terça-feira, 23 de agosto de 2011

Que faz o Brasil com a Síria



Brasil

Sergio Leo
Valor Econômico


Opresidente escolheu a dedo quem o sucederia, mas sua política externa deixou um histórico de atritos com os Estados Unidos e uma malvista aproximação com o chamado Terceiro Mundo, que incluiu grande complacência do Brasil com ditadores em regiões como a África. Estamos falando de Ernesto Geisel, penúltimo presidente do regime militar, artífice da abertura democrática "lenta gradual e segura" no Brasil. Geisel se queixava de que, no afã de defender os direitos humanos, tema sensível ao eleitorado americano, o governo dos EUA atrapalhava quem, como ele, enfrentava elementos da "linha dura", para obter a democratização.

As atribulações da diplomacia brasileira com questões de direitos humanos atravessadas entre o Brasil e grandes potências não são novidade. Mas já houve até caso em que o apoio brasileiro a um ditador ajudou a reforçar laços com os EUA e evitar uma intervenção americana, como conta o ex-ministro de Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia, no livro de memórias "Brasil e os Ventos do Mundo": foi graças à diplomacia brasileira que, nos anos 80, lançaram-se programas de apoio ao governo do ditador Dersi Bouterse em troca da expulsão de diplomatas cubanos que incomodavam os EUA. Afastou-se, assim, a ameaça indesejável de ação militar americana na vizinhança do Brasil.

Também por pragmatismo, o Brasil, como gostam de lembrar os aliados do atual governo, concedeu a mais alta condecoração diplomática brasileira ao ditador do Peru Alberto Fujimori - enquanto mediava com êxito uma disputa violenta entre Peru e Equador, por questões de fronteira. O estilo da diplomacia brasileira, nas Nações Unidas, que o experiente embaixador Georges Lamazière definiu como "prudente e comedido" já motivou acusações aos diplomatas de "gaullismo" - o Brasil insistiria em marcar independência, como a França pós-guerra do general De Gaulle; mas sem mostrar a responsabilidade esperada de um líder internacional.

Diplomacia brasileira pode ficar com parte da conta do fracasso

O que raramente houve foram manifestações informais de cordialidade com mandatários autoritários, como houve com frequência na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva - e não se repetiram com a sucessora, Dilma Rousseff. E, diferentemente do passado, porém, a diplomacia hoje é seguida com ânimo bem mais crítico no país, seja pelo interesse crescente da midia nacional pelas relações externas, seja pelo maior ativismo de atores não-governamentais, entidades de defesa dos direitos humanos ou do meio ambiente.

Mahmoud Ahmadinejahd não é Geisel; Bashar Assad, tampouco. De nenhum deles parte uma estratégia de saída do regime que encabeçam. Ahmadinejahd, como comprovaram os vazamentos de telegramas da diplomacia americana pelo site Wikileaks, nem sequer teria poder para tanto: chegou a ser esbofeteado e acusado de excessivamente brando por um dirigente da Guarda Revolucionária, que, com os aiatolás, detém o verdadeiro poder no Irã.

Assad promete democracia, mas, nas conversas com diplomatas, como a que teve com enviados do Brasil, Índia e África do Sul, há duas semanas, agita o espantalho do radicalismo islâmico, que poderia assumir o poder em caso de queda do regime ditatorial. Ele diz que governos da região têm características anti-democráticas não vistas na Síria, como a repressão da Arábia Saudita às mulheres, proibidas até de guiar automóvel.

A incerteza sobre o que virá após Assad é um dos argumentos apontados pelo governo brasileiro para defender uma transição "negociada" para a democracia, e diplomatas citam preocupações da comunidade brasileira na Síria e de imigrantes sírios e libaneses no Brasil com uma possível perda do caráter laico do regime político sírio.

O governo brasileiro também argumenta que sanções e intervenções não são garantia de sucesso contra ditadores, nem de melhoria das condições da população. O problema na insistência pelas negociações e contra sanções e intervenção externa - como costumou fazer o Itamaraty nas Nações Unidas- é que, na Síria, como foi com a Líbia e com o Irã, os governantes locais parecem apenas ganhar tempo, para aplastar a oposição e seguir no poder. As recentes ações militares sangrentas de Assad reprisam ação semelhante de Gadafi, na Líbia.

O Brasil segue uma tradição polêmica ao se opor a intervenções militares e buscar todas as alternativas de negociação antes de medidas severas, como sanções. No caso da Síria, não se pode nem alegar motivação econômica: as exportações aos sírios se concentram em açúcar e café, que não sofreriam com um embargo; e mais de 90% das importações são de nafta -parcela ínfima do consumo nacional.

Se, de fato, sanções se mostram ineficazes, a incapacidade da negociação de oferecer saídas criativas e, muito menos, de obter resultados ameaça debitar na conta da diplomacia brasileira parte do fracasso da comunidade internacional em lidar com o esfacelamento sangrento de regimes autoritários. Não é um bom saldo para um governo que deseja afirmar sua posição no cenário internacional.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras
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