Caio Megale
Valor Econômico
Durante boa parte da década passada, a União Europeia foi considerada um grande sucesso. No entanto, a crise financeira de 2008 nos Estados Unidos acabou revelando que o aparente sucesso tinha bases frágeis. O excesso de endividamento e a perda de competitividade gerada pelo aumento dos custos de produção e pelo câmbio fixo com relação a seus parceiros europeus levou os países periféricos à beira da bancarrota.Em geral, a crise europeia é muito semelhante à da América Latina nos anos 1990. O excesso de endividamento tem origem no final da década de 70, quando os países da região eram inundados pelos petrodólares. E se agrava quando a hiperinflação é domada e o consumo explode. O problema da falta de competitividade também estava presente. Por um lado, os anos de inflação alta minaram os investimentos de longo prazo, reduzindo o crescimento potencial. Por outro, o câmbio fixo e sobrevalorizado - ingrediente comum aos planos de estabilização que marcaram o período - prejudicava as exportações.
Na América Latina dos anos 1990, os problemas eram tão grandes que pareciam não ter solução. No entanto, passados 20 anos, hoje crescemos a taxas robustas, com contas externas em ordem.
A Europa pode aprender com as lições da América Latina. Mas primeiro precisa adequadamente entender o seu problema. O primeiro e talvez mais importante ponto é: países como Grécia, Portugal e mesmo Espanha não são mais, pelo menos do ponto de vista de crédito, países desenvolvidos. Os anos de bonança fizeram muitos acreditarem que o risco de crédito da Espanha, por exemplo, era igual ao da Alemanha. E, quando se trata de crédito, países desenvolvidos têm algumas regalias. Pelo histórico favorável, sua taxa de juros varia pouco diante de mudanças em seus dados fiscais ou de variações de humor do mercado mundial. Já os juros de emergentes são voláteis e reagem muito mais a estes fatores.
Um exercício econométrico simples embasa o argumento acima. Se dividirmos os últimos 10 anos em dois períodos, o primeiro de 2000 a 2006 - período da bonança do euro - e o segundo depois da crise, entre 2007 e 2010, percebemos que o comportamento do spread dos juros espanhóis é bem distinto. No primeiro, ele é explicado basicamente por uma constante e em alguma medida pela evolução da relação dívida/PIB do país. Variáveis de aversão ao risco, como o VIX (volatilidade implícita da bolsa americana) não são relevantes. Por outro lado, no segundo período, o VIX passa a ser altamente significativo, e a sensibilidade dos juros à relação dívida/PIB aumentou mais de quatro vezes. Ou seja, a Espanha (e Grécia, Portugal...) virou uma nação emergente e deve ser encarada como tal.
Como os emergentes da América Latina saíram da crise? Em primeiro lugar, tiveram que passar por uma relevante reestruturação de sua dívida externa, com o chamado Plano Brady. A última proposta dos chefes de estado para a Grécia vai nessa direção, mas o tamanho da reestruturação é pequeno. E o movimento tem que abranger pelo menos Irlanda e Portugal.
Em segundo, houve um amplo programa de aumento de produtividade, com privatizações e saneamento do sistema financeiro. Essas ações costumam ser impopulares, mas são necessárias para devolver a capacidade de crescimento do país.
Finalmente, é imperativo um profundo ajuste fiscal, que garanta estabilidade da relação dívida/ PIB. Uma crítica frequente é que o corte de gastos iria aprofundar ainda mais a recessão, piorando o quadro. Mas em países emergentes essa lógica nem sempre se aplica. Em 1999, o Brasil reduziu seu déficit fiscal em 4% do PIB e, ao contrário das projeções iniciais que temiam uma forte recessão, o PIB na verdade se expandiu 0,5%. É que esses países vivem no que chamamos de dominância fiscal, ou seja, se as contas públicas pioram, os juros sobem, piorando o crescimento. Desta forma, um ajuste colaboraria para reduzir os juros e maior confiança de investidores no mundo todo, compensando boa parte do efeito contracionista do corte de gastos.
Em suma, a Europa pode e deve se espelhar nas saídas de sucesso da América Latina para sua crise. No entanto, alguns alertas tornam o quadro europeu mais complicado. Em primeiro, parte importante do ajuste de competitividade nos latino-americanos foi com a desvalorização da taxa de câmbio. Para os europeus, essa alternativa é bem mais traumática, pois envolveria a saída da zona do euro ou uma deflação significativa de preços e salários.
Em segundo, a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 provocou uma revolução nos mercados de commodities, cujos preços passaram a se valorizar sistematicamente. Como os países da América do Sul são importantes produtores de uma série de commodities, o movimento deu a força propulsora final para alavancar o crescimento da região e afastar definitivamente o fantasma da crise dos anos 1990. Não é fácil imaginar, no mundo de hoje, um movimento parecido que possa ajudar a Europa.
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