terça-feira, 3 de abril de 2012

TRILOGIA DA CIDADANIA

Um excepcional texto do grande amigo Prof Raul José Ferreira Dias.
Vale a pena ler, meditar, divulgar e guardar.

TRILOGIA DA CIDADANIA

A verdadeira cidadania da sociedade brasileira.
Ao longo dos últimos tempos, e isso não é de há pouco, temos sido bombardeados por uma série de notícias sobre fatos que denigrem, de modo definitivo, a imagem da nossa sociedade. A sequência desses fatos, que envolvem personalidades do mundo político brasileiro nos últimos 25 anos, deve servir para que façamos um importante momento de reflexão sobre o nosso papel na sociedade.
Desde a origem da nação brasileira, portanto há mais de 500 anos, somos colocados na situação de seres absolutamente dependentes do Estado, do Capitão-Donatário, do Governador-Geral, das Cortes, do Regente, do Imperador, do Presidente, de algum ditador de plantão, ou qualquer outra figura política que se nos apresentou como sendo o nosso "salvador da pátria", figura da qual o povo sempre dependeu para a sua vivência, ou pior, para a sua sobrevivência.
Esse é um grande legado cultural que carregamos, o de que tudo vem de "cima para baixo", pois são séculos de dependência irrestrita do humor dos nossos governantes, estando sempre o povo à mercê de quem está no poder, e isto tem que ser modificado, de modo que haja uma correta compreensão, da parte de toda sociedade, de que nós é que somos os timoneiros do nosso próprio destino!
Contudo, nesse momento em que estamos vivendo, fica imperioso levantar uma questão para discussão nesses dias que antecedem à data de nossa emancipação político-administrativa.
Somos, hoje em dia, uma sociedade formada por cidadãos realmente independentes?
Não quero entrar no mérito de imediato, contudo salta aos olhos que uma sociedade que deseja ser formada por seres humanos livres e de bons costumes, que exaltem todas as verdadeiras virtudes e combatam quaisquer vícios que a ela venham ameaçar, tem que ser formada por verdadeiros cidadãos, e a idéia de cidadania parece que, por vezes, se enfraquece e fica enevoada no imenso universo midiático em que hoje vivemos.
Todo dia, toda hora, a cada minuto, recebemos uma avalanche de notícias, por meio das inúmeras formas de mídia que existem - jornais, rádios, televisões, correios eletrônicos, provedores de acesso à "internet", redes sociais. Não existe limite para as fontes de informação e para os conteúdos de que delas somos receptores. Isso não é ruim, desde que possamos "digerir", trabalhar todos esses informes e deles extrair o que é bom ou ruim.
O cerne da questão está ligado à nossa consciência do que é a verdadeira cidadania e do que vem a ser um verdadeiro cidadão, pois, no Brasil, infelizmente, gostamos de pensar que cidadania é um conceito que apenas nos concede direitos, mas, ao mesmo tempo, não gostamos de sermos lembrados de que ele também encerra uma série de deveres a serem por nós observados.
Nesse contexto, a sociedade brasileira ainda não se deu conta de que ela precisa exercer a sua cidadania na plenitude do significado do termo, o que pressupõe exigir todos os seus direitos, mas também observar os seus inalienáveis deveres.
Para tanto, é importante apresentar a idéia do que seja a cidadania na sua plenitude, pois o seu correto entendimento é necessário a todos e pressupõe que cada indivíduo, todo cidadão, tenha a compreensão e a consciência do que vem a ser os três pilares de uma cidadania plena: o fato de que o povo brasileiro é, a um só tempo, contribuinte, consumidor e eleitor.
De um modo geral, no dia a dia, não nos apercebemos que o Estado, o Governo, não tem um níquel sequer. Toda aquela montanha de dinheiro que é fartamente alardeada na mídia, para ser aplicada nisso ou naquilo, para o programa A ou B, para o projeto disso ou daquilo, só tem uma origem: o bolso do contribuinte! E os brasileiros, na sua grande maioria, não se apercebem que pagam impostos e taxas a toda hora, em todo lugar, em qualquer situação, e que esse montante vai para os cofres do governo que tem a responsabilidade de bem gerir esses recursos.
Em geral, os menos favorecidos e menos instruídos não sabem que pagamos impostos por tudo, inclusive no feijão com arroz e no pão com manteiga nosso de cada dia. Existe como que um entendimento generalizado de que só os ricos pagam impostos, principalmente quando se fala sobre aqueles que incidem sobre a renda, e por isso não se apercebem de que também estão contribuindo para aumentar a arrecadação do Estado.
Esse é o primeiro problema, pois nós, contribuintes brasileiros, acostumados, ao longo da história, em sermos tangidos como dóceis rebanhos, frequentemente nos esquecemos de que também temos o dever de cobrar o bom uso dos recursos que nos é compulsoriamente subtraído de nossos salários ou dividendos, de toda e qualquer compra que efetuamos, dos diversos serviços que contratamos ou executamos, da pessoa física ou jurídica, e por aí adiante.
Em suma, nenhum Governo tem dinheiro! Nós, os contribuintes, é que o temos! Portanto, nós, os contribuintes, é que temos o dever de cobrar responsabilidade e honestidade com o trato do que é nosso ab origine, e não apenas do legislativo ou do executivo, seja ele o parlamento ou o governo que for, com o matiz ideológico que tiver.
Definitivamente, não é como aparenta em uma primeira visão ou, infelizmente, como é percebido pela maioria da população brasileira! O poder público é nosso empregado, vive às nossas expensas e não o inverso!
Para que possamos melhor aquilatar o montante do que é arrecadado, a Associação Comercial do Estado de São Paulo vem mantendo pesquisa sistemática que nos apresenta um valor para arrecadação governamental no Brasil, e o número é avassalador, pois hoje, dia 31 de agosto d e 2011, o total arrecadado nas esferas municipal, estadual e federal já atingiu a cifra astronômica de mais de 948 bilhões de reais (R$ 948.000.000.000,00)! Tudo isso somado ao fato de que é noticiado pela CNI que a carga tributária do Brasil, em 2010, alcançou 35,13% do nosso PIB, indo desde a produção das empresas até ao bolso dos consumidores.
Do mesmo modo, o IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, órgão do Governo Federal, aponta que o peso final das cargas tributárias são maiores para as famílias de baixa renda, haja vista que o imposto incidente na cesta básica do consumidor está entre os mais altos!
Já o Intitulo Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) aponta que as arrecadações de impostos e contribuições fiscais entre os anos de 2001 a 2010 foram 264,49% maiores do que a carga que foi recolhida na década anterior. Para exemplificar, o IBPT registrou uma relação com os principais produtos e suas respectivas alíquotas de impostos, de onde ressalta:
Medicamentos
36%
Conta de água
29,83%
Conta de luz
45,81%
Conta de telefone
47,87%
Gasolina
57,03%
Tijolo
34,23%
Tinta
45,77%
Carne bovina
18,63%
Frango
17,91%
Peixe
18,02%
Sal
29,48%
Trigo
34,47%
Arroz
18%
Óleo de soja
37,18%
Farinha
34,47%
Feijão
18%
Açúcar
40,4%
Leite
33,63%
Café
36,52%
Macarrão
35,20%
Margarina
37,18%
Detergente
40,50%
Sabão em barra
40,50%
Sabão em pó
42,27%
Em uma avaliação prévia, o presidente do IBPT, Sr. João Elói Olenike informou que, no primeiro semestre de 2011, "os cofres públicos arrecadaram 17,2% a mais do que no mesmo período analisado no ano anterior".
Pelo que podemos depreender, dinheiro não falta!
De maneira similar, em nosso dia a dia, quase nunca nos apercebemos da importância e da grandeza do segundo pilar da cidadania, o de sermos consumidores de produtos e serviços que atendam às nossas necessidades, aspirações, sonhos... Dessa maneira, na qualidade de consumidores, nós somos a mola impulsora, transformadora, distribuidora de toda a riqueza que é produzida em nosso País, e por esse motivo devemos ser tratados com o respeito, cortesia, atenção, e tantos outros predicados próprios desse papel tão significativo para qualquer sociedade.
Quando compramos, geramos empregos; quando empregamos, geramos riqueza e novos consumidores... E é desse jeito que a "roda da riqueza" caminha e se multiplica. Se, por outro lado, enquanto consumidores, não formos tratados como o ponto focal da geração de toda a riqueza da nossa sociedade, corremos o risco de que a pobreza cresça e de que sequer as necessidades básicas de sobrevivência do povo sejam atingidas.
Nesse momento, deve-se ressaltar o que é crucial para esse suporte da cidadania, que vem a ser o nosso dever, enquanto consumidores, de exigir sempre, com muita veemência, inclusive usando todos os meios legais de que dispomos, os melhores produtos e serviços, os melhores preços e as adequadas condições para adquiri-los.
É nossa obrigação, como consumidores, exigir, fiscalizar, cobrar, reclamar... O problema é que, primeiro, temos que ter consciência de que somos essa mola mestra do progresso, a fonte de todas as riquezas, mas nos falta educação, discernimento para compreendermos tudo isso com clareza!
Como não poderia deixar de ser, "last but not least", o pilar do eleitor completa o tripé inquebrantável da cidadania, e tem um significado todo especial, pois, em nossa sociedade, há uma tendência de se pensar que são eles, os políticos, que nos devem conceder os beneplácitos de seus poderes para agradar, para conduzir, para generosamente conceder benefícios à população como um todo.
O verdadeiro sentido, a perfeita consciência do que vem a ser um eleitor, passa pela percepção de que todo político, em qualquer uma das esferas, seja ela municipal, estadual ou federal, é um mero empregado do "Senhor Eleitor", e a este deve todas as obrigações, todas as responsabilidades e todos os comportamentos que, por sua vez, devem ser pautados nos inegociáveis princípios éticos que norteiam os valores maiores da cidadania – honestidade, honradez, coragem moral, espírito público, etc.
Nós, os eleitores, conduzimos às altas esferas dos Poderes Legislativo ou Executivo, por meio do voto, pessoas para nos representarem, para serem os porta-vozes de nossas aspirações, para trabalharem com empenho, dedicação e honestidade, como se lá estivéssemos nós, os próprios eleitores!
Portanto, do mesmo modo que temos o direito de eleger aqueles que mais se aproximam do nosso modo de ser e de pensar, devemos ter a preocupação de exigir, o dever de cobrar comportamentos e ações que sejam dignos e que não venham a macular o povo brasileiro, do modo como tem ocorrido nesses anos, mergulhados que estamos nessa triste e longa sequência de fatos delituosos que nos têm sido apresentados, e que não são, em absoluto, condizentes como as virtudes e os valores dos verdadeiros cidadãos do Brasil.
Somente a consciência dos três pilares da cidadania – ser contribuinte, ser consumidor e ser eleitor – poderá trazer a verdadeira independência para toda a nação brasileira, cadinho de todas as raças e credos, conduzindo-a para um processo de permanente progresso sócio-econômico e para a verdadeira justiça social.
Somente a cultura e a educação, processo lento e de longo prazo, poderá fazer com que o povo desse nosso Brasil adquira a sua verdadeira cidadania e a sua independência, pois ele terá a capacidade de bem discernir, de melhor avaliar, de separar o joio do trigo, de se conduzir no caminho do progresso permanente e no bem estar de toda a sociedade.
Aí está o nosso "nó górdio" para atingirmos a verdadeira cidadania, pois é através da educação que o nosso povo irá adquirir a consciência da tríade que a embasa, que a sustenta!
Contudo, quando nos debruçamos sobre o tema Educação, parece que a verdadeira independência do povo brasileiro está longe de ser alcançada, pois segundo publica a Revista Veja em sua edição eletrônica de 25 de agosto de 2011 (http://veja.abril.com.br/noticia/educacao), "ao fim do terceiro ano do ensino fundamental, números e letras ainda são um mistério para cerca de metade das crianças brasileiras. É o que revela pesquisa divulgada nesta quinta-feira: aqueles estudantes não dominam as competências básicas de leitura, escrita e matemática. O problema se concentra nas escolas públicas nacionais, em especial nas unidades das regiões Norte e Nordeste."
Ainda da mesma fonte, em publicação de 1º de dezembro de 2010, um relatório do movimento independente "Todos pela Educação" mostrou falhas graves no ensino do país. O mais gritante exemplo: só 11% dos estudantes que concluem o ensino médio de fato dominam os conhecimentos que deveriam possuir em uma disciplina fundamental como matemática.
Ou seja, 89% dos nossos jovens, ao concluírem o ensino médio possuem deficiência em seu raciocínio lógico! Como esperar que essas pessoas possam compreender e discernir sobre alguma coisa?
Os dados estão à vista, absolutamente escancarados, e basta uma pequena pesquisa para que possamos identificar o caminho correto para a nossa verdadeira independência: educação... educação... educação! Em muita quantidade e de muito boa qualidade!
Somente nessa direção poderão ser norteadas as principais ações de nossos governantes e legisladores, desde que assumam uma postura de verdadeiros estadistas comprometidos com o futuro da Nação Brasileira, abandonando a visão restrita, tacanha, que se limita a alcançar apenas o horizonte da próxima eleição, esquecendo por completo das próximas gerações!
Portanto, para que o povo brasileiro possa alcançar a sua cidadania plena, a sua verdadeira e total independência, é necessário, cada vez mais, direcionar os nossos esforços e recursos de toda ordem para o maior de todos os projetos que se poderia fazer pela Nação Brasileira: uma educação de alta qualidade e universal para todos, pelo menos até a conclusão do que hoje é denominado de ensino médio, de modo que possamos alcançar, no futuro, para as próximas gerações, o patamar da verdadeira consciência cidadã, com capacidade de bem discernir e bem avaliar os governos, os demais poderes, e as pessoas que os compõem.
Esse grande movimento na esfera da educação será o responsável pela consequente maturidade da sociedade e completa qualificação dos seus "timoneiros", que somos nós próprios, tudo alicerçado na tríade formada pelo correto entendimento do nosso papel enquanto contribuintes, consumidores e eleitores!
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