo, da Equatorial Energia, que hoje é dona da Cemar (Maranhão), vizinha à Cepisa, e que ainda não conseguiu expandir sua atuação no setor elétrico.

Se a decisão for levada adiante e, principalmente, aceita politicamente, a expectativa do setor privado é de que a privatização comece a ser aceita também dentro de governos estaduais que têm hoje distribuidoras de energia com sérias dificuldades econômico-financeiras ou problemas com qualidade do serviço. Entre os exemplos estão a CEB, que enfrenta os problemas de anos sem investimentos que culminaram com queda na qualidade dos serviços.

A Celg, que atua em Goiás, também enfrenta problemas e busca um sócio para capitalizar a empresa que está altamente endividada, mas tem sido difícil conseguir sócios sem entregar o controle. A empresa de distribuição de Goiás precisa apresentar um plano de recuperação para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e evitar um processo de caducidade da concessão, em que o Estado poderia perder o direito de operar a companhia. As eleições em Goiás, entretanto, foram marcadas pelas promessas de não se privatizar ativos.

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O fim das concessões a partir de 2015 também pode ser usado como caminho para se buscar uma alternativa à privatização. Em entrevista publicada na semana passada pelo Valor, o diretor da Aneel, Julião Coelho, propôs que o governo permita a possibilidade de prorrogação desde que a agência tenha a prerrogativa de analisar, com base em critérios objetivos de qualidade e capacidade financeira, aqueles que podem permanecer com a concessão. Com isso, as empresas em dificuldades poderiam ter seus controladores alterados em novos processos de licitação e os atuais donos receberiam indenização pelos investimentos que realizaram e não foram amortizados.

Toda essa discussão em torno de privatização começou a se fazer necessária depois que a administração da Eletrobras começou a perceber que seus esforços para melhorar a qualidade de suas distribuidoras não surtiram efeitos. São seis as concessionárias que há anos sangram o caixa da empresa. Desde 2008, só em conversão de dívidas em capital, as distribuidoras já consumiram cerca de R$ 5 bilhões da estatal, sem contar volume parecido que foi investido ao longo dos últimos dez anos. Mesmo assim, os prejuízos têm sido constantes e os índices de qualidade e perdas não estão a contento. A mais problemática é a Amazonas Energia, que tem sob seu atendimento toda a indústria da Zona Franca de Manaus.

Apesar das injeções de capital em anos anteriores nas distribuidoras, os balanços publicados em 2011 pela Eletrobras apresentaram um dado preocupante. Até o primeiro trimestre, o passivo de curto prazo estava a descoberto em R$ 750 milhões. Situação que levou os auditores privados da empresa a descreverem, pela primeira vez em suas notas de balanço, que há dúvidas sobre a continuidade operacional dessas companhias. O então diretor presidente das distribuidoras, Pedro Hosken, quando esse passivo se apresentou pela primeira vez, afirmou que, sendo essas empresas públicas, só no longo prazo seria possível resolver o problema. Mas a Eletrobras já administra a situação dessas companhias há mais de dez anos.

O presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, diz que a empresa está empenhada em fazer investimentos para melhorar a qualidade dos serviços. Neste ano, vai investir R$ 897 milhões nas empresas e, entre 2012 e 2014, mais de R$ 1,1 bilhão.
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Deutschland über alles



ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP

A unificação monetária europeia está levando a consequências que seus autores não anteciparam

HÁ ALGUMAS semanas mencionei que a emissão conjunta de títulos pelos países europeus (eurobônus) seria parte crucial do conjunto de reformas necessárias à preservação da moeda única.
Poderia parecer inconsistente com o paralelo que tracei entre os problemas observados na Europa e aqueles enfrentados pela Argentina em sua longa agonia de 1999 a 2001, mas, acreditem, não é.
Com efeito, recapitulando a discussão, embora a crise na Argentina à época se manifestasse como um problema fiscal, expresso num deficit do governo nacional da ordem de 2,5% (!) do PIB (Produto Interno Bruto), sua origem era monetária e cambial.
Choques externos negativos requeriam a desvalorização do peso, que, por força da paridade com o dólar, podia ser obtida apenas pela queda de preços e de salários domésticos, a qual, por sua vez, só ocorreria pela redução do nível de atividade, com efeitos negativos sobre arrecadação e contas fiscais.
Essa mesma dinâmica está claramente presente nos países europeus mais afetados pela crise: exceção feita à Grécia, os desequilíbrios fiscais observados hoje são mais consequência do que causa da crise. Não resulta disso, porém, que podemos ignorá-los, muito pelo contrário.
Independentemente da origem do problema, se um país começa a enfrentar dificuldades para rolar sua dívida, na forma de custos crescentes para emitir novos títulos, pode, a exemplo da Argentina, ser forçado à reestruturação, mesmo que, sob circunstâncias diversas, pudesse se manter solvente. Há, em outras palavras, o risco de profecias autorrealizáveis.
Tal percepção se encontra por trás da decisão recente do Banco Central Europeu de adquirir bônus italianos e espanhóis, com efeitos, até agora pelo menos, positivos: o rendimento desses papéis, que ultrapassara 6% ao ano no começo deste mês, recuou para cerca de 5% ao ano nos últimos dias.
Entretanto, mesmo essas taxas de juros não são sustentáveis em países cujo crescimento seja baixo e que tenham de passar por um prolongado período de deflação (ou inflação muito inferior à de seus parceiros). É preciso encontrar um mecanismo que permita a rolagem dessas dívidas a taxas mais moderadas.
É aqui que a emissão de bônus garantidos conjuntamente pela Europa (leia-se, Alemanha) pode desempenhar um papel central, a exemplo do ocorrido na segunda metade dos anos 90 no Brasil, quando o governo federal refinanciou as dívidas estaduais. Naquele momento, o custo médio da dívida pública caiu, pois os títulos estaduais, que pagavam um prêmio sobre as taxas de juros de mercado, foram substituídos por papéis federais.
Da mesma forma, a emissão de eurobônus permitiria aos países hoje acossados por elevadas taxas de juros -decorrentes de prêmios de risco- se financiar a taxas sustentáveis, eliminando o perigo da profecia autorrealizável.
Isso dito, a medida não é um remédio universal. Não soluciona, para começar, a questão original da crise, qual seja, a necessidade de promover uma desvalorização cambial pela deflação doméstica. No máximo ganha tempo para que esses países possam promover a mudança sem uma crise de dívida batendo à porta.
Em segundo lugar, ao resolver um problema, cria outro. Assim como um trapezista se torna mais disposto a correr riscos quando há uma rede de segurança que o ampare na queda, governos se tornariam mais inclinados ao desequilíbrio fiscal, sabendo da possibilidade de resgate, o que motiva a oposição alemã a essa medida.
Para lidar com esse tipo de problema, seria necessário criar uma estrutura que guiasse a política fiscal dos países europeus, reduzindo sua soberania em favor da União, o que também gera resistência nada trivial.
Em suma, a unificação monetária europeia está levando a consequências políticas que seus autores não anteciparam.
Ironicamente (se cabe aqui tal expressão), a Alemanha, 66 anos depois de perder a Guerra, é que dará as cartas na Europa.
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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Certos momentos



 DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP


Ficou combinado que quem sorri muito é mais feliz do que os sérios, mas não sei se é mesmo fundamental 

OUTRO DIA -era um sábado- saí de manhã para fazer umas coisas bem pouco interessantes, tipo comprar cabides, lata de lixo, um armário para a área etc.; mais sem graça, impossível. Quando terminei, eram 2h da tarde e eu estava com fome. 

Por coincidência, quando vi, bem ao lado, um restaurante que adoro, de comida baiana. Entrei, pedi uma caipirinha e um acarajé. 

Eu estava tranquila, tinha conseguido liquidar minha listinha e, sedenta e faminta, iria beber e comer exatamente o que queria. O restaurante foi enchendo, e a única mesa com uma só pessoa era a minha. 

Algumas pessoas me olharam meio de banda, possivelmente achando estranho uma mulher almoçando sozinha num sábado de sol. Talvez tenham pensado que eu havia levado um bolo, ou que era uma pobre coitada que não tinha amigos com quem almoçar, ou sei lá mais o quê. 

Terminei meu acarajé, que aliás estava ótimo, pedi mais uma caipirinha e uma moqueca de camarão. 

Comi muito, mais do que deveria, mas estava tudo tão bom, mas tão bom, que eu acho que merecia. 

Quando estou comendo, só presto atenção -e muita- ao que estou fazendo; mas quando terminei, e só então, comecei a olhar as pessoas. 

Em uma das mesas elas eram seis, que conversavam alto, todas falavam, e pareciam alegres; em outra, um casal de turistas, tipo lua de mel, felizes da vida, e havia uma -também de seis- em que todos riam e gargalhavam, parecendo se divertir muito. 

Aí fiquei pensando (uma mania que tenho). Será que os que riem e dão gargalhadas são mais felizes do que os que apenas conversam, talvez até sobre as mais banais banalidades? E mais do que os que estão sozinhos? 

Ficou combinado que quem sorri muito, ri muito, gargalha muito é mais feliz do que os sérios, mas não sei se para viver bem -e não estou falando de felicidade- é mesmo fundamental estar sempre rindo. 

Pensei que, se estivesse em qualquer daquelas mesas, não estaria melhor do que estava, ali, sozinha. 

Quem inventou que rir é mesmo melhor do que não rir? Eu já ri muito, muito mais do que rio agora, e isso não me faz a menor falta; aliás, tenho horror aos profissionais em dizer coisas engraçadas, que são a alegria da festa, que fazem os outros gargalhar. "Vamos jantar sim, vai ter fulano, que é ótimo, divertidíssimo"; essa frase, aliás, já é uma boa razão para eu não ir. 

Continuei mais um tempo na mesa, e tão bem, que ainda pedi uma cocada branca de sobremesa, e pensei que inventam umas coisas nas quais as pessoas acreditam; talvez, naquele sábado, muitos homens e mulheres acreditaram no que ouviram dizer, e estavam infelizes por estarem em casa, porque não tinham com quem almoçar, alguém engraçado, para que eles rissem um pouco. 

Vou repetir, para que não haja engano: eu não estava vivendo nenhum momento de intensa felicidade. Mas estava tão bem, mas tão bem, que naquele momento não precisava de mais nada na vida; de nada. Já passei por momentos assim algumas vezes, e lembro de todos eles, porque foram todas inesquecíveis, e aprendi a identificar, na hora, quando eles acontecem, assim, a troco de nada; será que isso tem um nome? 

E, curioso: em todos eu estava absolutamente só.
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'O que a gente não pode é esmorecer'

Entrevista - Jarbas Vasconcelos:

O GLOBO

'O que a gente não pode é esmorecer'


Adriana Mendes
A frente contra a corrupção vai crescer?

JARBAS VASCONCELOS: O movimento só se consolida e só se expande se a presidente tomar uma medida uniforme com relação a todos os partidos. Não adianta ela fazer o que fez com relação ao Ministério dos Transportes e ficar de faz de contas em relação aos outros. Dilma só consolida essa posição dela, que é uma posição louvável, se ela tiver apoio da sociedade, das entidades, da mídia e do Congresso.

Deveria haver uma medida mais forte por parte de Dilma?

JARBAS: Mais forte e para todos. Ela não pode deixar de lado porque tal partido é grande, ou porque pertence a ele, no caso o PT. Ela tem que enfrentar isso de maneira firme, determinada e com a conduta uniforme. Ela não pode estar com um peso para um e uma medida para outro

Por que é difícil maior adesão de parlamentares?

JARBAS: Primeiro, por acomodação. Segundo, compromisso com cargos, emendas. Não querem contrariar o governo. Acham que fazer parte de uma frente dessas, só depois de consultar a presidente. Mas o que a gente não pode é esmorecer. No combate à corrupção, ela tem de exercer a autoridade dela de forma clara, transparente e linear. No Congresso, uma grande parte que é fisiológica não apoia.

Quatro ministros já caíram, três por denúncias. Dilma está colocando o dedo na ferida?

JARBAS: Para mim, era previsível. Eu tinha para mim mais ou menos essa previsão, porque ela tem um conceito, a conduta e fama de durona. Eu achava que, se ela enveredasse por essa formação dela, essa formação de não conviver com o malfeito... eu acho que em determinados momentos ela iria enfrentar isso. Enfrentar isso tem muitas contradições e muitos problemas para Dilma. Primeiro, porque é uma herança de que ela participou. Ela também criou essa herança. É uma herança maldita que veio de Lula, mas de que ela participou, porque foi chefe da Casa Civil. Ela presenciou (o fato de) que Lula alisava, passava a mão na cabeça de corruptos. Lula convivia bem com mensaleiros, Lula amparou e defendeu os aloprados. Sempre saiu em defesa de Sarney. Na crise de Sarney, ele se colocou à frente dizendo que Sarney era uma pessoa diferenciada. Tudo isso, ela presenciou.

Onde Lula errou?

JARBAS: Ele é marqueteiro. É homem de palanque. E chegou a índices de popularidade incríveis. Lula se considerou, no governo e agora fora do governo, uma pessoa que está acima de tudo. Acima da Constituição, acima da Justiça, acima do Congresso, acima das pessoas. Quando Lula diz que essa questão de formador de opinião pública é uma balela, que não existe, ele incorre em um grande erro. Todo país, toda cidade, todo estado, tem formadores de opinião pública. Ele alcançou uma popularidade tal que se dá o luxo hoje e o desplante de enfrentar TCU (Tribunal de Contas da União), a mídia de um modo geral, de desqualificar denúncias. Ele tinha força para isso. A Dilma não tem ainda. A Dilma está longe, muito longe de chegar a uma posição de Lula. O Lula enveredou por um caminho errado, de proteger. O erro dele foi esse aí.

A corrupção está centrada nos ministérios ou presente também em outros órgãos?

JARBAS: Ela é generalizada. É uma avaliação incorreta dizer que o Lula, o PT, ou os dois juntos inventaram a corrupção. A corrupção sempre existiu. Só que Lula foi benevolente. Lula foi eleito em 2002 em cima de duas bandeiras, de duas pernas: uma perna que era a da ética e outra que era a das mudanças. Lula nem promoveu mudanças e deixou a ética de lado, abandonou a ética.

Dilma está esquentando a cadeira para Lula?

JARBAS: Não, não. Eu acho que ela vai ser candidata. Acho que ele é candidatíssimo, se não fosse, não estaria andando pelo país inteiro. Ele está com um comportamento de candidato. Se ele não quisesse antecipar eleição, ele não estaria andando como está andando, ele estaria mais recolhido como ex-presidente da República. Ele tá em plena campanha! Ele deve estar com isso na cabeça, de voltar. E ela, eu acho que ela está querendo criar um estilo próprio, porque ela não tem como e ela não vai chegar nunca aos índices de popularidade de Lula, que fazia o que queria e a popularidade dele não era sequer arranhada. Eu acho que vai ter um conflito, mais cedo ou mais tarde, é muito cedo ainda, com o desejo dele de voltar à Presidência em 2014 e o desejo dela de permanecer no poder, de querer se reeleger.

Ela disputa então a eleição de 2014?

JARBAS: Ela é candidatíssima. Para isso, ela só tem que fazer o que está fazendo. Ela tem que se diferenciar de Lula. Aí você percebe que é um mundo de contradição. É um mundo de choque. Ela até agora está tirando ministros que eram ligados a Lula, eram indicações de Lula. O (Antonio) Palocci, o (Wagner) Rossi eram pessoas ligadas e indicadas por Lula. Ela sabia que não podia ter uma conduta como teve com relação ao Ministério dos Transportes e mudar a conduta com relação ao PMDB, só porque o PMDB é maior, bem maior do que o PR.

O senhor já declarou que o PMDB é um partido corrupto. Esse é um dos problemas do governo?

JARBAS: Hoje não é nem o PMDB. A corrupção está instalada em todos os lugares. É a política do toma lá, dá cá. Tem uma coisa importante nisso tudo aí, que é a reforma política, que ficou de lado. Nós estamos terminando agosto e entrando em setembro, para fazer PEC, modificar normas eleitorais, a gente tem que fazer até um ano antes da eleição. Esse prazo se extingue daqui a 40 ou 50 dias no máximo, no começo de outubro. Vamos ficar sem reforma política, vamos disputar eleições para o ano, e depois em 2014, com essas regras.

"Não me acho fora de moda nem sou Quixote"

A reforma política não sai?

JARBAS: Não sai porque o Executivo não teve interesse. Ela está repetindo erros de governos anteriores. Não estou nem me referindo a Lula. Ou você faz isso no começo, ou não faz mais. Ela está terminando o 8º mês e não fez. Acabar com coligações e eleições proporcionais, essa história de votar em José e eleger Emanoel, isso beneficia as legendas de aluguel. Esses pequenos partidos que infernizam a vida de qualquer país que queira se livrar da corrupção.

O senhor foi favorável à CPI da Corrupção. É um caminho?

JARBAS: Sinceramente, não. Mas ela tem que ser formalizada. Porque se criou um hábito de que o governo não quer CPI. A CPI da Corrupção é a favor dela (Dilma), ia ajudá-la, já que não quer conviver com corruptos. A corrupção está incorporada à paisagem brasileira. É como se fosse um outdoor. O medo que faz é a população se acostumar com isso.

O que pode ser feito de concreto pela frente suprapartidária?

JARBAS: Tenho algumas ideias. Primeiro, acho que isso tem de ser levado à frente e se aproximar da sociedade organizada. Depois daquela denúncia contra o meu próprio partido, o PMDB, apresentei um projeto de que todas as diretorias financeiras e órgãos de ministérios e de estatais, a diretoria financeira não podia ser indicada por partidos políticos, teria que ser de funcionários de carreira, proibindo a indicação de políticos. Pode ser feito um pente fino no Congresso para levantar os projetos que possam melhorar o combate à impunidade e à corrupção.

A oposição está enfraquecida ou incompetente?

JARBAS: A oposição está muito reduzida e ainda continua incompetente para fazer oposição. A oposição que não se reúne. No Senado, no ano passado, na única vez em que a gente se reuniu formalmente, o núcleo de oposicionistas, a gente conseguiu derrubar a CPMF, que era para reduzir a carga tributária no país. Então, a gente precisa se reunir mais, conversar mais.

O senhor não se acha fora de moda, senador?

JARBAS: Não, não me acho fora de moda, não, e nem quero ser o Quixote. Não tenho formação para isso: o moralista, o homem que tem a bandeira da moralidade. Não quero nada disso. Eu quero fazer aquilo que minha consciência determina, que minha formação dada pelos meus pais explicita em mim.
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Choque de eficiência



Sergio Adeodato
Valor Econômico



Poupar energia não costuma ser o ponto forte de um país como o Brasil, com economia em crescimento e fartura de rios para hidrelétricas. O padrão começou a mudar quando a crise gerada pelo apagão de 2001, resultado da seca que esvaziou reservatórios, acendeu a luz vermelha para os riscos do consumo desmedido. O alerta, hoje estratégico para a competitividade no cenário de mudanças climáticas, mobiliza governo e empresas.

Um plano nacional de eficiência energética recebe os últimos ajustes do Ministério de Minas e Energia (MME) para lançamento nas próximas semanas, prevendo incentivos financeiros e outros subsídios para o setor sair da inércia. "A meta é atingir em 2030 economia de 106 Twh/ano, equivalente à geração de uma usina de Itaipu", anuncia Hamilton Moss de Souza, diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do MME.

"A partir das diretrizes do documento, o próximo passo é o detalhamento de ações e responsabilidades", acrescenta Souza. Ele avalia que o processo de consulta pública, concluído em janeiro, gerou alto grau de comprometimento. "O plano integrará esforços já existentes para priorizar atividades, alocar recursos e abrir novas janelas de oportunidades", explica o diretor. Deverão ser ampliadas iniciativas que nos últimos anos surtiram efeito positivo, como o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), que diferencia eletrodomésticos mais eficientes. "Com planejamento, os recursos podem vir com maior velocidade e abrangência."

"Medidas são urgentes contra o desperdício de eletricidade, responsável por perdas de R$ 12 bilhões por ano no Brasil", adverte José Starosta, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco). A entidade reclama do governo metas mais ambiciosas. A economia projetada no plano em fase final de redação é quatro vezes inferior ao que as empresas se propõem a realizar. "O atual prejuízo resulta da falta de legislação e incentivo", afirma Starosta, acrescentando que "é necessário criar mecanismos para aumentar a eficiência na prática e definir como a conta será paga".

A contar pelos empreendimentos já implantados no país, há viabilidade para uma economia energética de 11%, o que significa 46 Twh por ano, igual ao consumo anual da capital paulista. Com base em dados da Abesco, esse nível de economia seria alcançado mediante investimento de R$ 60 bilhões em três anos. "No entanto, faltam modelos de crédito compatíveis com o setor", afirma Armando Ricardi presidente do conselho da entidade. O BNDES reconhece que o volume de financiamento já liberado para projetos de eficiência energética, no total de R$ 33,4 milhões, está abaixo das expectativas. A linha de apoio está sendo reformulada para ter maior capilaridade e agilidade.

No conceito de "geração virtual", a economia no uso permite "sobras" de energia que podem ser incorporadas por outras atividades. "Falta suprimento para bancar o crescimento econômico e não dá para contar apenas com hidrelétricas", enfatiza Ricardi. No caso das fontes tradicionais, o custo para se colocar 1 MWh a mais no mercado é de R$ 138 - o dobro do necessário para mesma geração via eficiência energética, que deixa de ser algo periférico e tende a incorporar os benefícios já existentes no mercado de energia eólica e biomassa.

O plano do governo prevê medidas de economia no setor público, hoje responsável por cerca de 40% do desperdício de energia no país - espaço a ser explorado pelo negócio da eficiência energética, que movimenta R$ 1,5 bilhão por ano. As empresas do segmento faturam conforme a economia que proporcionam no consumo dos clientes.

"A principal barreira é a Lei Federal 8666, sobre licitações, que precisa ser revisada para permitir contratos remunerados por desempenho", afirma o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP), que lidera o debate sobre o tema no Congresso Nacional. "O novo plano do governo deve ser descentralizado nos municípios e nas ações locais das concessionárias de energia", propõe. Hoje as distribuidoras são obrigadas por lei a aplicar 1% do faturamento líquido no uso racional. "A redução do desperdício poderá chegar a R$ 83 bilhões até 2030, com corte de 25 milhões de toneladas de carbono", diz Jardim, citando estudo da Confederação Nacional da Indústria.

O setor industrial absorve 43,7% da energia elétrica brasileira e medidas regulatórias estão por vir. A Cetesb, agência ambiental paulista, estuda exigir projetos de eficiência para renovação das licenças. "O item já entra na classificação de risco dos bancos", revela Rodrigo Aguiar, da AGES Consultoria, que pilota um programa nacional para modernização e melhoria do consumo em redes hoteleiras, envolvendo investimentos de R$ 500 milhões.

"Se o Brasil relegar o assunto a segundo plano, acomodando-se com a disponibilidade hídrica, perderá oportunidades, com risco de problemas no futuro", adverte Marco Antonio Saidel, da Escola Politécnica da USP, um dos especialistas que contribuíram para elaborar o plano nacional.
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Professoras Rosinhas



RICARDO SEMLER
FOLHA DE SP


É só parar numa escola qualquer, Brasil afora, para ver que professores entram no ramo por idealismo
Os professores brasileiros são vermelhos, marxistas. Como a vasta maioria é mulher, são Rosas de Luxemburgo. Donas Rosinhas. É assim que muitos dos experts em educação enxergam as professoras da rede.
Quando estava para assumir a empresa, em 1978, enfrentei uma greve e levei um susto. O chefe do Departamento Pessoal, um advogado que falava em "priscas eras" e classificava as grávidas de "prenhes", havia chamado a polícia montada.
Lá estavam eles, do alto de puros-sangues ingleses, com cassetetes em punho dispersando os operários. Os nossos operários, com quem eu tomava café à tarde. Nunca me recuperei daquilo.
Marquei para irmos à sede do sindicato dos metalúrgicos. Houve incredulidade dos dois lados. Fizemos a primeira visita de empresários ao sindicato para negociar.
Começamos a entender os porquês e, depois de alguns anos criando credibilidade mútua, ficamos 25 anos sem greves.
Basta rever estereótipos. Também com os professores.
Depois que a linha de montagem esquartejou o currículo, o sistema escolar emburrecido fez nascer uma máquina de moer ideais.
Perguntei aos experts se estudos demonstram a preponderância de socialistas. Eles explicam que há pesquisas, das Unescos da vida, nas quais os professores respondem que a igualdade é mais importante do que a liberdade. E censos em que declaram que querem formar cidadãos questionadores, que mudem a sociedade.
Para esses pesquisadores, tudo isso é indício de esquerdismo, essa terminologia antiquada.
Ora, quem quer alunos ativos na tentativa de melhorar o mundo é idealista. E qualquer neoliberal deveria querer o mesmo. Ou o mundo está bem resolvido e só interessa preparar a meninada para o tal do mercado?
É só parar numa escola qualquer, Brasil afora, para saber que os professores entraram no ramo por idealismo. O ideal de ajudar a formar pequenos seres, o de apoiar e acompanhar o desenvolvimento mágico que leva cidadãos ao mundo por meio de mãos cuidadosas. É uma função tribal e bonita.
Mas, com secretários pressionando por cortes, pais que depositam os filhos no prédio e somem, métodos que mudam sempre, reciclagem, horários quadrados e dezenas de crianças que não querem estar lá, só se apoiando em um sindicato.
Não tem nada de esquerdismo, mesmo quando está sendo liderado por socialistas. É que os ideais dos professores não resistem a tanto encaixotamento emburrecedor.
Que se abra esta caixa de pandora -dentro, há donas Rosas que são mães do conhecimento e da sabedoria infantis. E não professores vermelhos que precisam ser dispersados a cavalo.
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