JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo
Finalmente caiu a ficha, como se diz no popular. A lentidão da economia e o fraco desempenho da indústria detonaram um sentimento de urgência nunca visto entre as autoridades governamentais e, mesmo, entre as lideranças setoriais. O triunfalismo e o vício de colocar a culpa de tudo nos "inimigos", internos e externos, foi substituído pela aceitação, mais ou menos, explícita, dos seguintes pontos:
1) A demanda agregada segue mais ou menos bem na economia brasileira, especialmente no que tange ao consumo das famílias. E ela vai se elevar, ao longo do ano, com os estímulos já concedidos.
2) A agropecuária brasileira avança bastante, assim como minérios e petróleo.
3) Os serviços crescem bem, especialmente aqueles com melhor desempenho de produtividade, como a informática, comunicação e serviços financeiros.
4) Existe um sério problema na produção industrial, que praticamente estagnou há três anos.
5) A economia brasileira vem perdendo competitividade de forma sistêmica. Esse processo vai muito além da apreciação cambial. Esta, por sua vez, resulta muito mais da atratividade da economia brasileira do que do tsunami monetário, que, embora existente, é um fenômeno muito mais recente.
6) A produtividade agregada no Brasil cresce muito pouco. O economista Régis Bonelli (a meu juízo, a maior autoridade brasileira nesta área) calculou que a produtividade da economia brasileira cresceu apenas 0,6% ao ano entre 2000 e 2009. O desempenho setorial é, entretanto, muito variado: os serviços evoluíram próximos da média; entretanto, enquanto a agropecuária viu sua produtividade crescer 4,3% ao ano, o número da indústria é negativo (menos 0,8% ao ano).
7) Os custos de produção vêm subindo para todos os setores. Entretanto, é evidente que eles machucam muito mais o segmento industrial do que o restante da economia, pois, ali, a produtividade em queda não pode compensar, mesmo parcialmente, tal evolução, como ocorre na agropecuária. Ademais, os estudos mostram que tirando os casos evidentes como Embraer, Petrobrás, Natura e alguns outros, nossa indústria não é particularmente inovadora.
8) Para a indústria, não restou outra alternativa senão importar em escala crescente insumos, máquinas, peças e produtos como forma de reduzir seu custo.
9) Em consequência, cresce o consumo de produtos industriais, mas não a sua produção.
Finalmente, e mais importante, é agora claro para todos que temos no País um problema estrutural, que não vai se resolver com a redução temporária do IPI para luminárias ou papel de parede.
Também ficou claro que as autoridades não têm sequer um rascunho mais organizado do que fazer. A política do improviso vai continuar.
A meu ver, ainda falta acrescentar que a situação atual vai, logicamente, piorar, antes de melhorar. Faço aqui apenas três pontos.
A energia elétrica vai seguir custando mais em termos reais para as empresas, uma vez que os novos projetos hídricos são muito distantes dos pontos de consumo (fazendo com que a transmissão em alta tensão fique muito cara) e as fontes térmicas são muito dispendiosas.
Os custos de mão de obra também seguirão crescendo. Lembro aqui que, além de salários mais elevados, o crescente emprego de pessoal pouco preparado para as funções para as quais foi contratado leva a que, em muitos casos, a produtividade no chão da fábrica ou na obra caia, pelo menos por algum tempo. A menor habilidade leva a menor velocidade dos trabalhos, a maiores quebras e custos de manutenção de equipamentos, menor qualidade do produto final, etc.
Na semana passada, aqui no Estado, José Pastore escreveu o seguinte, com muita propriedade e humor fino: "Tudo isso sem falar nas dispendiosas normas que estão sendo gestadas, como é o caso do ponto eletrônico, da licença de 180 dias para gestante e de 15 dias para o pai, a licença para fazer concurso público, o dia de folga para comemorar o aniversário e o auxílio solidão, veja só, o auxílio solidão!".
Impostos. A carga tributária seguirá se elevando, dada a natureza dos nossos tributos. Vejam o que aconteceu nos últimos anos. Em 2010, a coleta de impostos subiu 11,7% e o PIB, 7,5%. No ano passado os impostos cresceram 4,3% e o PIB, 2,7%. Há muitos meses assistimos a uma cena patética, quando da divulgação dos resultados da arrecadação federal: ao mesmo tempo em que anuncia resultados recordes, o porta-voz garante que a receita do mês seguinte será menor, o que nunca ocorre. Ainda recentemente vimos que a arrecadação cresceu em fevereiro 5,5% em termos reais, para um PIB que cresce menos de 3%. Como já mencionei neste espaço, nossos impostos são progressivos e tributam muito mais os bens cujo consumo cresce mais rápido que a renda, levando ao contínuo aumento da carga total.
A propósito, a arrecadação do IOF já está no nível de coleta do antigo CPMF e, pelo andar da carruagem, vai ultrapassá-lo logo. Novas alíquotas e contribuições também abundam: 30% de IPI para carros, imposto sobre mineração e, como anunciado, mais tributação sobre os produtos importados. Embora raramente mencionado, vale lembrar que muitos setores industriais importantes enfrentam problemas específicos. Menciono a seguir alguns deles.
O forte aumento do custo da energia elétrica está matando o setor de alumínio, que tem na eletricidade seu maior custo. Há anos não se investe numa planta nova no setor. Há mesmo gente considerando fechar unidades industriais e vender no mercado sua energia própria e a contratada, trocando, via desindustrialização de verdade, custos por geração de caixa. Também são prejudicadas as fundições em geral e a produção de azulejos, vidros e soda cáustica.
Ainda na questão da energia elétrica, sabemos que a qualidade do fornecimento vem piorando significativamente nos últimos anos. Apaguinhos, apagões, interrupções em geral têm sido muito frequentes. Além do desconforto aos consumidores, há um efeito muito grave nos segmentos mais modernos da indústria, onde a sincronização da produção entre diversas plantas é decisiva, como é o caso dos novos sites do setor automotivo e de toda a área de comunicação. Neste caso, interrupções ou oscilações no fornecimento produzem desligamento sucessivo de equipamentos e grandes perdas no tempo de trabalho.
O gás natural sempre foi muito barato na boca do poço dos países produtores de petróleo. Isto lhes dá vantagens, especialmente, na produção de alumínio e de produtos petroquímicos. Mais recentemente, a produção de gás natural, não associado ao petróleo, vem crescendo de forma explosiva nos EUA, onde os preços caíram para a faixa de US$ 2,5 por milhão de BTU. No Brasil, o mesmo gás natural custa em Camaçari US$ 15. Pergunta-se: qual o futuro da petroquímica no Brasil?
O reconhecimento da profundidade da questão de competitividade industrial no Brasil é bem-vindo. Entretanto, cabe ao governo decidir como enfrentar a questão. O risco é que, sob o argumento da emergência, a política se resuma a uma escalada protecionista e à distribuição de favores localizados, sem o início de um trabalho sério e de longo prazo, que é o que de fato precisamos se se deseja sair do discurso fácil de colocar no câmbio a culpa das dificuldades da indústria no Brasil.
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