FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo
Uma em cada quatro crianças apresenta uma forma branda de anemia na primeira infância. Mesmo na Europa, essa taxa é de 5%. Como a falta de ferro durante os primeiros anos de vida pode prejudicar o desenvolvimento neurológico das crianças, essa alta frequência de anemia infantil preocupa os pediatras.
Agora, um grupo de médicos suecos descobriu uma maneira simples e barata de eliminar o problema. Basta cortar o cordão umbilical três minutos mais tarde.
Toda criança nasce ligada à placenta pelo cordão umbilical. Nos instantes iniciais de sua vida fora do útero, ela ainda recebe o oxigênio necessário por meio do cordão umbilical. Logo em seguida, começa a respirar e, a partir desse momento, seu suprimento de oxigênio deixa de vir da placenta e passa a vir diretamente da atmosfera.
Em seguida, um mecanismo fisiológico contrai o cordão umbilical, interrompendo o fluxo de sangue entre o placenta e o recém-nascido, e ele se torna independente da mãe. Nos hospitais modernos, o médico coloca um clipe e corta o cordão imediatamente após o parto.
Nos outros mamíferos e nos partos fora do ambiente hospitalar (em tribos indígenas, por exemplo), o rompimento do cordão umbilical leva mais tempo. As contrações continuam, a placenta é expelida e somente depois o cordão umbilical se rompe ou é cortado pela mãe.
Faz muitos anos que se sabe que nos primeiros minutos após o parto, antes do fluxo de sangue ser interrompido pela contração natural do cordão, um volume razoável de sangue passa da placenta para o recém-nascido. Nos seres humanos, esse volume chega a ser 100 mililitros, o equivalente ao de uma xícara de leite.
Será que o ato de colocar um clipe e cortar o cordão umbilical imediatamente após o nascimento não estaria privando as crianças dessa xícara extra de sangue? E será que não seria essa a causa para a anemia observada em um número tão grande de crianças?
Espera. Para testar a ideia, os médicos atrasaram o momento em que o médico coloca o clipe e corta o cordão umbilical. Foram estudados 400 partos, divididos em dois grupos. Nas mulheres do primeiro grupo, o cordão foi cortado dez segundos após o nascimento, como é a prática usual. No segundo grupo, os médicos esperavam 180 segundos após o nascimento, antes de colocar o clipe e cortar o cordão umbilical.
As mulheres foram incluídas em cada um dos grupos por sorteio, na hora em que chegavam ao hospital. Após o parto, as crianças de cada grupo foram acompanhadas por quatro meses. No grupo de crianças em que o cordão foi cortado imediatamente após o nascimento, 6,3% apresentavam uma anemia leve dois dias após o parto e 5,7% ainda tinham o quadro quatro meses após o nascimento. No grupo em que os médicos esperaram três minutos antes de cortar o cordão umbilical, somente 1,2% apresentava anemia aos dois dias e, mais impressionante, somente 0,6% tinha aos 4 meses - uma redução de quase dez vezes no número de crianças anêmicas aos 4 meses.
Esse resultado demonstra que manter o recém-nascido ligado ao cordão umbilical por mais três minutos pode resolver grande parte do problema da anemia infantil. Mas isso depende de esse novo procedimento ser adotado nos hospitais. Um experimento simples, baseado em uma ideia também simples, que pode resolver um problema importante. Ciência de primeira.
Mas o mais interessante é compreender por que os médicos decidiram que o procedimento correto seria cortar o cordão imediatamente após o nascimento. Em partos complicados, existem muitas razões para cortar imediatamente o cordão, mas ninguém conseguiu me explicar por que esse procedimento foi adotado como padrão nos partos absolutamente normais.
Durante milhões de anos, os primatas (e todos os outros mamíferos) viveram sem clipes e tesouras, em um ambiente em que o cordão era rompido muito mais tarde. Não seria de se esperar que o processo evolutivo tivesse, ao longo do tempo, ajustado corretamente o momento em que o cordão naturalmente interrompe o fluxo de sangue entre a placenta e o recém-nascido?
Ao decidir que o correto é cortar imediatamente o cordão, os médicos da época não consideraram a possibilidade de existir uma boa razão para o processo de seleção natural ter "escolhido" deixar o recém-nascido passar seus primeiros três minutos ainda ligado à mãe. Darwin deveria ser estudado nas escolas de Medicina.
MAIS INFORMAÇÕES: EFFECT OF, DELAYED VERSUS EARLY UMBILICAL CORD CLAMPING ON NEONATAL, OUTCOMES AND IRON STATUS AT, 4 MONTHS: A RANDOMISED, CONTROLLED TRIAL. BRITISH, MEDICAL JOURNAL, DOI:10.1136/BMJ.D7157, 2011
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário