Xico Graziano
O Estado de S. Paulo
Quem não se comunica se estrumbica. O conselho do saudoso Chacrinha parece ter atingido a turma da roça, acostumada a levar paulada da opinião pública. Surgiu uma campanha de mídia para valorizar a agricultura. Tomara que funcione.
"Sou agro", diz o mote principal da campanha, que, segundo o ex-ministro Roberto Rodrigues, articulador do movimento, concretiza uma ideia cultivada há tempos. Ferrenhamente, ele defende, com conteúdo e graça, a necessidade de mostrar ao cidadão a importância da agricultura na vida da sociedade. Comunicação, afinal, é a alma do negócio.
Ninguém valoriza o que desconhece. O difícil jogo da mensagem começa por esclarecer a força econômica do campo. O Brasil deixou de ser essencialmente agrícola. Mas sua agropecuária movimenta um complexo produtivo que, desde antes da roça até o consumo, representa cerca de um quarto das riquezas do País.
O dinamismo do agro tem superado a média nacional. Entre 1980 e 2008, o PIB agropecuário cresceu à média de 3,8% ao ano, enquanto o PIB geral se expandiu à taxa de 2,8%. Valiosa, e desconhecida, informação. No interior do Brasil, quando a agricultura vai bem, o comércio se movimenta, o emprego se aquece, as pessoas se alegram.
Assusta o mundo o Brasil agropecuário. O saldo das exportações menos importações gerou, ano passado, superávit de US$ 61 bilhões. Muita gente não sabe disso. São, porém, as exportações do agronegócio que pagam a conta das mercadorias importadas. Sem as divisas oriundas da soja, de carnes, café, açúcar, suco de laranja, frutas, celulose, o padrão de consumo dos brasileiros estaria bem abaixo do atual. E a inflação, mais elevada.
Sobram desempregados nos grandes centros urbanos. Nas movimentadas regiões agrícolas, ao inverso, faltam trabalhadores para a faina, como agora na colheita nos cafezais mineiros e capixabas. Em todo o Centro-Oeste, requerem-se operadores de máquinas e gerentes de produção, com salários que dobram a média nacional. Chega a ser surpreendente.
Nada disso aconteceria sem a incrível modernização tecnológica que transformou a produção agropecuária nos últimos 30 anos. Mas o passado condena. O brilho da modernidade rural se ofusca nas reminiscências do coronelismo e do escravismo, somadas às do desmatamento histórico, marcas indeléveis cravadas nas costas dos fazendeiros.
Aqui reside o grande desafio do marketing rural: superar a imagem negativa herdada do sistema latifundiário, substituindo os traumas idos pelas benesses presentes. Difícil jogo da memória coletiva.
Novos obstáculos se criaram, obviamente, pelas luzes da urbanização. Rápido demais, no processo do êxodo rural se gerou uma espécie de rejeição ao modo antigo de vida, depreciando os pés sujos, que ficaram para trás. Infelizmente, o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, mais alguns filmes de Mazzaropi destruíram a reputação do homem do campo. Uma tragédia cultural.
Começa, recentemente, a ser vencida essa sina. Em face dos dramas da violência e da poluição, famílias retornam ao interior, encontrando bom emprego e melhor qualidade de vida. Jovens citadinos vestem-se de xadrez para agradar às meninas nas festas de peão boiadeiro. Chácaras servem de palco para o bom churrasco do fim de semana campestre. Turismo de aventura se embrenha nas matas. Revaloriza-se o espaço rural.
Está correta a campanha "Sou agro" ao destacar o vínculo, geralmente inconsciente, das pessoas com as coisas da terra. Começa pelo alimento. Parece banal, mas muita gente perdeu a noção da labuta rural no provimento da própria mesa. Alimentos processados e embalados escondem sua verdadeira origem.
Arroz dá em árvore ou no cacho? Brincadeiras à parte, falta transmitir conhecimentos básicos para mostrar que o labor agrário se espraia pela sociedade. Os jovens, certamente, pouco se lembram dos cotonicultores ao vestirem seus cômodos jeans. Muito menos os santistas sabem que aquele memorável gol do Neymar, na Vila Belmiro, contra o Flamengo contava com a presença da pecuária no couro da bola de futebol.
Na cevada que fermenta a cerveja, no látex da seringueira que estica a camisinha, na celulose do eucalipto que fabrica o caderno escolar, na sola do sapato, no tanque de combustível do carro, no xampu, no chiclete, por onde se procura facilmente se encontram, transfigurados em mercadorias, rastros da agropecuária.
A turma da roça está feliz, até mesmo orgulhosa, escutando no rádio e vendo na televisão atores famosos falando bem do seu mundo. Em geral, nos noticiários, quando sai assunto sobre a agropecuária, só ressalta o lado negativo. E nas novelas, caricaturas ridículas obrigam jovens atores ao linguajar caipira sem nunca terem eles visto uma galinha na vida.
Eu desconheço o resultado que essa campanha de mídia agora trará. Mas de uma coisa tenho certeza: as lideranças da agropecuária também precisam ajudar a melhorar a sua imagem na sociedade. Começa pela renovação, das posições e dos antigos discursos. Deixem os jovens ocupar o seu lugar.
Não custa, também, acertar o vocabulário. Não me refiro ao linguajar do erre carregado. Falo do cuidado com os termos. Noutro dia, por exemplo, lá em Ribeirão Preto, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, empolgado, desatou a discursar: "Aqui está a cadeia do café, ali vejo a cadeia do etanol, lá a cadeia do boi...". Coisa mais pejorativa!
Cadeia é lugar de bandido. Agronegócio já anda uma palavra estigmatizada. Agora, referir-se à cadeia produtiva excluindo seu complemento adjetivado complica mais. Economiza palavra, mas destrói a comunicação da turma da agropecuária.
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