MORALES DESPERTA ANTAGONISMOS NA BOLÍVIA
EDITORIAL
O GLOBO
O presidente Evo Morales, da Bolívia, é discípulo de Hugo Chávez, da Venezuela, mas tem idéias próprias. Talvez porque as condições bolivianas sejam muito diversas das venezuelanas. Morales adotou o kit bolivariano - reformas para fortalecer o Executivo e enfraquecer os outros Poderes, realizadas via um referendo que designa uma Constituinte para mudar a Carta Magna. Tanto Chávez quanto Morales e Rafael Correa, do Equador, têm obtido amplas maiorias nessas consultas porque seu discurso nacional-populista dá-lhes, pelo menos de início, enorme popularidade.
Morales se elegeu com o carisma de ser o primeiro indígena - eles são mais de 60% da população - a presidir o país. Ganhou em 2005 com 57% dos votos. Uma de suas primeiras medidas foi nacionalizar os hidrocarbonetos, o que prejudicou, entre outros, a Petrobras. Em 2008, foi ratificado no poder com 67%, e, em 2009, reeleito para um segundo mandato (2010-2015) com 64%. Mas domingo passado perdeu, indiretamente, a primeira eleição. A reforma judicial que impôs determinou a escolha pelo povo dos magistrados, com o governo alardeando que teria 60% dos votos. Mas ocorreu o contrário: este foi o percentual da soma de votos nulos e em branco, revelando algum desconhecimento das complexidades do pleito e muita insatisfação com Morales.
Se Chávez transformou a Venezuela numa república bolivariana, Morales transformou a Bolívia (ambos via referendos) numa república plurinacional, pela primeira vez dando poderes a 36 povos indígenas. Aí está uma especificidade boliviana. Mas como gerenciar isto? É tão complicado que, recentemente, forças do governo reprimiram com enorme brutalidade um protesto indígena contra a construção de uma estrada em seu território, num parque nacional. Revelou-se, então, uma das contradições de Morales. Seu Estado Plurinacional favoreceu a maioria indígena andina (quéchuas e aymaras - esta a etnia do presidente), mais influentes na política e na economia, em detrimento dos povos da planície e da floresta (amazônicos e guaranis). Milhares destes últimos chegaram ontem a La Paz depois de 63 dias de caminhada para protestar contra a rodovia e foram aplaudidos por uma multidão. Com as reformas, passaram a existir os "índios do Morales" (quéchuas e aymaras) e os contra ele (amazônicos e guaranis). Mas até os primeiros estão achando que ele beneficia mesmo os plantadores de coca, dos quais continua sendo o líder.
A Bolívia é cheia de antagonismos, e Morales acabou por despertá-los. Antes da crise indígena, o presidente foi encurralado pelo separatismo das províncias orientais, chefiado pela economicamente poderosa Santa Cruz de La Sierra. O conflito está adormecido.
Ao adotar a via bolivariana de se perpetuar no poder, Morales acabou estabilizando a Bolívia, que vivia de golpe em golpe. Mas, a partir do segundo mandato, sua popularidade começou a cair devido a um brusco aumento dos combustíveis - do qual foi obrigado a recuar -, por posturas autocráticas e pela crise indígena. Recentemente, em concentração popular a seu favor, anunciou que em dezembro relançará seu governo com uma nova agenda. Só precisa combinar com os bolivianos que tenham paciência para esperar.
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