A vantagem de uma sociedade ter muitos escritores de porte e densidade é que por intermédio deles podemos absorver, de forma sutil e elegante, os fenômenos sociais ao nosso redor.
Isso não vai dar muito certo
João Ubaldo Ribeiro
O Estado de S.Paulo
Os problemas brasileiros, como não podia deixar de ser, têm repercutido bastante em Itaparica. Bem verdade que nem sempre essa repercussão coincide com as vigentes em outras partes do País. Toninho Leso, por exemplo, ficou grandemente surpreendido, quando lhe informaram que chamar alguém de corrupto não é um elogio. Como, não é um elogio? Não se deve elogiar uma pessoa que nasceu pobre, teve pouco estudo e hoje é rica milionária, recebida em toda parte e chamada de doutora, ou senão Excelência? Quem não elogia é porque não chegou lá e tem inveja. Se o sujeito se elegeu é porque queria se fazer na vida, como todos os outros que também se elegeram. Agora que ele se fez, somente a inveja é que pode explicar essa raiva que têm deles.
Tentou-se esclarecer que o corrupto subiu na vida, sim, pelo menos em matéria de dinheiro, mas subiu roubando dinheiro público. Toninho, que tem esse apelido de Leso, mas de vez em quando surpreende pela agilidade de raciocínio, retrucou que, se o dinheiro era público, não tinha dono e, assim, nada mais justo que o primeiro que pudesse metesse a mão nesse dinheiro - e era assim desde que inventaram dinheiro, o resto é conversa. "Eu acho bonito quando vejo esses corruptos passeando aqui de lancha americana, cheios de mulheres, tomando o uísque deles e desfrutando da vida", disse ele. "Meus filhos, Deus ajudando, vão ser todos corruptos, vou querer pelo menos um, minha família vai melhorar. Quero ver meu filhão lá nos salões, um corrupto respeitado por todos, bem-sucedido, bonitão, cheio das mulheres, esse vidão de corrupto mesmo... O sujeito que não tem esse grande ideal não é bom pai de família."
Jorginho Leso, irmão de Toninho, também leso e raramente visto sem pelo menos umas duas ucas no juízo, aproveitou para dar sua opinião sobre uma conversa que ouvira, a respeito de algemarem corruptos presos. Contaram a ele que muita gente, até a presidenta, ficou chateada com as algemas. Ele concordou e observou que jogar ovos nas pessoas suja tudo e não adianta nada. Além disso, é um desperdício de ovo que podia muito bem estar alimentando o povo. Quando lhe disseram que algema não tinha nada a ver com gema de ovo e era um instrumento para acorrentar as mãos dos presos, ele não se deu por vencido. Pra quê, pra daí a pouco soltarem de novo? Só se for para treinar a polícia no uso da chave - fecha-abre, fecha-abre, fecha-abre, pra que tanto treinamento de chave? O verdadeiro corrupto nunca é preso e, se é, soltam logo, é uma pessoa de bem, normal, que não vai ser confundida com qualquer ladrão pé de chinelo.
Jacob Branco, que ainda não entrara em seu horário de discurso e ouvira tudo calado, sentiu-se na obrigação de manifestar-se. Os nobres amigos estavam muito enganados, a corrupção está deixando de ser uma atividade lucrativa no Brasil, os tempos estão mudando. Longe dele ser um governista, pois toda a ilha conhecia sua reputação de independência, mas a verdade era que a presidenta estava se revelando muito disposta na briga contra a corrupção. Era do conhecimento geral como ela vinha fazendo uma faxina no governo, faxina séria, de gente graúda. E a faxina ia continuar.
- A faxina vai o quê? - a voz roufenha e exaltada de Zecamunista se ouviu à entrada do bar.
- Vai continuar.
- Vai continuar coisa nenhuma, Toninho Leso é que tem razão, o certo é seguir a carreira de corrupto e é muito democrático, qualquer um pode procurar um jeito, que sempre vai achar, nem que seja desviando cestas básicas e outras mixarias. Ela acabou de passar a escova nuns dois ministérios. Depois tem que vir o pente normal. Depois o pente-fino e um dilúvio de piolhos. E depois a desinfecção, porque senão reinfecta tudo rapidamente. Isso em cada um dos não sei quantos ministérios que ela mesma não lembra de cor. Para não falar nas estatais e em outras áreas do governo. Nem que ela tivesse dezoito mandatos seguidos, ia dar. Mas esse não é o maior problema. O maior problema é a famosa base do governo. Já estão cansando de avisar a ela que vão jogar duro, se ela não parar com esse negócio de faxina e ameaçar os empregos e esquemas deles e dos apadrinhados. Você já ouviu vários dizendo "não faxina nada aí", não já?
- Mas também não é assim, eu também soube que houve senadores que formaram uma frente para apoiar as faxinas que ela fizer.
- Eu também já soube, os nove mosqueteiros não é? Nove contra mais de cinquenta. Isso é para compor o quadro, é como a folha de parreira de Eva.
- Mas pode ser que haja adesões.
- É, pode ser. Mais umas três. Meta na sua cabeça, nenhum desses partidos está no governo para cumprir programa nenhum ou seguir ideologia nenhuma, eles estão lá para defender o deles e o do pessoal deles. E aí o negócio é blindar a base aliada, como eles dizem, não pode pegar ninguém ligado à base. Ou blinda ou não consegue aprovação nem para requerimento, ela pode até ser valente, mas não é mágica. Mas tem uma novidade que eu acho mais importante do que todas essas. Você não leu nos jornais, não? Foi criado o Instituto Lula.
- Eu soube. E daí?
- É o que eu também pergunto. Pergunto muito.
- Ele disse que é a nova plataforma política dele.
- É aí que mora o perigo. Pode continuar com sua fé na faxina, mas vamos deixar o tempo correr e ver se quem vai mandar na faxina é a faxineira.
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