segunda-feira, 1 de agosto de 2011

É preciso avançar


 Amir Khair
O Estado de S. Paulo


Nuvens negras no cenário internacional. A dívida dos EUA, mesmo se ampliada pelo Congresso, já arranhou sua imagem e passou a ser motivo de preocupação para todo o mundo. Na Europa a crise grega expôs a fragilidade da zona do euro e a tendência é permanecer estagnada por vários anos, com riscos de default dos PIIGS, atingindo o sistema bancário dentro e fora da zona.

Neste cenário, o Brasil deve procurar se defender, continuando sua política externa no rumo dos países emergentes, que crescem, e proteger nossas empresas da invasão de produtos importados ilegalmente por dumping e triangulação da China usando outros países para exportações ao Brasil.

Mas, o principal é nosso mercado interno sobre o qual podemos ter comando. É dar continuidade ao crescimento da classe média com a formalização da mão de obra e geração de empregos. Políticas nesse sentido já começaram, como a elevação dos valores do Bolsa Família, o lançamento do Brasil sem Miséria e a segunda fase do Minha Casa, Minha Vida.

Será lançado o "Programa de Inovação do Brasil", prevendo incentivo para aumentar a exportação de manufaturados e na exigência de maior conteúdo local, agregação de valor, compras governamentais e política de defesa comercial.

Em entrevista dia 22, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a economia está fazendo um "pouso suave" e não aceita a dicotomia entre controle da inflação e crescimento. "Não queremos inflação sob controle com crescimento zero", quando questionada se trabalharia para levar a inflação a 4,5%, em 2012, a qualquer preço. Muitos bancos centrais olham a inflação e o crescimento, como o dos EUA, mas o nosso, só a inflação e, assim, mesmo com instrumento inadequado. O "pouso suave" pode significar preocupação com a inflação face ao crescimento previsto pelo governo de 4,5%, aquém de 6% nos emergentes e de pouco acima de 4% no mundo.

Em relação ao cenário externo afirmou que o Banco Central (BC) "está correto" ao usar os juros para domar a inflação. Nesse dia 22, o Copom elevou a Selic para 12,50%, a quinta alta consecutiva neste ano. A presidente não iria criticar o BC, mas não creio que esteja satisfeita, pois a Selic elevada atrai dólares, que aprecia o câmbio, causa principal do processo de desindustrialização e rombo nas contas externas.

A estratégia do BC de elevar as reservas internacionais para zerar o fluxo de dólares não deu certo e eleva seu custo de carregamento, podendo alcançar neste ano R$ 70 bilhões (!), enquanto o governo se esforça para garantir o superávit primário. Analistas têm afirmado que a principal causa da apreciação cambial está nas operações de derivativos do mercado futuro de câmbio e que o governo deveria tornar essas operações caras e arriscadas. Foi o que fez dia 28 o Conselho Monetário Nacional (CMN).

A primeira medida foi cobrar 1% de IOF, podendo chegar a 25%, quando os investidores ampliarem suas apostas na valorização do real que excederem US$ 10 milhões. A segunda é exigir o registro das operações com derivativos. A terceira taxa em 6% de IOF empréstimos superiores a 720 dias que forem antecipadamente resgatados.

Mas ficou de fora a maior fonte de ingressos de dólares pela porta dos investimentos diretos de estrangeiros (IDE), que não pagam o IOF de 6%. O BC poderia controlar essas operações antes da internação dos dólares pelo depósito obrigatório em sua conta no exterior, só liberando cada entrada ao fluxo de caixa necessário ao investimento a ser feito no Brasil. Não o faz e, assim, os dólares que entram se transformam em reais e podem ser aplicados na Selic, gerando lucros financeiros que são remetidos para a matriz. Isso ficou evidenciado na elevação de 169% (!) do IDE no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2010.

Para completar a defesa cambial é necessário que a Selic vá para o nível internacional para coibir operações de carry trade (tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outro). Esse é o desafio que falta o governo enfrentar. Não é a visão do BC, que usa a Selic elevada como âncora cambial e produz o boletim Focus consultando só o mercado financeiro sobre as expectativas para a inflação. Esse mercado vive da Selic elevada, sendo suspeito para gerar expectativas que vão influenciar as decisões dos agentes econômicos. Esse procedimento já foi questionado e o BC prometeu mudar, mas não mudou. Cabe ao CMN encerrar esse boletim até que isso ocorra. Não dá para protelar mais.

Mudança. É necessário ter nova política monetária, para permitir o desenvolvimento em níveis mais elevados, com controle da inflação de forma diversa da adotada pelo BC do tipo "samba de uma nota só", com a mega Selic e taxas de juros bancárias (inclusive nos bancos oficiais) de botar inveja aos agiotas.

Os efeitos colaterais danosos dessa política da mega Selic são claros: juros criando déficits fiscais, elevação da dívida pública, custo de carregamento das reservas, apreciação cambial, ganhos ao capital externo, elevação da liquidez pelo carry trade, desincentivo ao investimento privado, rombos nas contas externas e desindustrialização.

Condução. Cabe ao CMN o comando da economia. É falsa a questão da independência operacional do BC. É dependente do mercado financeiro. Nos raros casos em que divergiu, foi duramente atacado, como ocorreu na reunião do Copom de 6 de dezembro, quando introduziu as medidas macroprudenciais para controlar o crédito e prevenir a elevação da inadimplência em empréstimos superiores a 24 meses.

Isso atingiu os lucros dos bancos, por terem de elevar capital para empréstimos de prazos mais longos e sofrer aumento nos depósitos compulsórios. Assim, abriram fogo contra o BC, que deveria ter elevado a Selic. Diante disso, logo na primeira reunião do Copom, em 19 de janeiro, retomou a velha política de elevação da Selic.

Inflação. O controle inflacionário deve ser feito de outra forma, via metas de inflação, cuja responsabilidade passa a ser do CMN, pois outros fatores de caráter não monetário influem muito mais na inflação, como choques de oferta, inflação internacional de commodities, falta de etanol, a Vale dobrar num dia o preço do minério de ferro, elevando os custos das empresas a jusante e ao IGP-M, índice que corrige os contratos de locação.

A eficácia no controle deverá se dar através de medidas macroprudenciais, que podem calibrar o crédito e o valor das prestações (o que a Selic não consegue), adequando o crescimento da oferta de empréstimos à evolução da massa salarial, para ter sob controle a inadimplência.

Outros fatores podem contribuir para o controle inflacionário: o resultado fiscal e o comércio externo.

No resultado fiscal, o governo atingiu 68% do seu objetivo neste primeiro semestre, enquanto o BC está batendo o recorde de despesas com juros, danificando as contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal pôs limites às despesas de pessoal e dívida para o setor público, mas falhou ao não limitar o impacto fiscal da política monetária.

No comércio exterior, o governo deve controlar mais a importação via impostos, preços mínimos, quantitativos máximos, como fazem os demais países para a proteção de suas empresas e/ou da população contra os preços abusivos internos.

A presidente deve pôr o mercado financeiro e o BC a favor da economia e da sociedade, limitando as taxas de juros e tarifas bancárias extorsivas e trazer a Selic ao nível internacional até meados de 2012. Se assumir esse enfrentamento, terá o apoio da sociedade e se livrará das amarras, que até agora vêm impedindo aproveitar o imenso potencial material e humano que o Brasil possui.


MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
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