segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Choque de eficiência



Sergio Adeodato
Valor Econômico



Poupar energia não costuma ser o ponto forte de um país como o Brasil, com economia em crescimento e fartura de rios para hidrelétricas. O padrão começou a mudar quando a crise gerada pelo apagão de 2001, resultado da seca que esvaziou reservatórios, acendeu a luz vermelha para os riscos do consumo desmedido. O alerta, hoje estratégico para a competitividade no cenário de mudanças climáticas, mobiliza governo e empresas.

Um plano nacional de eficiência energética recebe os últimos ajustes do Ministério de Minas e Energia (MME) para lançamento nas próximas semanas, prevendo incentivos financeiros e outros subsídios para o setor sair da inércia. "A meta é atingir em 2030 economia de 106 Twh/ano, equivalente à geração de uma usina de Itaipu", anuncia Hamilton Moss de Souza, diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do MME.

"A partir das diretrizes do documento, o próximo passo é o detalhamento de ações e responsabilidades", acrescenta Souza. Ele avalia que o processo de consulta pública, concluído em janeiro, gerou alto grau de comprometimento. "O plano integrará esforços já existentes para priorizar atividades, alocar recursos e abrir novas janelas de oportunidades", explica o diretor. Deverão ser ampliadas iniciativas que nos últimos anos surtiram efeito positivo, como o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), que diferencia eletrodomésticos mais eficientes. "Com planejamento, os recursos podem vir com maior velocidade e abrangência."

"Medidas são urgentes contra o desperdício de eletricidade, responsável por perdas de R$ 12 bilhões por ano no Brasil", adverte José Starosta, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco). A entidade reclama do governo metas mais ambiciosas. A economia projetada no plano em fase final de redação é quatro vezes inferior ao que as empresas se propõem a realizar. "O atual prejuízo resulta da falta de legislação e incentivo", afirma Starosta, acrescentando que "é necessário criar mecanismos para aumentar a eficiência na prática e definir como a conta será paga".

A contar pelos empreendimentos já implantados no país, há viabilidade para uma economia energética de 11%, o que significa 46 Twh por ano, igual ao consumo anual da capital paulista. Com base em dados da Abesco, esse nível de economia seria alcançado mediante investimento de R$ 60 bilhões em três anos. "No entanto, faltam modelos de crédito compatíveis com o setor", afirma Armando Ricardi presidente do conselho da entidade. O BNDES reconhece que o volume de financiamento já liberado para projetos de eficiência energética, no total de R$ 33,4 milhões, está abaixo das expectativas. A linha de apoio está sendo reformulada para ter maior capilaridade e agilidade.

No conceito de "geração virtual", a economia no uso permite "sobras" de energia que podem ser incorporadas por outras atividades. "Falta suprimento para bancar o crescimento econômico e não dá para contar apenas com hidrelétricas", enfatiza Ricardi. No caso das fontes tradicionais, o custo para se colocar 1 MWh a mais no mercado é de R$ 138 - o dobro do necessário para mesma geração via eficiência energética, que deixa de ser algo periférico e tende a incorporar os benefícios já existentes no mercado de energia eólica e biomassa.

O plano do governo prevê medidas de economia no setor público, hoje responsável por cerca de 40% do desperdício de energia no país - espaço a ser explorado pelo negócio da eficiência energética, que movimenta R$ 1,5 bilhão por ano. As empresas do segmento faturam conforme a economia que proporcionam no consumo dos clientes.

"A principal barreira é a Lei Federal 8666, sobre licitações, que precisa ser revisada para permitir contratos remunerados por desempenho", afirma o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP), que lidera o debate sobre o tema no Congresso Nacional. "O novo plano do governo deve ser descentralizado nos municípios e nas ações locais das concessionárias de energia", propõe. Hoje as distribuidoras são obrigadas por lei a aplicar 1% do faturamento líquido no uso racional. "A redução do desperdício poderá chegar a R$ 83 bilhões até 2030, com corte de 25 milhões de toneladas de carbono", diz Jardim, citando estudo da Confederação Nacional da Indústria.

O setor industrial absorve 43,7% da energia elétrica brasileira e medidas regulatórias estão por vir. A Cetesb, agência ambiental paulista, estuda exigir projetos de eficiência para renovação das licenças. "O item já entra na classificação de risco dos bancos", revela Rodrigo Aguiar, da AGES Consultoria, que pilota um programa nacional para modernização e melhoria do consumo em redes hoteleiras, envolvendo investimentos de R$ 500 milhões.

"Se o Brasil relegar o assunto a segundo plano, acomodando-se com a disponibilidade hídrica, perderá oportunidades, com risco de problemas no futuro", adverte Marco Antonio Saidel, da Escola Politécnica da USP, um dos especialistas que contribuíram para elaborar o plano nacional.
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