sábado, 1 de dezembro de 2012

O desastroso equívoco da 'energia velha'


ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK
O GLOBO

É sempre chocante dar-se conta da assimetria entre construção e demolição. O que levou décadas para ser construído pode ser demolido num piscar de olhos. Tudo indica que, em pouco mais de dois meses, o governo conseguiu botar a perder 20 anos de esforço de construção institucional para atrair capitais privados para geração e transmissão de energia elétrica no País.

A agenda de desoneração de tarifas de energia elétrica que faz sentido é a de redução da brutal carga tributária que incide sobre as tarifas. Mas o governo preferiu deixar a tributação intocada e reduzir a ferro e fogo os preços pagos aos produtores de energia, por meio da antecipação do vencimento de contratos de concessão que vencem nos próximos anos. Depois de ter chegado a fazer ameaças públicas às concessionárias que não concordassem com a antecipação, o governo vem exigindo que a concordância formal das empresas se dê antes da apreciação pelo Congresso da controvertida Medida Provisória 579, que dá respaldo às mudanças. Para culminar, o governo desacatou os interesses dos acionistas minoritários da Eletrobrás, obrigando a empresa a concordar com o vencimento antecipado das concessões das usinas do grupo.

No governo, há quem se agarre à ideia de que o atrito com os investidores estaria restrito à "energia velha". Os interessados em investir em "energia nova" não teriam nada a temer. Mas é um tanto ingênuo esperar que investidores esqueçam a folha corrida do governo e sejam sensíveis a promessas de que sua truculência jamais ultrapassará os limites da "energia velha".

A fuga de investidores privados exacerba a estatização branca do financiamento de grandes projetos de geração de energia elétrica que vem tendo lugar no País há vários anos. É mais que sabido que a maior parte dos novos projetos vem sendo bancada pelo BNDES, com repasses de recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública.

Num país em que o Tesouro voltou a ser responsável pela expansão do setor elétrico, a redução de tarifas com base na distinção entre "energia velha" e "energia nova" é especialmente preocupante. Se a conta da expansão vai mesmo ficar nas costas do governo, não é demais perguntar de onde mesmo o governo espera extrair os recursos necessários. Parte substancial deles poderia provir da relicitação a preços realistas das usinas geradoras de "energia velha", quando os contratos de concessão chegassem ao fim. Mas, no seu incurável imediatismo, o governo parece disposto a abrir mão dessa fonte de recursos, para conseguir uma redução artificial de tarifas já no início de 2013.

Usinas hidrelétricas são instalações longevas. As que foram construídas há 40 anos podem gerar energia por mais 40. Ou até mais, enquanto a hidreletricidade não se tornar uma tecnologia obsoleta. É por isso que, por surpreendente que possa parecer, uma usina de 40 anos vale quase tanto quanto uma nova de mesmas dimensões. E é isso que o governo deveria ter em conta no momento de relicitá-la ou prorrogar seu contrato de concessão. Mas não é o que o governo tem em mente. Com base no argumento de que uma usina dessa idade já foi contabilmente depreciada, o governo quer que os contratos de concessão sejam prorrogados na presunção de que tal usina vale apenas uma pequena fração do que vale uma nova de mesmas dimensões. E que, portanto, a "energia velha" que gera deve ser vendida a um preço muito mais baixo do que o da energia gerada por uma usina nova, sem que seja repassado ao consumidor o custo da expansão da oferta de energia.

É um argumento meramente contábil. Não faz o menor sentido econômico. Mas é com base nele que o governo quer, com uma mão, relicitar usinas por muito menos do que de fato valem, para que a energia possa ser ofertada a um preço artificialmente baixo. E, com outra, bancar, com recursos do Tesouro, a custosa expansão da oferta de energia elétrica. Como consumidor de energia, o leitor pode até estar satisfeito. Mas, como contribuinte, deveria estar seriamente preocupado.
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