Gláucio Ary Dillon Soares
Correio Braziliense
Pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iuperj)
A hegemonia militar tem preço. Não sai barato. Os Estados Unidos gastaram, em 2010, US$ 698 bilhões com os militares, a preços constantes de 2009. Isso é muito ou pouco? O leitor pode responder a essa pergunta de posse de alguns dados.
Quem levanta, confere e organiza esses dados? Várias agências, mas talvez a mais confiável seja a Sipri, localizada em Estocolmo. De acordo com ela, o segundo colocado nos gastos é a China, com US$ 114 bilhões. Ou seja, menos de seis vezes. Mesmo assim, a China também gasta muito em cifras absolutas: aproximadamente o dobro da França, o terceiro país mais gastador, exatamente o dobro do Reino Unido e mais do dobro da Rússia, outrora parte central da poderosa, ameaçadora e, comparativamente, pobre União Soviética.
Depois dos Estados Unidos, os 10 países que mais gastam, em termos absolutos (sempre em dólares constantes de 2009), são a China, a França, o Reino Unido, a Rússia, o Japão, a Alemanha, a Itália, a Arábia Saudita, a Índia e o nosso Brasil. Gastamos mais do que a Coreia do Sul, o Canadá, a Espanha.
Pois bem, esses 10 países (inclusive a China), somados, representam US$ 523 bilhões menos do que os Estados Unidos. Gastam 75% do que os Estados Unidos gastam.
Como se paga a hegemonia militar? Todos os anos ela custa quase 5% do PIB. Noutros países desenvolvidos ela pesa menos: de 1% no Japão a 2,7% no Reino Unido. Ela se paga, parcialmente, aumentando a dívida pública e, também, parcialmente, reduzindo outros gastos, alguns considerados mais importantes. Mas isso tem custos.
Em 5 de agosto, o crédito do governo dos Estados Unidos baixou, pela primeira vez na história, de AAA para AA+. É um sistema usado pela Standard & Poor"s, e a baixa não quer dizer que os Estados Unidos não pagarão suas dívidas. Em parte, o problema é político, porque a rolagem, que era quase automática, só foi aprovada na última hora, numa jogada claramente política. Mas o problema existe.
A dívida pública não nasceu com Obama; ela aumentou nas guerras mundiais e foi gradualmente reduzida depois. Como percentagem do PIB, a dívida cresceu aceleradamente nas décadas de 1980 e 1990: triplicou entre 1980 e 1990. A guerra fria foi uma das causas. Diminuiu quando ela terminou e voltou a crescer. Em 2008, a dívida pública tinha chegado a US$ 10,3 trilhões ou 10 vezes o nível de 1980. O crescimento da dívida fez com que um teto fosse aprovado, mas passou a ser mudado de acordo com as conveniências — todos os anos e sem problemas. Este ano foi negociado e renegociado, com intenções que, para mim, são claramente eleitoreiras.
Há outros custos, no meu entender, muito maiores, medidos em anos de vida perdidos e em sofrimento. O NIH é, de longe, a maior financiadora de pesquisas na área da saúde. Podemos ler no site do NIH: "o NIH investe US$ 32,2 bilhões anualmente na pesquisa médica para o povo americano." Menos do que gastam anualmente com as Forças Armadas.
Tomemos o câncer, o segundo maior assassino da população americana, como exemplo: nos Estados Unidos, o National Cancer Institute (NCI), parte dos National Institutes of Health and the Department of Health and Human Services, coordena muitas pesquisas sobre o câncer e uma das instituições que, no setor público, financiam pesquisas sobre o câncer.
O NCI gasta pouco menos de US$ 5 bilhões por ano com pesquisas sobre o câncer, ou 0,7% dos gastos militares. Isso significa que os gastos militares de um ano equivalem aos gastos com pesquisas sobre câncer do NCI durante 170 anos. O orçamento anual do NCI é da mesma ordem de grandeza da construção de um porta-aviões, o Ronald Reagan. Nos Estados Unidos, aproximadamente 1.500 pessoas morrem de câncer todos os dias; por ano são perto de 570 mil pessoas — mais de meio milhão. Em toda a guerra do Iraque, até 18 de julho recente, morreram em combate 3.529 soldados americanos. O equivalente a pouco mais de dois dias do número de mortes de cancerosos nos Estados Unidos, onde uma em cada quatro pessoas deverá morrer de câncer.
Pesquisa e tratamento ajudam! Em 1975-1977, de cada 100 pessoas diagnosticadas com câncer, 50 estavam vivas cinco anos mais tarde; mas entre os diagnosticados entre 1998 e 2005, 68% estavam vivos cinco anos depois. Um ganho de 13% em um quarto de século. Milhões de vidas. Quantos sobreviveriam se houvesse um corte de 10% nos gastos militares, e esses recursos (quase US$ 70 bilhões anuais) fossem transferidos para a pesquisa, prevenção e tratamento do câncer? Afinal, estaríamos gastando 14 vezes mais todos os anos. O meu chute: em 10 anos vários cânceres estariam na categoria de doenças crônicas e muitos outros teriam cura bem mais fácil do que agora. Milhões de vidas americanas seriam salvas em uma década. É, ser potência custa caro! Em vidas humanas também.
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