EDITORIAL FOLHA DE SP
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Mudanças provocadas pela Primavera Árabe reabrem possibilidade de negociações entre Israel e palestinos, travadas há mais de dez anos
Entra hoje na pauta da Assembleia-Geral da ONU a controversa reivindicação da Autoridade Nacional Palestina pela condição de Estado observador, último degrau antes da aceitação como membro pleno das Nações Unidas. Dá-se como certo que a medida será aprovada -uma mudança pequena na prática, mas com efeito simbólico para debilitar a posição de Israel.
As peças do xadrez no Oriente Médio já tinham voltado a se mover com o recente conflito na faixa de Gaza. Uma trégua entre Israel e o Hamas foi rapidamente alcançada, com a mediação do Egito e dos EUA, e vem sendo respeitada.
Negociações sérias estão emperradas há mais de uma década, quando fracassou a cúpula de Camp David, em 2000. De lá para cá, ocorreram apenas iniciativas malogradas, entremeadas por explosões de violência.
Ainda que mantendo algum ceticismo, é preciso reconhecer que, nos últimos dois anos, uma importante reconfiguração geopolítica teve lugar na região, com impacto sobre israelenses e palestinos.
O principal evento foi a Primavera Árabe. Ditadores perenes, como Zine Ben Ali, da Tunísia, Hosni Mubarak, do Egito, e Muammar Gaddafi, da Líbia, foram tirados do trono. Outro ditador, Bashar Assad, da Síria, é confrontado. Monarcas que resistiram aos ventos liberalizantes, como na Jordânia e na Arábia Saudita, estão enfraquecidos e hoje atuam com muito mais cautela do que há alguns anos.
Os regimes derrubados foram substituídos por governos formados por grupos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana no Egito -agremiação que é uma espécie de irmã mais velha do Hamas. Isso favorece a retórica anti-Israel na região, mas, paradoxalmente, abre uma janela de oportunidade.
O Hamas se afastou do Irã e da Síria, mergulhados em seus próprios problemas, para reaproximar-se do Egito. Por razões econômicas (ajuda dos EUA e do FMI) e de política interna (acordos com os militares), o presidente egípcio, Mohamed Mursi, dificilmente romperá os acordos de paz com Israel.
Nesse cenário, é do interesse de Mursi aproveitar a tensão para exibir-se como uma liderança confiável para o Ocidente. Foi o que ele fez ao intermediar o cessar-fogo entre Israel e os palestinos.
Outros atores que vêm ganhando destaque na região são a Turquia e o Qatar. Os dois países já nutriram boas relações com Israel, mas recentemente se distanciaram do Estado judeu e vinham reforçando vínculos com o Hamas. Agora podem se somar ao Egito para conduzir o grupo palestino a uma rota menos belicista.
Já a Autoridade Nacional Palestina, de Mahmoud Abbas, enfraqueceu-se ainda mais na crise, mas pode ganhar algum alento na ONU.
A combinação de um Israel mais isolado com um Hamas fortalecido e menos radical pode abrir uma nova fase, em que cada lado pelo menos reconheça o outro como interlocutor. Isso, evidentemente, não dá garantia de paz, mas é um passo necessário para chegar a ela.
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