segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A última invenção de Steve Jobs


ELIO GASPARI
O GLOBO


"Steve Jobs", de Walter Isaacson, é como o iPad: o sujeito não sabe direito o que fará com ele, mas quer ter um. Como o iPad, essa biografia servirá para muitas coisas. Para quem gosta de novela, tem a história de uma criança entregue para adoção que nunca quis conhecer o pai biológico e surpreendeu-se ao lembrar que, um dia, comera no restaurante de um gerente gordo e careca. (Era ele.) Esse garoto enjeitado recusou-se a reconhecer uma filha, ignorou-a por dez anos, mas deu o nome de Lisa a um de seus computadores. Para quem gosta de histórias de inventores, mostra o surgimento do computador pessoal, do iPod, do iPhone e do iPad. (Ele não inventou nenhum dos quatro.) Para quem prefere aventuras empresariais, o jovem que fundou a Apple foi defenestrado, deu a volta por cima e transformou-a na empresa mais valiosa do mundo. Para hipocondríacos, um maníaco em dietas e jejuns, com um câncer de pâncreas e um transplante de fígado, controlando o próprio ocaso.

Tudo isso num personagem genial, abstêmio, intratável, pouco higiênico e frugal. (Ele ficaria feliz ao saber que Michelangelo tinha essas características. Por intratável, um jovem pintor quebrou-lhe o nariz.)

A biografia de Isaacson requer um acessório. Convém que se faça uma cópia das páginas iniciais, onde estão listados 57 personagens. Ajuda a leitura. Dentre os gênios da informática da segunda metade do século passado, Jobs foi o mais audacioso, implacável e egocêntrico. Mentiroso, controlador, argentário, despojado e, acima de tudo, narcisista.

Quem criou o computador pessoal foi seu sócio, Stephen Wozniak, que sonhava com um mundo no qual eles fossem grátis. Quando Jobs fez a primeira distribuição de ações da Apple, deixou um dos parceiros de fora. Wozniak foi a ele e propôs: "O que você der, eu também dou". "OK", respondeu Jobs, "eu dou zero".

"Steve Jobs" foi sua última produção, burilada até os últimos dias, quando estava desnutrido e emaciado. Isaacson escreveu o que quis e conseguiu equilibrar o retrato de duas pessoas: uma que todo mundo gostaria de conhecer e outra com quem foi perigoso lidar.

Dicas de um intuitivo obstinado

Algumas lições do jeito Jobs de ser:

 "É melhor ser pirata do que entrar para a Marinha."

 "Tem gente que diz, deem aos consumidores o que eles querem. (...) Acho que Henry Ford disse certa vez: ''Se eu perguntasse aos consumidores o que eles queriam, teriam dito: Um cavalo mais rápido''."

 "Às vezes, a maior inovação é a empresa, a maneira como você a organiza."

 "Se você não se canibaliza, os outros vão te canibalizar." (Quando lhe diziam que o lançamento do iPhone reduziria as vendas de iPods e que o iPad comeria o mercado dos seus laptops.)

 "Quem sabe do que está falando não usa PowerPoint."

 "Existe uma tentação em nossa era digital de pensar que ideias podem ser desenvolvidas por e-mail e no iChat. Loucura. A criatividade vem de encontros espontâneos, de conversas aleatórias."

 "Você está rumando para ter um único mandato na Presidência". (Ao começar uma conversa com Barack Obama.)

 "Vocês estão com a cabeça enfiada no rabo." (Numa reunião com empresários da indústria da música.)

 Serviço: "Steve Jobs", traduzido, está nas livrarias, custando entre R$ 37,50 e R$ 49,90. A editora Companhia das Letras lançou simultaneamente o e-book, que custa entre R$ 28,90 e R$ 32,50. A edição eletrônica do original está na Amazon por US$ 16,99, ou R$ 29,00.
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O ESPECTRO DE MALTHUS


EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO


Mundo chega a 7 bilhões de habitantes, segundo as imprecisas contas da ONU, o que reforça a necessidade de mais planejamento familiar

Calejado pelas violentas reviravoltas políticas de sua época, às quais sobrevivia graças ao espetacular cinismo, Charles-Maurice de Talleyrand (1754-1838) observou certa vez que "a alta traição é apenas um problema de data".
Numa conjuntura extremamente instável, a lealdade a determinado soberano poderia ser ato patriótico ou infame, dependendo do exato instante em que se manifestasse.
A frase de Talleyrand poderia ser aplicada, sem tanto cinismo, ao campo das previsões sobre o crescimento populacional. Desde que seu contemporâneo, o economista Thomas Malthus (1766-1834), formulou as primeiras previsões quanto ao esgotamento dos recursos naturais do planeta, incapazes de acompanhar o ritmo exponencial da reprodução humana, seu pessimismo foi aceito ou contestado conforme as circunstâncias.
A ascensão vertiginosa da população, que começava naquele século 18, só não redundou em fome catastrófica e barbárie porque, felizmente, foi acompanhada de igualmente vertiginosos avanços na tecnologia e na produtividade.
Segundo as aproximações estatísticas da ONU, naturalmente imprecisas diante da disparidade de dados entre os países, amanhã o planeta passa a contar com 7 bilhões de habitantes.
Tantas vezes afastado, o espectro de Malthus volta a rondar as especulações de alguns especialistas, agora preocupados com o impacto gravíssimo que não apenas o crescimento da população, mas também o próprio progresso tecnológico e material, podem ter sobre o ambiente.
Como na frase de Talleyrand, seria então o caso de dizer que a verdade do malthusianismo "é apenas questão de data"? Ninguém saberia responder com certeza. Novas fontes de energia e de matérias-primas podem, no futuro, anular as ameaças, hoje agudas, do aquecimento global e da escassez.
Se a população declinará nos países desenvolvidos, e mesmo em potências emergentes como o Brasil e a China, o ingresso de novos contingentes no mercado de consumo e no sistema produtivo, especialmente na África, tende a pressionar ainda mais o equilíbrio ecológico do planeta.
Seja qual for a resultante dessas tendências contraditórias, parece evidente que em países como a Nigéria (que iria de 163 milhões hoje a 730 milhões em 2100) a velocidade do crescimento populacional excede qualquer possibilidade de garantir um mínimo de bem-estar para seus habitantes.
A única política pública eficaz, em situações tão próximas da inabitabilidade humana, seria garantir o acesso universal ao planejamento familiar. Tanto quanto uma necessidade prática, trata-se de atender a um direito de escolha -o de ter ou não mais filhos-, negado justamente àqueles habitantes do planeta que menos condições possuem de assegurar um futuro digno a seus descendentes.
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Vestibular como o de 'nossos pais'


Vestibular nacional
Leonardo Cazes
O Globo



Idealizado pelo MEC para ser uma alternativa ao vestibular, o Enem, realizado no último final de semana, se aproxima cada vez mais dos grandes exames realizados pela Cesgranrio até 1987. "O Enem é como o vestibular unificado, só que aprimorado", opina o diretor do Colégio PH, Rui Alves. A pressão sobre os candidatos é a mesma: como o exame é a seleção para 40 instituições, eles jogam numa só prova sua chance de chegar à universidade.


Seleção para cerca de 40 universidades, Enem lembra o "unificado" dos anos 80



Na gramática do Ministério da Educação (MEC), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é sinônimo de fim do vestibular e democratização do acesso ao ensino superior. Em entrevista ao GLOBO, em abril de 2009, o ministro Fernando Haddad profetizou que 2010 seria o marco do término das seleções tradicionais. Mas as cenas do último fim de semana, quando foi realizado o Enem para 4 milhões de candidatos de todo o país, fizeram muita gente relembrar o extinto vestibular unificado da Cesgranrio, que marcou a vida dos adolescentes do estado entre 1972 e 1987. Multidões em locais de prova, nervosismo dos candidatos e mil e uma táticas contra cola são algumas das imagens que vêm do passado.

- É como se fosse um ciclo na nossa vida. O Enem é como o vestibular unificado, só que aprimorado. Na época, era um vestibular de múltipla escolha, com uma redação, e que exigia macetes e decoreba. A nota valia para entrar em universidades públicas e privadas. Hoje o exame trabalha mais com habilidades e competências e o programa das disciplinas é menor, mas a pressão é a mesma - lembra Rui Alves, diretor de ensino do Colégio e Curso pH, que criou uma disciplina específica para o exame, chamada "Matemática Enem".

O vestibular unificado da Cesgranrio, mesmo consórcio responsável hoje pelo Enem, era a única forma de ingresso nas universidades públicas do Estado do Rio. Por isso mesmo, sua importância era grande. Assim como o Enem, a prova era de múltipla escolha, bem diferente dos exames discursivos que marcaram os vestibulares isolados, especialmente o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que adotou integralmente o Enem este ano.

Especialistas concordam que a pressão em torno das provas é a mesma, ainda que tenham magnitudes distintas: na sua última edição, o unificado teve 79 mil inscritos, contra 5,3 milhões no Enem. Apesar de os conteúdos cobrados e a forma como são exigidos serem bem diferentes, os candidatos estão jogando em uma prova boa parte de suas chances de chegar ao ensino superior.

Para o professor José Carlos Rothen, doutor em Políticas Educacionais e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o Enem se tornou um "vestibular nacional". Na sua opinião, falar em democratização do acesso através de uma prova é contraditório.

- O Enem não é diferente de um vestibular, ele é um vestibular diferente. A verdadeira democratização seria se todas as pessoas que terminassem o ensino médio e desejassem continuar os estudos no ensino superior tivessem esse direito garantido. O modelo atual é menos elitista do ponto de vista financeiro, já que só é preciso pagar uma taxa para concorrer em várias instituições. Por outro lado, a seleção continua elitista porque as pessoas mais bem preparadas, que estudaram nos melhores colégios, entrarão nos melhores cursos - diz o professor.

Simon Schwartzman, sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), vai ainda mais longe na crítica ao discurso oficial. Ele afirma que as provas de seleção para o ingresso nas universidades existem no mundo inteiro.

- Todas as universidades selecionam alunos. Existem modelos descentralizados e outros unificados. Nestes, tenho dúvidas sobre as vantagens porque acaba havendo uma competição nacional. Acesso universal ao ensino superior é demagogia. Nos cursos mais difíceis, não haverá vagas para todos - critica o pesquisador.

Criado em 1998 como um exame de avaliação da qualidade do ensino médio, o Enem foi transformado na principal porta de entrada para o ensino superior em 2009. Naquele ano também foi criado o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do MEC. Com a nota da prova, todos os vestibulandos podem concorrer a vagas em instituições públicas do Brasil inteiro. Com o número crescente de adesões, a expectativa é que a edição de 2012 ofereça cerca de 80 mil vagas em mais de 40 instituições, entre elas UFRJ, Unirio, UFF e UFRRJ. Seu gigantismo, no entanto, trouxe os problemas que todos acompanham nos últimos três anos: vazamento de prova em 2009, falhas de organização em 2010 e, este ano, o uso prévio das questões do exame em um simulado do Colégio Christus, em Fortaleza. O caso está na Justiça, e a anulação do exame está sendo julgada pela Justiça Federal do Ceará.

Nesta transição, o exame também mudou de perfil: inicialmente, era focado nas habilidades e competências adquiridas pelos alunos, como a capacidade de interpretar textos, gráficos e tabelas, contextualizar fatos e construir argumentações. Desde 2009, apesar de mantidas essas características, o conteúdo específico das disciplinas foi ganhando espaço.

Mozart Neves Ramos, conselheiro da ONG Todos pela Educação, concorda com o colega. Entusiasta da proposta do MEC, ele continua com o mesmo ânimo em relação ao novo Enem, apesar da série de problemas que atingiram todas as edições do exame desde a sua reformulação. Ele aponta o casamento entre as novas diretrizes do ensino médio, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em maio, e a prova, como seu maior mérito.

- Continuo com o mesmo otimismo, porque o Enem trouxe uma importante questão, que é induzir a mudança no ensino médio. Historicamente, isso só acontece quando muda a forma de acesso à universidade - defende Mozart.

Já Schwartzman faz uma avaliação oposta. Para o sociólogo, o formato atual é um "monstrengo" que deixa pesado e engessado o currículo do ensino médio, por ser uma avaliação generalista.

- Uma das razões da alta evasão no ensino médio é por conta da formação generalista. Nenhum país faz isso no mundo. Os alunos recebem uma carga ampla e enorme, ninguém aprende, e esquecem tudo logo depois. A avaliação conteudista não é um problema, é usado em vários lugares. Mas há sempre um foco na área em que os estudantes aprofundaram os seus estudos - defende.

Generalista ou não, conteudista ou não, o fato é que o Enem, seja pela grandeza que assumiu, pela pressão a qual submete os candidatos ou a série de problemas que se repetem a cada ano, está cada vez mais com cara de dèja vu.
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Coisas que nos unem


DANUZA LEÃO 
FOLHA DE SP

No verão do Rio, até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não

Na última quarta-feira, fui ao banco pagar meus impostos e, quando cheguei ao caixa, o funcionário -que eu nem conhecia- me contou a novidade, sorrindo: "O ministro sai hoje, acabei de ouvir no rádio".

Houve logo uma espécie de confraternização; as pessoas que estavam na fila atrás de mim também tinham ouvido e começaram a comentar, uns falando com os outros, como se fosse gol do Brasil numa final de Copa. O clima ficou animado como nunca é, numa fila de banco, e lembrei de uma cena inesquecível e parecida, acontecida há muitos anos, aqui no Rio. Eu estava no centro da cidade, quando surgiu no céu um arco-íris tão colorido, tão nítido, tão alegre, tão perfeito, que as pessoas na rua falavam umas com as outras, apontavam com o dedo e perguntavam "você viu que lindo?" Uma cena não tem nada a ver com a outra, mas no fundo tem.

Quem ficou mal na foto? Em primeiro lugar, Lula -"político tem que ter casca grossa"-, e em segundo, a própria Dilma, que poderia ter um pouco mais de autoridade e fazer o que seu instinto manda, e instinto não lhe falta; ou ela tinha alguma dúvida sobre o fim dessa história? 

A presidente não desperta grandes simpatias, mas é preciso separar as coisas: gostar ou não de alguém, quando esse alguém é uma figura pública, não tem nada a ver com o reconhecimento de suas qualidades e defeitos. Apesar de Dilma ter trabalhado tanto tempo com Lula, deu para acreditar que ela pudesse ser diferente: no caráter, na aversão aos "malfeitos", no seu aparente desconforto com a corrupção em geral, na coragem de tomar uma atitude. 

É verdade que ela já fez rolar várias cabeças, mas sempre de maneira vacilante, deixando as coisas chegarem ao limite, evitando dar um murro na mesa. Hoje ela deve estar feliz, pois talvez possa fazer (em breve) aquilo que mais gosta: nomear outra mulher para seu ministério.

Mas voltei a pensar na queda do ministro e no arco-íris, e no que une as pessoas que nem se conhecem: geralmente as grandes alegrias e as grandes tragédias. E de pensamento em pensamento -já que neles a gente não manda- pensei em uma coisa bem banal, que não é nenhuma novidade, mas importantíssima para os cariocas: o verão está chegando; devagarzinho, mas está. 

No Rio, quase todos os dias do ano são de sol, o céu é sempre azul, as praias estão sempre cheias, mas isso não tem nada a ver com o verão de verdade. Quando ele chega, se percebe pela água do mar, que muda de cor, pelo cheiro da maresia, pelo canto das cigarras, pelo comportamento das pessoas.

Os homens se tornam mais atrevidos, e as mulheres acolhem esse atrevimento cheias de alegria; há meses elas se preparam -fazendo ginástica, passando fome, cuidando do novo guarda-roupa- para o acontecimento mais esperado do ano que é o verão, onde tudo pode acontecer, e geralmente acontece. 

É a temporada da democracia, quando as diferenças de classe desaparecem, com homens e mulheres usando as mesmas sandálias Havaianas, as mesmas camisetas, tomando a mesma água de coco, tudo baratinho; com um top de paetês comprado no camelô, a festa já está pronta . Assim foi, é e será todos os anos, e até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não, porque nada é mais importante, no grande balneário que é o Rio, do que o verão.
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domingo, 30 de outubro de 2011

Conselho de uma Juíza



Conselho de uma Juíza às Forças Armadas.


Os militares precisam descobrir a força que a instituição tem. Há anos venho acompanhando as notícias sobre o desmantelamento das Forças Armadas e sobre a relutância dos governos de FHC e de Lula em
reajustar dignamente os salários dos militares.

O cidadão ingênuo até pensaria que os sucessivos cortes no orçamento do Ministério da Defesa e a insistência em negar os reajustes salariais à categoria poderiam, mesmo, decorrer de uma contenção de gastos, dessas que as pessoas honestas costumam fazer para manter em equilíbrio o binômio receita/despesa, sem comprometer a dignidade de sua existência.

Mas, depois de tanto acompanhar o noticiário nacional, certamente já ficou fácil perceber que não é esse o motivo que leva o governo a esmagar a única instituição do país que se pauta pela ampla, total e irrestrita seriedade de seus integrantes e que, por isso mesmo, goza do respaldo popular, figurando sempre entre as duas ou três primeiras colocadas nas pesquisas sobre credibilidade.

A alegação de falta de dinheiro é de todo improcedente ante os milhões (ou bilhões?) de reais que se desviaram dos cofres públicos para os ralos da corrupção política e financeira, agora plenamente demonstrada pelas CPIs em andamento no Congresso Nacional.

O reajuste salarial concedido à Polícia Militar do Distrito Federal, fazendo surgir discrepâncias inadmissíveis entre a PM e as Forças Armadas para os mesmos postos, quando o dinheiro provém da mesma fonte pagadora - a União - visa criar uma situação constrangedora para os que integram uma carreira que sempre teve entre suas funções justamente a de orientar todas as Polícias Militares do país,
consideradas forças auxiliares e reserva do Exército (art. 144, § 6º da Constituição Federal).

Mas agora a charada ficou completamente desvendada. E se você, leitor, quer mesmo saber por que raios o governo vem massacrando as Forças Armadas e os militares, a ponto de o presidente da República sequer receber seus Comandantes para juntos discutirem a questão, eu lhe digo sem rodeios: é por pura inveja e por medo da comparação que, certamente, o povo já começa a fazer entre os governos militares e os que os sucederam. Eis algumas das razões dessa inveja e desse medo: 

1) Porque esses políticos (assim como os 'formadores de opinião'), que falam tão mal dos militares, sabem que estes passam a vida inteira estudando o Brasil - suas necessidades, os óbices a serem superados e as soluções para os seus problemas - e, com isso, acompanham perfeitamente o que se passa no país, podendo detectar a verdadeira origem de suas mazelas e também as suas reais potencialidades.

Já os políticos profissionais - salvo exceções cada vez mais raras - passam a vida tentando descobrir uma nova fórmula de enganar o eleitor e, quando eleitos, não têm a menor idéia de por onde começar a trabalhar pelo país porque desconhecem por completo suas características, malgrado costumem, desde a candidatura, deitar falação sobre elas como forma de impressionar o público. Sem falar nos mais desonestos, que, além de não saberem nada sobre a terra que pretendem governar ou para ela legislar, ainda não têm o menor desejo de aprender o assunto. Sua única preocupação é ficar rico o mais rápido possível e gastar vultosas somas de dinheiro (público, é claro) em demonstrações de luxo e ostentação.

2) Porque eles sabem que durante a 'ditadura' militar havia projetos para o país, todos eles de longo prazo e em proveito da sociedade como um todo, e não para que os governantes de então fossem aplaudidos em
comícios (que, aliás, jamais fizeram) ou ganhassem vantagens indevidas no futuro.

3) Porque eles sabem que os militares, por força da profissão, passam, em média, dois anos em cada região do Brasil, tendo a oportunidade de conhecer profundamente os aspectos peculiares a cada uma delas, dedicando-se a elaborar projetos para o seu desenvolvimento e para a solução dos problemas existentes. Projetos esses, diga-se de passagem, que os políticos, é lógico, não têm o mínimo interesse em conhecer e implementar.

4) Porque eles sabem que dados estatísticos são uma das ciências militares e, portanto, encarados com seriedade pelas Forças Armadas e não como meio de manipulação para, em manobra tipicamente orwelliana, justificar o injustificável em termos de economia, educação, saúde, segurança, emprego, índice de pobreza, etc. 

5) Porque eles sabem que os militares tratam a coisa pública com parcimônia, evitando gastos inúteis e conservando ao máximo o material de trabalho que lhes é destinado, além de não admitirem a negligência
ou a malícia no trabalho, mesmo entre seus pares. E esses políticos porto não suportariam ter os militares como espelho a refletir o seu próprio desperdício e a sua própria incompetência.

6) Porque eles sabem que os militares, ao se dirigirem ao povo, utilizam um tom direto e objetivo, falando com honestidade, sem emprego de palavras difíceis ou de conceitos abstratos para enganá-lo.

7) Porque eles sabem que os militares trabalham duro o tempo todo, embora seu trabalho seja excessivo, perigoso e muitas vezes insalubre, mesmo sabendo que não farão jus a nenhum pagamento adicional, que, de resto, jamais lhes passou pela cabeça pleitear.

8) Porque eles sabem que para os militares tanto faz morar no Rio de Janeiro ou em Picos, em São Paulo ou em Nioaque, em Fortaleza ou em Tabatinga porque seu amor ao Brasil está acima de seus anseios pessoais.

9) Porque eles sabem que os militares levam uma vida austera e cultivam valores completamente apartados dos prazeres contidos nas grandes grifes, nas mansões de luxo ou nas contas bancárias no exterior, pois têm consciência de que é mais importante viver dignamente com o próprio salário do que nababescamente com o dinheiro público.

10) Porque eles sabem que os militares têm companheiros de farda em todos os cantos do país, aos quais juraram lealdade eterna, razão por que não admitem que deslize algum lhes retire o respeito mútuo e os envergonhe.

11) Porque eles sabem que, por necessidade inerente à profissão, a atuação dos militares se baseia na confiança mútua, vez que são treinados para a guerra, onde ordens emanadas se cumpridas de forma equivocada podem significar a perda de suas vidas e as de seus companheiros, além da derrota na batalha.

12) Porque eles sabem que, sofrendo constantes transferências, os militares aprendem, desde sempre, que sua família é composta da sua própria e da de seus colegas de farda no local em que estiverem, e que é com esse convívio que também aprendem a amar o povo brasileiro e não apenas os parentes ou aqueles que possam lhes oferecer, em troca, algum tipo de vantagem.

13) Porque eles sabem que os militares jamais poderão entrar na carreira pela 'janela' ou se tornar capitães, coronéis ou generais por algum tipo de apadrinhamento, repudiando fortemente outro critério de ingresso e de ascensão profissional que não seja baseado no mérito e no elevado grau de responsabilidade, enquanto que os maus políticos praticam o nepotismo, o assistencialismo, além de votarem medidas meramente populistas para manterem o povo sob o seu domínio.

14) Porque eles sabem que os militares desenvolvem, ao longo da carreira, um enorme sentimento de verdadeira solidariedade, ajudando-se uns aos outros a suportar as agruras de locais desconhecidos - e muitas vezes inóspitos -, além das saudades dos familiares de sangue, dos amigos de infância e de sua cidade natal.

15) Porque eles sabem que os militares são os únicos a pautar-se pela grandeza do patriotismo e a cultuar, com sinceridade, os símbolos nacionais notadamente a nossa bandeira e o nosso hino, jamais  imaginando acrescentar-lhes cores ideológico-partidárias ou adulterar-lhes a forma e o conteúdo.

16) Porque eles sabem que os militares têm orgulho dos heróis nacionais que, com a própria vida, mantiveram íntegra e respeitada a terra brasileira e que esses heróis não foram fabricados a partir de interesses ideológicos, já que, não dependendo de votos de quem quer que seja, nunca precisaram os militares agarrar-se à imagem romântica de um guerrilheiro ou de um traidor revolucionário para fazer dele um símbolo popular e uma bandeira de campanha.

17) Porque eles sabem que para os militares, o dinheiro é um meio, e não um fim em si mesmo. E que se há anos sua situação financeira vem se degradando por culpa de governos inescrupulosos que fazem do verbo inútil - e não de atos meritórios - o seu instrumento de convencimento a uma população em grande parte ignorante, eles ainda assim não esmorecem e nem se rendem à corrupção.

18) Porque eles sabem que se alguma corrupção existiu nos Governos Militares, foi ela pontual e episódica, mas jamais uma estratégia política para a manutenção do poder ou o reflexo de um desvio de
caráter a contaminá-lo por inteiro.

19) Porque eles sabem que os militares passam a vida estudando e praticando, no seu dia-a-dia, conhecimentos ligados não apenas às atividades bélicas, mas também ao planejamento, à administração, à
economia o que os coloca em um nível de capacidade e competência muito superior ao dos políticos gananciosos e despreparados que há pelo menos 20 anos nos têm governado.

20) Porque eles sabem que os militares são disciplinados e respeitam a hierarquia, ainda que divirjam de seus chefes, pois entendem que eles são responsáveis e dignos de sua confiança e que não se movem por motivos torpes ou por razões mesquinhas.

21) Porque eles sabem que os militares não se deixaram abater pelo massacre constante de acusações contra as Forças Armadas, que fizeram com que uma parcela da sociedade (principalmente a parcela menos esclarecida) acreditasse que eles eram pessoas más, truculentas, que não prezam a democracia, e que, por dá cá aquela palha, estão sempre dispostos a perseguir e a torturar os cidadãos de bem, quando na verdade apenas cumpriram o seu dever, atendendo ao apelo popular para impedir a transformação do Brasil em uma ditadura comunista como Cuba ou a antiga União Soviética, perigo esse que já volta a rondar o país.

22) Porque eles sabem que os militares cassaram muitos dos que hoje estão envolvidos não apenas em maracutaias escabrosas como também em um golpe de Estado espertamente camuflado de 'democracia' (o que vem enfim revelar e legitimar, definitivamente, o motivo de suas cassações), não interessando ao governo que a sociedade perceba a verdadeira índole desses guerrilheiros-políticos aproveitadores, que
não têm o menor respeito pelo povo brasileiro. Eles sabem que a comparação entre estes últimos e os governantes militares iria revelar ao povo a enorme diferença entre quem trabalha pelo país e quem trabalha para si próprio.

23) Porque eles sabem que os militares não se dobraram à mesquinha ação da distorção de fatos que há mais de vinte anos os maus brasileiros impuseram à sociedade, com a clara intenção de inculcar-lhe a idéia de que os guerrilheiros de ontem (hoje corruptos e ladrões do dinheiro público) lutavam pela 'democracia', quando agora já está mais do que evidente que o desejo por eles perseguido há anos sempre foi - e continua sendo - o de implantar no país um regime totalitário, uma ditadura mil vezes pior do que aquela que eles afirmam ter combatido.

24) Porque eles sabem que os militares em nada mudaram sua rotina profissional, apesar do sistemático desprezo com que a esquerda sempre enxergou a inegável competência dos governos da 'ditadura', graças aos quais o país se desenvolveu a taxas nunca mais praticadas, promovendo a melhoria da infra-estrutura, a segurança, o pleno emprego, fazendo, enfim, com que o país se destacasse como uma das mais potentes economias do mundo, mas que ultimamente vem decaindo a olhos vistos.

25) Porque eles sabem que os militares se mantêm honrados ao longo de toda a sua trajetória profissional, enquanto agora nos deparamos com a descoberta da verdadeira face de muitos dos que se queixavam de terem sido cassados e torturados, mas que aí estão, mostrando o seu caráter abjeto e seus pendores nada democráticos.

26) Porque eles sabem que os militares representam o que há de melhor em termos de conduta profissional, sendo de se destacar a discrição mantida mesmo frente aos atuais escândalos, o que comprova que, longe de terem tendências para golpes, só interferem - como em 1964 - quando o povo assim o exige.

27) Porque eles sabem que os militares, com seus conhecimentos e dedicação ao Brasil, assim como Forças Armadas bem equipadas e treinadas são um estorvo para quem deseja implantar um regime totalitarista entre nós, para tanto se valendo de laços ilegítimos com ditaduras comunistas como as de Cuba e de outros países, cujos povos vêem sua identidade nacional se perder de forma praticamente irrevogável, seu poder aquisitivo reduzir-se aos mais baixos patamares e sua liberdade ser impiedosamente comprometida.

28) Porque eles sabem que os militares conhecem perfeitamente as causas de nossos problemas e não as colocam no FMI, nos EUA ou em qualquer outro lugar fora daqui, mas na incompetência, no proselitismo
e na desonestidade de nossos governantes e políticos profissionais.

29) Porque eles sabem que ninguém pode enganar todo mundo o tempo todo, o governo temia que esses escândalos, passíveis de aflorar a qualquer momento, pudessem provocar o chamamento popular da única
instituição capaz de colocar o país nos eixos e fazer com que ele retomasse o caminho da competência, da segurança e do desenvolvimento.

30) Porque eles sabem, enfim, que todo o mal que se atribui aos militares e às Forças Armadas - por maiores que sejam seus defeitos e limitações – não tem respaldo na Verdade histórica que um dia há de aflorar. 

Marli Nogueira* é Juíza do Trabalho em Brasília.


Contribuição de ANTONIO CESAR TAVARES

Somos 7 bilhões


CELSO MING 
O Estado de S.Paulo

Amanhã seremos 7 bilhões de seres humanos. E o bebê recordista tem tudo para ser um dos 51 nascidos por minuto em Uttar Pradesh, na Índia. A humanidade chegou ao primeiro bilhão em quase 120 milênios, no século 19; em mais dois séculos atingiu 6 bilhões, em 1999; e demorou somente 12 anos para completar o sétimo bilhão.

As projeções das Nações Unidas (ONU) impressionam. Mantido o atual índice de natalidade de 2,5 filhos por mulher, como mostra o gráfico, em 2050 o Planeta abrigará 10 bilhões de pessoas e em 2100, quase 16 bilhões.

Alguns analistas aplicam a essa evolução o termo bomba demográfica. O demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, no entanto, vê no adjetivo crítica indevida, à medida que a enorme multiplicação de gente resulta de objetivos positivos fortemente perseguidos: queda da mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida (30 anos, em 1900; 69, hoje). Mas não dá para ignorar o acirramento de dificuldades atreladas ao surgimento de tantos novos consumidores.

Uma delas é exposta pela divisão para Agricultura e Alimentação (FAO) da ONU: há 925 milhões de famintos no globo, quase cinco Brasis. Os preços dos alimentos saltaram 250% em 11 anos (veja no Confira) e devem subir mais. Para a FAO, a nova demanda exigirá a expansão da oferta mundial em 75% até 2025. E isso só se fará com enormes investimentos.

Hoje já são 2,8 bilhões os que enfrentam séria falta de água doce. Além disso, pelos estudos da ONU, 1,4 bilhão se abastece de volume maior do que a capacidade de reposição natural dos reservatórios. Assim, em 2025, dois terços da humanidade teriam o abastecimento comprometido.

O que se passou com o petróleo talvez seja boa base de comparação. Em 1973 a cotação do barril ainda oscilava na casa dos US$ 3. Hoje, gira em torno dos US$ 100 e influencia a alta dos alimentos. Não renováveis, suas reservas mínguam e, há décadas, geram graves conflitos. A partir daí se pode imaginar o que virá se a água potável se tornar insumo ainda mais raro.

A ordem bíblica "crescei, multiplicai-vos, enchei a Terra e sujeitai-a" prevaleceu até George Malthus (século 18), primeiro a questionar o equilíbrio entre expansão demográfica e produção de alimentos. Desde então, novas técnicas e a revolução verde proclamada nos anos 30 buscaram desmentir esse e outros determinismos da escassez. Mas contestações ao malthusianismo não removeram a tensão atualmente levada ao paroxismo pelas ameaças do superaquecimento global.

A explosão populacional e seus desdobramentos não são o único fenômeno demográfico a provocar sérios impactos na economia mundial. O crescimento da população idosa, também. Hoje, em cada nove pessoas, uma tem mais de 60 anos; em 2050, será uma em cada cinco, aponta a ONU. Até lá, por exemplo, o Banco Mundial estima que o Brasil eleve gastos com aposentadorias de 11% para 16% do PIB.

Para obter reequilíbrio entre índices de natalidade e mortalidade, a ONU calcula que a média mundial de filhos por mãe teria de baixar de 2,5 para 2,1. Ainda assim, haveria estabilização demográfica apenas no século 22, quando os habitantes da Terra já fossem 10 bilhões. 
COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA
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CONDICIONADOS PELA VIOLÊNCIA

A pesquisa foi feita em apenas 141 municípios em um total de 5 560. Eu não tenho certeza se, cientificamente, podemos chegar a conclusões coerentes, todavia o mais importante é que esse tipo de percepção foi contemplado na pesquisa.

A questão de fundo é que os respondentes ainda atribuem ao governo a maior carga de responsabilidade.

Quando é que as partes individuais dos cidadãos serão ressaltadas e reconhecidas?
Vale uma reflexão.


CONDICIONADOS PELA VIOLÊNCIA 
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)


Cada vez mais habituados à violência no cotidiano, é natural que os brasileiros reprovem majoritariamente as condições de segurança no país. Um aspecto positivo gerado por essa sensação de insegurança é que, diante de um problema percebido como em expansão, a população não se restrinja a fazer o que está ao seu alcance, como alterar gradativamente seus hábitos no esforço de se preservar. A sociedade, majoritariamente, tem clareza sobre o que precisa ser feito pelo poder público no esforço de conter a criminalidade – a começar pela redução da impunidade. E, entre as ações passíveis de serem implementadas, tende a optar por algumas incluídas entre as mais sensatas, que deveriam merecer atenção especial do poder público.

O diagnóstico nessa área – que inclui a segurança pública e a questão das drogas entre os três principais problemas do país, depois do drama da saúde – foi possível a partir de pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 141 municípios. O trabalho, divulgado agora, é importante justamente por demonstrar como a sociedade percebe a insegurança, mas também como gostaria de vê-la combatida. Se a população faz a sua parte no esforço de se preservar, evitando sair à noite e mudando o trajeto entre sua casa e a atividade rotineira, é natural que espere ações concretas também por parte dos governantes. E as providências aguardadas são as óbvias, capazes de serem postas em prática com ações previsíveis, a começar pela valorização sob todos os aspectos dos profissionais ligados à área.

Os brasileiros demonstram realismo em relação à chaga da criminalidade ao atribuírem-na em grande parte à impunidade e ao manifestarem apoio a ações realmente eficazes. É o caso, entre outras, do combate ao tráfico de drogas, de mais políticas sociais, de maior presença do Estado com políticas de educação e saneamento, de punições mais duras para crimes violentos e da adoção de penas alternativas para os de menor gravidade. E, embora apoiem majoritariamente políticas de tolerância zero, nas quais todo tipo de infração ou ilegalidade é punido, os entrevistados, em sua maioria, defendem a prisão perpétua, mas se dividem em relação a questões mais polêmicas, como a pena de morte, por exemplo.

No momento em que o Brasil está prestes a se transformar em vitrine internacional, em decorrência das competições esportivas que receberá, o estudo constitui-se num referencial de peso para a definição de políticas de segurança. É importante que as providências a serem tomadas agora possam contemplar ao máximo as expectativas da maioria da população. Ao mesmo tempo, é preciso que, ultrapassada esta fase e depois da realização de eventos como a Copa, a preocupação com a redução da criminalidade se mantenha, permitindo melhor qualidade de vida para todos os brasileiros.
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Defendendo a pátria

Com humor sempre refinado e sutil, o imortal ressalta a forma como, nos meios culturais do primeiro mundo, nós somos tratados como eternos "tadinhos" que precisam da vigilância protetora para não acabarmos com a Amazônia e nosso país. 

Pra mim, culpa dos ambientalistas e da esquerda festiva que tudo fez para estimular nossa auto-imputação de povo atrasado. Fazer o quê??


Defendendo a pátria
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo

Não posso negar minha condição de veterano, em matéria de defender as cores do Brasil no estrangeiro. Aliás, pensando bem, não posso negar minha condição de veterano em nada e, se a literatura fosse escola de samba, eu com certeza já estaria integrando a velha guarda. Comecei minhas viagens bem cedo e desde então sou muito requisitado. Não sei bem a razão. Uma vez, há muito tempo, num coquetel em Toronto, estava conversando com o escritor Márcio Souza, então meu companheiro constante de delegação, quando fizemos uma pausa e olhamos em torno.

- Márcio, você já notou que, nesses eventos internacionais, estamos sempre você e eu, aquele poeta peruano, os dois centro-americanos que a gente nunca sabe direito de onde são, o polonês de ar sinistro, aquela mexicana que fala gritando, os três...

- Eu sei - disse ele. - São sempre os mesmos. Aliás, somos sempre os mesmos, eles devem estar dizendo a mesma coisa de nós. Eu tenho uma teoria sobre isso. Nós pertencemos a uma organização secreta, que sempre nos manda a coisas como esta.

- Nós pertencemos a uma organização? Como assim, nunca me falaram nada.

- É porque ela é tão secreta que não dizem nada nem aos próprios membros.

É, deve ser. Aparentemente, Márcio anda meio afastado, porque faz tempo que não o encontro de repente no exterior, como acontecia antes. Talvez um de nós tenha sido transferido de setor, como sempre sem que nos digam nada. Não sei bem, só sei que continuo em atividade e esta é a terceira vez este ano em que sou despachado para um front cultural. Estou agora em um hotel de Bruxelas, catando as teclas de um computadorzinho, as quais, como num filme, se fundem com imagens do passado. Sim, há muito o que lembrar, nesta vida de veterano. Hotéis e hospedagem em geral, por exemplo.

Hoje em dia, a coisa está melhor, mas a vida do pioneiro não é fácil. Sempre muito simpáticos, os anfitriões fazem o melhor que podem para nos agradar. O problema é que eles parecem pensar que nós, os atrasadinhos tropicais, ficaríamos muito gratos por dispormos, por exemplo, de vasos sanitários. Sabe como é, acostumados a viver nos matos e emporcalhar a Amazônia, conhecíamos de ouvir falar esses ambientes de porcelana e ladrilhos, conhecidos como banheiros. Uma vez, em Munique, um alemão muito gentil me levou a um banheiro no corredor e me apresentou triunfantemente uma pia e um vaso sanitário e, aparentemente, preparou-se para fazer uma preleção sobre eles. Temendo que, num acesso de entusiasmo germânico, ele também quisesse demonstrar explicitamente o uso dos modernos utensílios, contei que já conhecia aquilo e, para que ele acreditasse, contei também que já tinha visto semelhantes nos Estados Unidos. Acho que ele acreditou, porque em seguida foi me apresentar aos dois catres onde minha mulher e eu dormiríamos. Sabe como é, novamente. Acostumados a dormir no mato, no meio das jiboias, nós podíamos estranhar aqueles luxos. Até hoje lembro do ar magoado do alemão, quando nós procuramos um hotel com quarto, camas, banheiro exclusivo etc. No mínimo, deve ter-nos achado um par de colonizados culturais, abandonando nossas raízes históricas para adotar hábitos do colonizador.

Outra vez, em Copenhague, nos instalaram bem no centro da zona. Tudo bem, nada de preconceito, mas o quarto não comportava mais que duas pessoas (paradas; se se mexessem, haveria colisões) e ficava meio chato a gente estar voltando para o hotel e ser parado o tempo todo por frequentadores da zona, nos oferecendo tudo o que, imagino eu, uma boa zona dinamarquesa oferece. Em Stuttgart, depois de haver subido quatro enormes lances de escada, carregando malas, deparamos com charmosos aposentos, cuja característica principal era o banheiro: um círculo fechado por uma cortina de plástico transparente, bem no centro do quarto. Devia ser uma experiência emocionante, ver através do plástico o companheiro de quarto cuidando de todos os seus afazeres banheirais. E, sabe como é, somos fortes como gorilas, e fazemos tudo no muque, de maneira que, se quiséssemos, subiríamos aquelas escadas carregando uma mala de trinta quilos em cada mão e mandaríamos rezar uma missa em ação de graças, pelo tão original banheiro.

Conto, enfim, com um vasto repertório de memórias desse tipo, que se misturam difusamente no passado. Quer dizer, nem tão passado assim, como sou lembrado, no hotel de Bruxelas que nos destinaram. Quatro estrelas, coisa fina. Exaustos, depois de praticamente um dia inteiro de viagem, fazemos o registro na recepção. Pronto, será que alguém podia levar aquelas malas, que a viagem havia tornado já tão pesadas, para o nosso quarto?

- Aqui não temos ninguém para levar malas - disse, com um grunhido não tão amistoso, o funcionário da recepção.

Tudo bem, sabe como é, nós somos fortes etc. etc. Subimos, apertou fome, porque a comida no avião parecia ter sido furtada do Zoológico de Lisboa (era TAP e a escolha de comida acabou antes de chegar a nossa vez, de maneira que tivemos que ficar com o que certamente tinha sido selecionado para as hienas, lá no Zoo da terrinha). Não há restaurante no hotel. Tudo bem, então serviço de quarto. Não há serviço de quarto. Então podíamos sair pelas redondezas, para ver se achávamos algo? Podíamos, mas com cuidado, porque a área era mal frequentada. Refizemos as malas para mudar de hotel. Ou pelo menos para uma boa árvore, que lembrasse a nossa casa. Ô vida.
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HABEMUS FÁBIO


MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP


Padre Fábio rebate críticas do padre Marcelo e diz que o colega também não usa batina; ele votou em Dilma e acha que igreja faz 'voto de cabresto' ao discutir aborto só nas eleições

Uma mulher vestindo calça de ginástica entra na Catedral São Francisco de Chagas, em Taubaté (140 km de SP), com a missa das 8h já em andamento. Senta-se no primeiro banco e saca o celular. Aponta o aparelho para o altar. Não está interessada na arquitetura da igreja nem na estátua de cera do papa João Paulo 2º, entregue recentemente. Busca um clique do padre Fábio de Melo.

O sacerdote conduz a missa a poucos dias de começar a divulgação de seu 16º CD, "No Meu Interior Tem Deus", de música caipira e textos religiosos. "Fazia celebrações aqui três vezes por semana, mas tive que parar, porque era muita aglomeração", diz ele ao repórter Diógenes Campanha. Passou a marcar as missas sem avisar. "Mas o povo acaba sabendo. E elas ligam para avisar as outras, você viu?" Embora pertença à Diocese de Taubaté, ele não tem paróquia fixa.

"Pensaram que eu teria uma igreja só pra mim, um santuário. Mas não quero, iria virar lugar de peregrinação. Não posso ter igreja paralela." É uma clara referência a outro sacerdote cantor, e popstar: o padre Marcelo Rossi, que inaugura em dezembro o Santuário Mãe de Deus, em SP, com capacidade para 100 mil pessoas, e recebe caravanas de várias cidades.

Farpas entre os dois já voaram para lá e para cá. O padre Marcelo, por exemplo, critica o padre Fábio por trocar a batina por camisas de marcas famosas em aparições públicas. Em abril, disse em entrevista: "Já alertei o Fábio para que não deixasse de usar batina. E ele está usando, por acaso? Bem se vê que eu não tenho influência sobre ele". "Eu tive três contatos com o padre Marcelo, dois pessoalmente e um por telefone. E não lembro de, em nenhum momento, ter conversado sobre isso com ele." O assessor de imprensa da Sony, gravadora dos dois padres, cutuca o repórter e pergunta se "isso é o foco da matéria".

O padre Fábio prossegue: "Aquilo que ele usa não é uma batina também. É uma espécie de um hábito franciscano, embora ele seja um padre diocesano". As farpas continuam: "O maior padre comunicador da história do Brasil é o padre Zezinho, que nunca usou batina. É um homem que faz um trabalho sério e nunca foi menos padre porque não usa batina".

"Não somos amigos . Se eu precisar falar com ele [padre Marcelo], não sei como encontrá-lo. Nós dois trabalhamos com música, mas de forma diferente: eu componho, escrevo as minhas músicas. Faço questão de ter uma identidade musical." Já o padre Marcelo só interpreta. "Ele faz uma linha mais litúrgica, que canta nas missas e nas celebrações dele." O padre Marcelo não foi localizado para comentar.

Com uma veste de veludo preta e verde, com a inscrição "Filho do Céu", nome de uma de suas músicas, escrito na estola, o padre Fábio atende fiéis no fim da missa. "O senhor me tirou da macumba com uma palavra", diz uma senhora. Ela teve um derrame e pede que benza seu olho. "Tira [foto] com o anjo aqui", diz outra mulher. "Está vendo o que eu passo?", diz o padre. "Minhas velhinhas são muito táteis. Às vezes, o assédio é perigoso."

"Uma vez, em Maringá, tinha uma mulher parada na porta do meu quarto [no hotel]. Disse: 'Vem cá, eu gostaria de fazer uma massagem no senhor'". Ele diz que anda sempre com dois assessores para evitar tais surpresas. E evita ficar sozinho com um deles, "porque tudo pode gerar uma insinuação".

Ele tira a batina e veste camisa azul da Zara, calça e sapatos sociais pretos. Segue para a Fundação Dom José Antônio do Couto. Lá, adultos e crianças ajudam a restaurar as imagens do Museu de Arte Sacra de Taubaté. "Quis um projeto social simpático. A igreja não tem que continuar antipática à sociedade." Os santos do museu estão todos "de cabecinha tombada, triste. A religião deixou de falar do amor de Deus para falar de culpa. Você, um homem contemporâneo, não se identifica."

No almoço, pede badejo grelhado e penne integral com legumes. Procura álcool em gel na bolsa transpassada preta e cinza, para limpar as mãos. "Minha equipe sempre anda com um", diz. "Só faço isso quando vou comer. Se fizer a cada cumprimento, fico com síndrome de José Serra." A revista "Piauí", em 2009, descreve que Serra usa o produto sempre que cumprimenta estranhos e não tem como lavar as mãos.

Ao contrário do padre Marcelo, que esconde o voto, o padre Fábio revela que optou por Dilma Rousseff em 2010. "Se eu pudesse, colocaria a mulherada toda no poder." Um e-mail em que ele desejava boa sorte a Dilma no "dia histórico" da eleição foi divulgado quando um hacker invadiu a caixa postal dela. "Me correspondi com ela por um ano. Eu a atendi numa oportunidade na [comunidade católica] Canção Nova. Ficamos amigos."

Também foi na Canção Nova que conheceu o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP), para quem foi dar uma entrevista há alguns anos. "Tivemos uma identificação com algumas questões sobre o mundo. O Gabriel tornou-se, desde aquele momento, um amigo com quem converso sobre questões que normalmente não tenho a oportunidade de falar. Chamo isso de parentesco espiritual."

"Quando você tem uma amigo assim, diminui a sensação de solidão, de orfandade na vida. É aquela coisa de 'que bom, vou estar com meu amigo hoje'". Conta ter também "gratidão" por Chalita ter lido seu primeiro livro. "Ele me abriu muitas portas, em todas as editoras." Escreveram juntos dois volumes de "Cartas entre Amigos".

O padre critica o uso político do aborto por alguns setores da igreja, na campanha eleitoral. Panfletos contra Dilma foram distribuídos em celebrações, pregando que não se votasse nela por ter defendido a descriminalização da prática. "Naquele segundo turno, vivemos um momento delicado, em que questões importantes poderiam ter sido discutidas e não foram. Parecia, mais uma vez, uma imposição idiota: 'Não vote nela por causa disso'. Depois ninguém voltou a falar do assunto, porque era interesse de ocasião." Para ele, a igreja não pode discutir o tema só na eleição, "para não fazer voto de cabresto quando o povo tiver que decidir".

Ele se declara "radicalmente contra" o aborto, mesmo em caso de risco para a mãe ou violência sexual. "A vida está acontecendo. E mesmo que metade seja de um estuprador, metade é minha [da mulher]. Sou a guardiã dessa vida."

Já os homossexuais, afirma, são "mal interpretados" ao lutar pelo reconhecimento de sua união. "A necessidade de se falar sobre o casamento gay nasceu porque, após a morte de um dos cônjuges, a família, que nunca cuidou deles, quer ficar com aquilo que eles construíram juntos. Aí eu te pergunto: um conceito religioso pode cometer essa injustiça? Não." Ele é contra os gays se casarem na igreja. "E em nenhum momento nos pediram para fazer isso. Eles não estão reivindicando cerimônia religiosa."
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sábado, 29 de outubro de 2011

O petróleo e o futuro do Brasil


HELENA NADER e JACOB PALIS
FOLHA DE SP


O país do subdesenvolvimento agradece aos senadores que não mostraram interesse em aplicar a verba dos royalties na construção do futuro da nação

Na última quarta-feira, dia 19/10, o Senado da República aprovou em votação simbólica o projeto de lei nº 448, referente à partilha dos royalties do petróleo.

Foi uma decisão que vira as costas para o desenvolvimento do país e despreza nossas futuras gerações. Os senadores optaram pela distribuição de uma riqueza razoável (15% do valor do petróleo extraído) para o governo federal e para todos os Estados e municípios brasileiros mediante critérios frágeis, sem objetivos definidos e sem compromissos com a sociedade.

Para se ter uma ideia da falta de objetividade, o projeto de lei nº 448 estabelece que os royalties do petróleo poderão ser gastos com "educação, infraestrutura social e econômica, saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e da pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil, meio ambiente, em programas voltados para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e para o tratamento e reinserção social dos dependentes químicos".

Não se discute a importância de cada uma dessas áreas. O problema é a dispersão dos recursos, o que não vai resolver todos os problemas de qualquer das áreas contempladas, muito menos promoverá avanços sociais e/ou econômicos no Brasil como um todo.

A proposta que levamos ao Congresso Nacional é diferente. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) propõem que parte expressiva dos royalties do petróleo seja utilizada em áreas que promovam melhorias estruturais e sustentáveis na vida social e econômica do conjunto do país: educação e ciência, tecnologia e inovação (C,T&I).

Há consenso em nossa sociedade de que o sistema de ensino brasileiro continua com carências que comprometem gravemente a formação de nossas crianças e jovens. Os royalties do petróleo poderiam ajudar a quitar esse deficit histórico.

Já C,T&I demandam investimentos mais expressivos do que os feitos hoje porque são a única porta para ingresso do Brasil na economia do conhecimento -a forma de produção que mais agrega valor aos produtos e serviços.

Não bastasse a instituição da distribuição descomprometida dos recursos, o projeto de lei nº 448 tem mais um agravante. Se levado adiante, teremos o fim da destinação de parte dos royalties do petróleo para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

A ironia -ou o cinismo- dessa história é que o pré-sal só pode ser descoberto, e somente poderá ser explorado, porque o Brasil, obviamente a Petrobras incluída, investiu em ciência, tecnologia e inovação na área de petróleo e gás.

Esquecem nossos políticos que as reservas de petróleo, mesmo que abundantes, são finitas.

O Brasil do subdesenvolvimento certamente agradece aos senadores que se mostraram interessados apenas em distribuir o dinheiro dos royalties, e não em como aplicá-lo na construção do futuro da nação.

Assim, como estamos empenhados em defender o Brasil e os brasileiros, reivindicamos que a Câmara se manifeste contrária ao projeto de lei aprovado no Senado.

Precisamos que sejam restabelecidas as expectativas de utilizarmos as nossas reservas de petróleo efetivamente para o desenvolvimento social e econômico do País.

Os royalties do petróleo demandam uma política de Estado, e não de governo.

HELENA NADER, biomédica, é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professora titular da Unifesp.
JACOB PALIS, matemático, é presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pesquisador do Impa (IMPA - Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada).
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O futuro sob o sol


EDUARDO KARRER
O GLOBO


O Brasil, país com um dos maiores potenciais de energia renovável do mundo, saiu da sombra. A geração de energia solar, antes restrita a países ricos, está na nossa mira. Temos localização privilegiada, com alta incidência de sol, e dimensões continentais que facilitam a instalação de unidades de geração, além de uma importante reserva de quartzo para a produção de silício destinado a placas fotovoltaicas.

O futuro do Brasil no setor pode ser medido pelo sucesso de outros países. A Alemanha, líder mundial do setor, gera em energia solar mais do que todo o consumo residencial do Nordeste brasileiro. O país europeu, no entanto, tem na área de maior incidência de sol uma radiação 40% menor que a região mais pobre em insolação do Brasil, no Estado de Santa Catarina. Se já somos privilegiados por condições naturais, agora começamos a construir um ambiente para viabilizar o crescimento da energiasolar no país.

Um dos marcos simbólicos dessa nova fase é a Usina Solar de Tauá, no Ceará, encravada em região com excelentes índices de radiação, comparáveis aos de desertos como o do Sudão e de Mojave (Califórnia).

A unidade de geração, resultado de investimentos da MPX, de Eike Batista em pesquisa e desenvolvimento, foi inaugurada em agosto com capacidade de 1 megawatt (MW) e será duplicada já nos próximos meses, em parceria com a GE, que traz todo a sua expertise na geração solar. A previsão é atingir 5 MWs nos próximos anos e alcançar a meta de 50 MWs ao passo da evolução da matriz energética. Nosso empreendimento contou com o importante apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O setor parece ter acordado, e outras iniciativas privadas já aquecem o mercado. Além disso, algumas iniciativas fundamentais para enquadrar a energia do sol no mercado estão em andamento. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal, anunciou que deve incluir a energia solar em leilões de energia e está elaborando, sob demanda do Ministério de Minas e energia (MME), um estudo para a introdução, em escala ampliada, da fonte no Brasil. Temos que trabalhar para percorrer, com a energiasolar, o mesmo caminho da eólica. Após um período de apresentação de tecnologia e de ajustes, as placas fotovoltaicas devem disputar um espaço nos leilões.

Com mais empreendimentos solares no Brasil, aumenta a escala desse setor, impactando de forma positiva nos custos de implantação das usinas.

Sempre colocado com um entrave, o preço dos painéis caiu pela metade nos últimos anos e, segundo projeção do mercado, acelerará a tendência de queda. Hoje, o custo, entre R$ 400 e R$ 500 por MW/h, ainda é sensivelmente maior que o de outras fontes, mas um estudo coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) aponta que, se considerado o preço ao consumidor final, a matriz solar já é competitiva em metade das áreas de concessão.

Com tantos sinais somados à nossa natureza privilegiada, acreditamos firmemente que, nos próximos anos, o sol não será mais apenas um astro que colore e esquenta as nossas terras, mas também uma importante fonte de energia complementar de um país com uma matriz cada vez mais diversificada.

EDUARDO KARRER é presidente da empresa de energia MPX.
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O papel de Sarney

O papel de Sarney

FERNANDO CESAR MESQUITA
O Globo

Se existe alguém com um rico histórico de contribuições à consolidação dos valores democráticos é o senador José Sarney. No registro de sua vida não há atos que o desabonem, e desafio que provem o contrário. Inverdades são publicadas e os esclarecimentos ignorados, como se a liberdade de imprensa valesse apenas para quem ataca e condena sem provas.

Trabalhei em seu governo e continuo ao seu lado no Senado. Por desinformação, tentam manchar-lhe a honra e desqualificá-lo. Lembram as orquestrações nazistas, quando multidões erguiam o braço na saudação ao Führer que as concitava com palavras de ordem de morte aos judeus, aos ciganos e aos comunistas, embriagadas pelo fanatismo instrumentado por Goebbels. Assim acontece hoje com pessoas de boa-fé manipuladas por gente odienta que, em passeatas e shows de rock, repete slogans banais.

Quem pesquisar a história do Brasil dos últimos 50 anos constatará que a vida de Sarney foi marcada pela preocupação com as liberdades públicas, a cidadania e a modernização do Estado. Foi um dos criadores da "Bossa Nova da UDN" - grupo de deputados inconformados com o conservadorismo do partido - e integrou a Frente Parlamentar Nacionalista.

No Senado dos anos 70, foi precursor na defesa do meio ambiente e mais tarde se empenharia na realização da Rio 92. Em dezembro de 1978 relatou a Emenda Constitucional nº 11, que revogou todos os atos institucionais e complementares impostos pelos militares.

Acompanhei-o na formação da Frente Liberal, que resultou na eleição de Tancredo Neves, cujos compromissos Sarney respeitou na montagem de seu governo. Legalizou todos os partidos políticos, assegurou a liberdade sindical, acabou com a censura prévia, foram realizadas as primeiras eleições diretas para prefeito das capitais em 20 anos. Na política externa, reaproximou o Brasil da China e da então URSS e reatou relações diplomáticas com Cuba. Estreitou o diálogo com a Argentina, criou o Mercosul e foi firme diante dos EUA na defesa do interesse nacional.

Sarney convocou a Assembleia Nacional Constituinte, que produziu uma Carta garantindo amplos direitos sociais e incorporando os princípios de democracia direta.

Seu governo inovou em todos os setores. Criou-se o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; o Ministério da Reforma Agrária; instituiu-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, o SUDS, que universalizou o atendimento médico. A questão ambiental foi levada a sério com a criação do Ibama; foi dele a Lei de Incentivo à Cultura, atual Lei Rouanet; instituiu o vale-transporte que beneficia milhares de trabalhadores; fez o Programa do Leite, que atendia 7,6 milhões de crianças por dia; pela igualdade racial defendeu sanções contra a África do Sul e criou a Fundação Palmares. Foi o primeiro parlamentar a propor uma política de cotas para negros.

Na área econômica e financeira, surgiu a Secretaria do Tesouro Nacional; foi extinta a conta-movimento do Banco Central no Banco do Brasil, unificado o Orçamento Geral da União e criado o Siafi. Foi dele a ideia do seguro-desemprego e de proteção da moradia do trabalhador contra penhora. Também o projeto de lei que garantiu aos portadores de HIV acesso gratuito a medicamentos.

Sarney abriu o Senado ao País com a rádio e TV Senado ao vivo. Toda a atividade parlamentar está on-line na internet, como também a administração da Casa. O senador convocou juristas para reformar os Códigos Civil, Penal, de Processo Civil e de Defesa do Consumidor, além das reformas política e eleitoral em tramitação no Congresso.

Erros administrativos do Senado foram reparados por proposta de Sarney, que encomendou à FGV uma auditoria na Casa. Omissões e falhas de servidores foram apuradas, e os culpados, punidos. A reforma do funcionamento do Senado será concluída até o fim do ano.

Sarney tem defeitos como todo ser humano, mas os serviços prestados ao País o fazem credor do respeito dos seus compatriotas. É injusto e imperdoável o linchamento moral que fazem de sua biografia.
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