JOAQUIM FALCÃO
CORREIO BRAZILIENSE
Antes de 1988, era preciso lutar pelo direito de greve. Mas, hoje, já faz 25 anos que o Brasil respeita o direito de greve. Direito que, de tão importante, o Supremo tribunal Federal reconheceu para os servidores públicos mesmo sem que houvesse lei específica que o detalhasse. Pois os servidores não poderiam ficar sem essa proteção.
Foi assim que o Supremo entendeu que o setor público poderia fazer greve, seguindo as mesmas regras dos trabalhadores privados. Tornou a greve dos servidores provavelmente muito mais ampla do que se já tivesse sido regulada por lei específica do Congresso. Mas garantiu o direito. O direito à greve, no Brasil, é de todos.
A retórica de que o país ainda tem que lutar pelo direito de greve, assim, é de vozes do passado. Esse direito já existe. Agora, é preciso avançar. Os novos desafios de aprofundamento do regime democrático são outros.
Como praticar a greve respeitando as normas da Constituição? Como resolver a saudável tensão existente entre o direito dos alunos à educação pública e a reivindicação econômica dos professores federais, estaduais e municipais? Como exercer esse direito legal sem estimular ou aceitar a ilegal violência física contra bens públicos e privados?
Na verdade, o reconhecimento constitucional do direito de greve pode ser considerado como a substituição do recurso à violência. Usa-se um para não se usar o outro. Cria-se um canal juridicamente protegido para reivindicações dos trabalhadores, excluindo-se a via do conflito físico. O homem não é o lobo do homem.
Esse canal serve para reequilibrar as negociações entre empregador e empregado, em geral desiguais economicamente. Não se confunde com estímulo à violência física. Mas não foi o que se viu no Rio de Janeiro nas últimas semanas. Lá, em muitos momentos, a greve dos professores ultrapassou os limites da igualitária pressão legítima. Virou confusão, agressão, depredação.
O dever de manter o direito de greve longe do vandalismo é de ambos: empregadores e empregados. O Estado tem duplo papel. Tem o dever de suprir a educação pública como essencial, e o dever de manter a ordem pública como detentora da força legítima do Estado. Essa não pode ser usada em favor daquela.
Aos professores, cabe mais do que simples declarações de que são contra a violência. Na era da visibilidade total e instantânea dos comportamentos sociais e antissociais, a evidência da violência útil extrapola os interesses das partes em conflito.
Nos recentes episódios dos protestos democráticos dos idos de junho, julho e agosto, a crescente violência foi, com certeza, o que mais contribuiu para paralisar e desmobilizar as ruas. Se havia interesses e estratégias para acabar com as manifestações populares, a estratégia mais eficiente foi sem, dúvida, a escalada da violência de grupos infiltrados nos protestos. No fundo, os que protestaram espontaneamente acabaram ficando reféns dos que violentaram as reivindicações justas.
Além disso, existe clara tentativa de se pautar a mídia por meio de cerco às autoridades, dos incêndios nas ruas, da paralisação de tráfego, da destruição de patrimônio público, de lojas e comércios privados, de reações de cavalarias e provocações de policiais descontentes e milícias oportunistas. Como na medicina, os protestos também podem acabar sendo vítimas de infeções oportunistas.
Na democracia, derruba-se, ou melhor, muda-se de governo de duas formas: por eleições e por intermédio da criação de mecanismos estaduais e locais de participação popular nas decisões de governo. Aqui não é Egito ou Síria.
Nada justifica que, por interesse de adultos, por exemplo, crianças fiquem sem aulas, em especial no último ano de um ciclo, cuja consequência será ser reprovado, ou passar para a próxima etapa sem a base necessária para continuar o aprendizado necessário.
Como exercer constitucionalmente o já assegurado direito de greve? Com violência, certamente não é. Criar novos canais de participação direta entre Estado empregador e professores empregados é um caminho. Como fazê-lo, é a nova pauta da democracia.
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